Desmatamento na Amazônia
favorece aumento de bactérias resistentes a antibióticos.
Um estudo conduzido por
pesquisadores da USP e colaboradores mostrou que o desmatamento na Amazônia
causa um aumento na diversidade de bactérias resistentes a antibióticos. O
artigo, publicado na revista Soil Biology and Biochemistry, comparou os
microrganismos que vivem no solo da floresta nativa com aqueles encontrados em
pastagens e plantações. Nas áreas desmatadas, observou-se uma quantidade muito
maior de genes que sinalizam a resistência a antimicrobianos.
“As bactérias produzem
substâncias para atacar umas as outras. Essa competição por recursos é comum em
qualquer ambiente. Quando uma área é desmatada, porém, uma série de fatores
aumenta a competição, favorecendo justamente aquelas bactérias que podem
resistir a essas substâncias. Se chegam aos humanos, esses microrganismos podem
se tornar um grande problema”, explica Lucas William Mendes, pesquisador
apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), no
Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da USP, em Piracicaba, e um dos
autores do estudo. A pesquisa integra um projeto ligado ao Programa
Biota-Fapesp e coordenado por Tsai Siu Mui, professora do Cena.
A resistência a antibióticos
é considerada um problema de saúde pública global pela Organização Mundial da
Saúde (OMS). Doenças resistentes a medicamentos, de modo geral, causam cerca de
700 mil mortes por ano no mundo, segundo a organização.
No trabalho realizado pelos
pesquisadores do Cena, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da USP
(Esalq), em Piracicaba, e do Laboratório Nacional de Computação Científica, em
Petrópolis (RJ), foram analisados cerca de 800 milhões de sequências de DNA
extraídas de 48 amostras de solo de áreas do Pará e do norte do Mato Grosso.
Usando ferramentas de
bioinformática, os pesquisadores compararam o material genético das amostras
com um banco de dados de genes conhecidos pela resistência a antibióticos.
Foram encontrados 145 genes com essa característica, capazes de resistir à ação
de antibióticos por meio de 21 mecanismos moleculares diferentes. Ainda que
bactérias resistentes a antibióticos estejam presentes no solo florestal, esses
microrganismos e seus mecanismos de resistência são muito mais abundantes nos
solos de pastagens, áreas desmatadas e plantações.
Microrganismos do
desmatamento
“O processo de ocupação na Amazônia consiste em, primeiramente, derrubar as árvores mais valiosas para exploração da madeira. Em seguida, todo o resto é desmatado e a área, queimada, para dar espaço a culturas agrícolas ou capim para o gado. Além das cinzas da vegetação que vivia ali, o solo recebe ainda calcário para diminuir a acidez e outros insumos agrícolas. Essa abundância de nutrientes gera uma proliferação de bactérias e uma competição feroz por recursos”, diz Mendes.
Novo campo de estudos promete transformar a produção de alimentos e o tratamento de doenças; painel global de especialistas unifica conceitos para definir prioridades de pesquisa e subsidiar legislação (bactérias e fungos isolados de solo e raiz de cana-de-açúcar).
Em trabalhos anteriores, o
grupo do Cena observou que, apesar da menor diversidade de microrganismos no
solo da floresta, há uma maior abundância de bactérias que exercem funções
benéficas para as plantas – como ciclagem de nutrientes e aumento da
fotossíntese – e mesmo para a atmosfera, como a fixação de carbono e o consumo
de metano, gás que é o principal responsável pelo efeito estufa.
No estudo atual, chamou a
atenção dos pesquisadores a grande quantidade de bactérias resistentes a dois
tipos específicos de antibióticos, tetraciclina e betalactamase. Medicamentos
com esses princípios ativos são largamente utilizados no tratamento de doenças
do gado e podem chegar ao solo por meio das fezes e da urina, uma vez que os bovinos
têm baixa absorção de antibióticos. O uso de esterco como adubo pode, segundo
os pesquisadores, contribuir para a propagação das bactérias resistentes.
Não é possível afirmar, no
entanto, que os microrganismos imunes a antibióticos são capazes de migrar do
solo amazônico para os alimentos produzidos nele, como grãos, cana-de-açúcar e
carne. “Alguns trabalhos supõem que essa transferência possa ocorrer, mas ainda
não há estudos que mostrem uma relação direta. É algo que deve ser olhado com
atenção, pois se essas bactérias resistentes chegarem aos humanos podem causar
um grave problema de saúde pública”, afirma Mendes.
Tampouco há soluções
imediatas para impedir o surgimento dessas bactérias em solos cultivados. Um
manejo que leve em consideração outras funções dos microrganismos além da
produtividade das plantas, como ciclagem de nutrientes e diminuição de espécies
produtoras de metano, por exemplo, pode ajudar a mitigar o problema.
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