As emissões globais de CO2
relacionadas à energia devem cair 9% em 2020, de acordo com a consultoria
Enerdata. Um efeito direto do congelamento de viagens e outras medidas para
conter a Covid. O Produto Interno Bruto (PIB) global deve cair cerca de 5% este
ano, indicou o Fundo Monetário Internacional (FMI). Algo jamais visto em tempos
de paz. Por trás desses números estão centenas de milhões de famílias pobres ou
frágeis cuja situação piorou abruptamente.
Se assumirmos que as emissões de gases de efeito estufa ligadas à agricultura e à alimentação mudaram pouco (porque o planeta continuou a comer), a queda nas emissões globais seria então cerca de 7%. Este seria apenas o esforço que a humanidade teria que fazer a cada ano se quisesse limitar o aquecimento global a 1,5°C. IPCC sublinhou as enormes diferenças entre um mundo estabilizado a 1,5°C e um mundo a 2°C, um marco consagrado no acordo climático de Paris. Nesta última hipótese, já bastante desfavorável (pudemos avaliar na França nos últimos verões os impactos de um aquecimento global de apenas 1°C desde o início da era industrial), as emissões globais de gases de efeito estufa deveriam diminuem agora em 2,6% ao ano. Tal queda nunca foi alcançada.
Optar pela descarbonização
No entanto, com os ganhos
tecnológicos, a intensidade energética do PIB (a quantidade de energia
necessária para produzir um bem) diminuiu constantemente: 1,5% a 2% ao ano nas
últimas duas décadas. E a intensidade carbônica da energia (as emissões de CO2
em relação à energia utilizada) caminha para fazer o mesmo, com queda de cerca
de 0,5% ao ano nos últimos cinco anos. Mas essas tendências estão sendo
superadas pelo crescimento do consumo. Consequentemente, as emissões globais
continuam a aumentar (cerca de 1,5% ao ano, em média, na última década) e a
trajetória, assumindo que os Estados cumpram seus compromissos climáticos muito
insuficientes, leva a um mundo de mais de 3°C de aquecimento.
Diante da emergência
climática e da lentidão dos progressos técnicos, a única saída seria agir sobre
os dois últimos termos da equação de Kaya (ver o último parágrafo) e reduzir o
PIB. Ou seja, concretamente, reduzir a riqueza e o número de pessoas que a
compartilham. A epidemia da Covid tornou possível fazer a experiência em grande
escala: mais de 850 mil mortos e 4 trilhões de euros em perda de riqueza em
2020, mais entre os pobres do que entre os ricos. Um regime de decrescimento
rápido do PIB não parece particularmente desejável ou praticável em uma
democracia. Talvez não seja coincidência que as teorias do colapso estejam
tendo certo sucesso. Como num certo imaginário de decrescimento, o futuro
parece uma constelação de sociedades pouco produtivas, pouco técnicas,
inclusive na área da saúde, muito rurais, solidárias, territorializadas, onde o
trabalho é pouco dividido, o que em última instância implica uma humanidade
muito menos numerosa. Mas, ao contrário dos decrescimentistas, os
colapsologistas não precisam se perguntar como reduzir o PIB: a crise ecológica
resolve isso matando muitas pessoas.
“Estamos focando nessa
questão do crescimento ou do decrescimento do PIB, mas isso embaça o debate em
vez de esclarecê-lo, lamenta Philippe Quirion, pesquisador do Centro
Internacional de Pesquisa em Meio Ambiente e Desenvolvimento (Cired). Por mais
que o crescimento do PIB seja uma meta, isso não é desejável e não atende às
necessidades básicas; portanto, almejar uma queda do PIB enquanto tal não faz
sentido. Quando você vê o impacto da recessão atual, é difícil dizer a si mesmo
que é assim que vamos resolver os nossos problemas. Acima de tudo, temos que
dissociar as emissões e a produção, e não é porque não fizemos o suficiente
nesta área até agora, que não seremos capazes de consegui-lo”.
Os cenários de
descarbonização da economia desenvolvidos em escala internacional ou nacional
para ficar abaixo de 2°C repousam sobre uma boa dose de tecnologias de “baixo
carbono”. Não são tecnologias futurísticas, mas soluções já disponíveis
(turbinas eólicas, isolamento de residências, carros elétricos…). Sua
implantação muito lenta não é um problema técnico ou de falta de dinheiro. É um
problema político de alocação de riquezas.
A tecnologia não pode fazer tudo, longe disso. “Existem áreas para as quais não vemos soluções técnicas para reduzir as emissões dentro de um prazo razoável”, continua Philippe Quirion. Isso é especialmente verdadeiro para voos aéreos ou a criação bovina. “Mas pensar que tudo virá das mudanças no comportamento individual também é totalmente errado”. A necessária sobriedade que deverá acompanhar os ganhos tecnológicos passa, em grande medida, por mudanças na organização social: usar e compartilhar menos o carro (elétrico) implica em facilitar o teletrabalho e o urbanismo, aproximando domicílios e atividade.
Melhor para a economia
A boa notícia é que esses
cenários de transição têm um efeito bastante favorável na economia (pelo menos
para os países que não dependem das exportações de hidrocarbonetos). No caso da
França, os modelos da trajetória alcançando a neutralidade de carbono em 2050
levam, em comparação à tendência atual, a ganhos de empregos (inclusive em um
futuro próximo com +300 mil a + 500 mil em 2030), a ganhos (modestos) de
riqueza nacional (um PIB adicional de 1% a 2,5% em 2030) e a um efeito positivo
no poder de compra das famílias ou mesmo no balanço de pagamentos.
Principalmente devido à queda dos preços das energias livres de carbono e ao
fato de que a conta de energia será paga em grande parte em benefício da
economia nacional (lenha, biogás, eletricidade verde).
Mas muitas condições ainda precisam ser cumpridas. Por exemplo, a indústria automotiva ganharia empregos sob a forte suposição de uma relocalização da fabricação de baterias. Acima de tudo, esses resultados pressupõem uma continuação da trajetória de aumento do preço do carbono, explicitamente via tributação de energia ou implicitamente via um endurecimento das normas (em edifícios, por exemplo), condições não atendidas até o momento e que necessitariam compensar os efeitos sociais por meio de mecanismos redistributivos. Finalmente, esses ganhos macroeconômicos esperados correm o risco de se transformar em custos líquidos se a ação climática for ainda mais adiada: quanto mais demorarmos, mais difícil será alcançar a neutralidade de carbono.
A equação de Kaya
A equação de Kaya (em
homenagem ao economista japonês que a formulou em 1993) diz que as emissões de
CO2 são o produto de uma combinação de fatores: o tamanho da
população, o grau de riqueza por habitante (quanto maior o consumo, maios a
poluição), a quantidade de energia utilizada (pode-se produzir de forma mais ou
menos eficiente) e, por último, o CO2 ligado à energia utilizada (a
energia pode ser de origem mais ou menos fóssil). O que é uma tautologia
torna-se problemático se deduzirmos que, para reduzir as emissões, é
indiferente agir sobre um ou outro dos fatores, como eliminar uma parte da
população. (ecodebate)
Nenhum comentário:
Postar um comentário