No começo do ano passado,
quando as primeiras medidas de isolamento social e de quarentena foram
decretadas, teve analistas dizendo que haveria um baby boom em decorrência dos
casais ficarem presos dentro de casa. Fariam mais sexo e teriam mais filhos.
Contudo, este tipo de visão desconsidera que existe uma separação entre sexo e
reprodução e, em geral, as pessoas usam métodos contraceptivos para desfrutar
livremente da sexualidade. No dia 16/03/2020 dei uma entrevista ao jornal
Valor, que saiu com o seguinte título: “Demógrafo descarta ‘baby boom’
provocado pelo coronavírus”. Quase um ano depois, mesmo sem ter ainda os dados
definitivos, já podemos dizer que o efeito da covid-19 sobre a taxa de
natalidade no Brasil foi de reduzir o número de nascimentos e não de aumentar
(também reduziu o número de casamentos legais).
Sem dúvida, isto reflete a não inclusão dos registros tardios que ainda devem ser incorporados na série. A hipótese de já refletir uma queda da natalidade em função da pandemia é pouco provável, pois a primeira quarentena no Brasil começou em meados de março e decisões reprodutivas para ter efeito na natalidade em 2020 teriam que ser tomadas 9 meses antes do fim do ano. Uma possibilidade de queda da natalidade ainda em 2020 poderia ocorrer se houvesse um aumento do número de abortos durante o período da pandemia, mas não há dados para verificar esta hipótese. Estudos mostram que a pandemia já impactou a natalidade na China e nos EUA, mas em ambos os países os primeiros casos começaram mais cedo e há a possibilidade legal de interrupção da gravidez.
O gráfico abaixo compara as 3 fontes de dados para o período 2015 a 2019 e o registro do Portal da Transparência para o ano 2020. Nota-se que em 2019 as três fontes apresentam valores bem semelhantes. Para 2020, os dados definitivos ainda não estão disponíveis e isto já reflete uma fraqueza do sistema estatístico nacional que não tem agilidade o suficiente para apresentar os dados mais atualizados em um momento tão grave. Além do mais, a pandemia exigiria um aprofundamento da discussão sobre os direitos sexuais e reprodutivos e a disponibilidade de métodos de regulação da fecundidade para que as mulheres e os casais pudessem tomar decisões livres e conscientes, fortalecendo a capacidade de autodeterminação reprodutiva. Isto quer dizer que a população brasileira não teve apoio da política nacional de saúde reprodutiva para tomar as decisões sobre ter ou não ter filhos durante a pandemia. Principalmente, a população mais pobre ficou “ao deus-dará”.
A tabela abaixo mostra o número de nascimentos para os meses de janeiro entre 2015 e 2020 para o SINASC e de 2015 a 2021 no Portal da Transparência. Nota-se que os números do SINASC eram maiores no início da série, mas em 2019 o número foi maior no Portal da Transparência. O que chama a atenção é o dado de janeiro de 2021 que apresenta uma queda que pode ser considerada significativa no número de nascimentos. De fato, esta queda já pode indicar o efeito da pandemia no sentido de reduzir a natalidade. Evidentemente, este dado deve ser visto com cuidado, pois existem registros tardios que ainda não foram incorporados no sistema. Mas também esta queda pode refletir a tendência de longo prazo apresenta no primeiro gráfico.
Indubitavelmente, os dados acima confirmam uma tendência bem conhecida dos demógrafos brasileiros que estudam as complexas causas da queda do número absoluto de nascimentos desde o segundo quinquênio da década de 1980. O movimento de queda da fecundidade (filhos por mulher) e da natalidade (nascimentos em relação à população) é evidente e consistente e deve continuar durante todo o restante do século como mostram as projeções do IBGE e da Divisão de População da ONU.
Conhecer a dinâmica
demográfica brasileira é fundamental para evitar posturas catastrofistas quer
seja quando se trata de “explosão populacional” ou “implosão populacional”
(Alves, 2000). Acima de tudo é preciso garantir o direito à livre escolha e
garantir que as pessoas possam ter as informações e os meios para efetivar suas
decisões reprodutivas. Oscilações conjunturais não devem ofuscar as
transformações estruturais de longo prazo.
O fato da natalidade cair durante a pandemia não é motivo de preocupação, pois trata-se de uma resposta racional e multifásica diante da conjuntura economia global e da emergência sanitária.
Pandemia de COVID-19 provoca queda histórica na taxa de natalidade brasileira.
Janeiro/2021 registrou 15%
nascimentos a menos do que o mesmo dos últimos 19 anos; no Paraná a queda foi
de 9,6%.
Como dizia o grande
matemático e filósofo, Marquês de Condorcet, em 1794, não é racional colocar
filhos no mundo para sofrer. Quando o contexto exige, a redução da fecundidade
é uma postura de precaução diante das condições adversas.
A covid-19 gerou um
pandemônio econômico global e uma emergência sanitária internacional e não
faria sentido esperar o mesmo comportamento reprodutivo de outras conjunturas
mais favoráveis. Desta forma, pequenas variações na natalidade são normais. O
máximo que a covid-19 pode fazer nesta área é antecipar um pouco uma tendência
de redução do número de nascimentos no Brasil que já começou em 1985 e vai
continuar durante todo o século XXI. Não há motivos para alarmismos!
A população brasileira cresceu mais de 50 vezes nos últimos dois séculos. Agora estamos em fase de transição e no futuro (segunda metade do século XXI) haverá um momento novo, quando o decrescimento demográfico será a tendência predominante no país. Não cabe demonizar a redução do tamanho da população e sim adaptar as políticas públicas para a nova dinâmica demográfica.
Recém-nascido
Em razão da pandemia,
cartórios registram o menor número de nascimentos em janeiro desde 2002.
Após 10 meses da crise
sanitária, casais optaram por não ter filhos e número de nascimentos teve o
menor patamar desde o início do levantamento.
Existem desafios tanto no
crescimento, quanto no decrescimento populacional, a questão é ter inteligência
e sensatez para lidar com as diversas realidades em constante transformação.
(ecodebate)
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