A
sistematização mais abrangente de estudos sobre a qualidade do ar no país acaba
de ser lançada e traz dados preocupantes.
O
estudo O Estado da Qualidade do Ar no Brasil, elaborado por renomados
cientistas e especialistas no tema, como o físico Paulo Artaxo e a Dra.
Evangelina Vormittag, entre outros, sob coordenação do WRI Brasil, o país
possui uma política nacional de controle da poluição do ar que não é
implementada, tem fragilidades jurídicas e não conta com um cronograma claro de
redução dos poluentes que levam à morte mais de 50 mil brasileiros por ano. Grande
parte da base normativa que sustenta o Programa Nacional de Controle de
Qualidade do Ar (PRONAR) é infra legal, em resoluções do Conselho Nacional do
Meio Ambiente, há ainda o risco de retrocesso.
“A
pandemia da Covid-19 poderá ser interrompida com a vacina, mas a poluição do ar
continuará matando se nada for feito. Estamos falando de um problema sistêmico,
profundo e extremamente letal, para o qual a vacina são políticas públicas
adequadas”, alerta Carolina Genin, diretora do programa de Clima do WRI Brasil.
“A má qualidade do ar foi apontada como o segundo maior perigo ambiental global
à vida humana, perdendo apenas para a Covid-19, e voltará ao topo do ranking
quando o vírus for combatido. Para piorar ainda mais este cenário, estudos
correlacionam o ar tóxico como um fator de agravamento da Covid-19 e de sua
letalidade”, explica Evangelina Vormittag, Diretora Executiva do Instituto
Saúde e Sustentabilidade, médica e representante da Coalizão Respirar, uma das
autoras do estudo.
O
trabalho privilegiou fontes nacionais, evidenciando um relevante acúmulo de
produção científica na área, em especial na interface com a saúde. “Apesar
disso, o setor de saúde é notoriamente ausente da governança da gestão da
qualidade do ar em nível nacional. O combate à poluição do ar é
transdisciplinar, deve ter a gestão compartilhada”, ressalta Evangelina.
Em
apenas seis regiões metropolitanas brasileiras, onde vivem 23% da população
total do país, ela matará quase 128 mil pessoas entre 2018 e 2025. É como se
toda Sertãozinho, no interior de São Paulo, Uruguaiana, no Rio Grande do Sul,
ou Guarapari, no Espírito Santo, simplesmente fossem riscadas do mapa em apenas
sete anos. Sem esse contingente de pessoas, as perdas de produtividade seriam
da ordem de R$ 51,5 bilhões. Mas não se trata apenas de mortes: serão quase 70
mil internações públicas que custarão quase R$ 130 milhões ao Sistema Único de
Saúde.
Estima-se
que os custos associados a mortes prematuras equivaleram a 3,3% do PIB
brasileiro em 2015, mas os impactos da poluição do ar sobre a economia também
abrangem a perda de produtividade de trabalhadores, menor aquisição de
habilidades cognitivas relevantes e perdas na produtividade agrícola. Além
disso, o ozônio troposférico é responsável por perdas consideráveis na produção
agrícola, em especial em regiões periurbana e as afetadas por queimadas
associadas a mudança de uso do solo.
Segundo
o estudo, os índices de qualidade do ar estabelecidos pela Organização Mundial
da Saúde não são atendidos na maioria das grandes cidades brasileiras, e não existem
penalidades se a legislação não é cumprida pelos órgãos competentes. “Há uma
grande lacuna entre as responsabilidades estabelecidas pelo PRONAR e a
implementação de ferramentas em nível estadual. Embora o programa nacional
exija a implementação de uma série de ferramentas e políticas em nível
estadual, estas não se traduzem em realidade”, informa o estudo.
Atualmente,
com a pandemia de Covid-19, a poluição do ar é considerada a segunda maior
causa ambiental de doenças e mortes prematuras em todo o mundo. Os impactos da
poluição do ar na saúde humana estão conectados com doenças pulmonares,
cardiovasculares, acidentes vasculares cerebrais, disposição ao câncer e ao
diabetes, prejuízo no desenvolvimento cognitivo em crianças e demência em
idosos. Segundo levantamento da Organização Mundial de Saúde, mais de 90% da
população mundial não respira ar de qualidade aceitável e está exposta a riscos
diários, resultando em 7 milhões de mortes anuais, ou cerca de 11,6% de todas
as mortes no planeta. Desse total, 600 mil são crianças. Esses números são 15
vezes maiores que o número de mortes causadas por guerras e outras formas de
violência.
Poluentes
como ozônio, metano e carbono negro contribuem tanto para a poluição do ar
quanto para a mudança do clima. Essa sobreposição é importante e aponta áreas
onde ganhos no controle destes poluentes, conhecidos como poluentes climáticos
de vida curta, geram benefícios tanto em termos de qualidade do ar quanto para
a mitigação das mudanças climáticas.
Queimadas
e incêndios florestais são a principal fonte de poluição do ar no Brasil
Central e na Amazônia. Os níveis da poluição do ar gerada pelas queimadas na
região amazônica chegam a atingir valores de PM10 de 500 micrograma/m3,
o que representa cerca de 25 vezes mais poluição do que a média normal da
região (20 micrograma/m3). O desmatamento da Amazônia é também a
principal fonte de emissão de gases de efeito estufa no Brasil.
Queima
de biomassa decorrente das áreas desmatadas e da manutenção de pastos também
libera grandes quantidades de material particulado. Ele tem sido um dos
principais causadores de doenças do aparelho respiratório que ocorrem no
período de seca na Amazônia. Apenas entre julho e outubro/2019, foram mais de
duas mil internações por doenças respiratórias diretamente relacionadas a
queimadas, sendo que os mais afetados foram bebês (21%) e pessoas com mais de
60 anos (49%). Em agosto/2019, quando foi registrado um dos maiores picos no
número de focos de calor no mês desde 2010, cerca de três a quatro milhões e
meio de pessoas foram expostas ao material particulado fino gerado pelas queimadas
além dos limites estabelecidos como nocivos para a saúde. A poluição do ar
relacionada às queimadas e ao desmatamento implicou um custo para o SUS de
cerca de US$ 1,5 milhão em 2019.
Esse material particulado se movimenta, afetando a qualidade do ar em outras regiões. Ele segue as correntes de ar que atuam na Amazônia e que levam a umidade da região para o Centro-Oeste, Sul e Sudeste do Brasil, conhecidas como rios voadores. Além disso, o material particulado aumenta a disponibilidade de partículas na atmosfera que interferem na formação das gotículas de chuva, de forma que elas acabam demorando mais para atingir o tamanho ideal, ou para evoluírem como gotícula e precipitar como chuva, gerando um ciclo vicioso entre queimadas e seca.
Poluição vista no céu do Centro de São Paulo/SP.
Cresce
uso do fogão a lenha
No
Brasil houve uma diminuição do uso de gás para preparação de alimentos em
função do aumento da pobreza. Dois agravantes do aumento do uso de diferentes
produtos para substituir o gás, como madeira, resíduos de poda de plantas, lixo
e outros produtos, é que eles são ineficientes na queima, gerando muitos
poluentes, e atingem mais mulheres, crianças e idosos, que passam mais tempo em
casa. Dados da Empresa de Planejamento Energético (EPE) estimam que quase um
quarto de toda a energia residencial no país vem do uso de lenha. Segundo o
IBGE, em 2018 foram 14 milhões de famílias usando lenha ou carvão para
cozinhar, um aumento de 3 milhões em relação a 2016.
Transporte
de cargas e passageiros
Outra importante fonte de poluentes do ar é o transporte rodoviário de cargas e pessoas. Cerca de 63% dos deslocamentos urbanos em cidades com mais de 1 milhão de habitantes em 2018 e 65% da movimentação de cargas em 2015 se deu sobre quatro rodas. Nos últimos dez anos, o segmento de transportes apresentou a maior taxa média de crescimento de consumo de energia, tornando-se a partir de 2018 o principal consumidor de energia do país.
Névoa de poluição no céu de São Paulo/SP.
Não
se trata apenas de quantidade, mas de (má) qualidade. Ou melhor, de
ineficiência energética: os automóveis, que representam apenas 25% do total de
viagens no país, consomem 60% do total de energia destinada à mobilidade
urbana. O mesmo se aplica ao transporte de carga, no qual o consumo de
combustível para transportar uma tonelada de carga por caminhões é 2,7 vezes
maior do que o consumo dos trens. (ecodebate)
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