O setor de energia é a
principal fonte de gases de efeito estufa entre os municípios mais emissores no
Sudeste brasileiro. A região liberou 396,2 milhões de toneladas brutas de gás
carbônico equivalente (CO2e) na atmosfera em 2018, o correspondente
a 20% do total nacional. O uso e a produção de energia respondem pela maior
parte (44%) desse total. Os dados constam da primeira edição do SEEG
Municípios, uma iniciativa do Observatório do Clima. O cálculo considera o CO2
e outros gases de efeito estufa, como metano (CH4) e óxido nitroso
(N2O).
Chama a atenção o fato de que
o setor de energia é o principal emissor em apenas 22% dos 1.668 municípios do
Sudeste. Na maioria das cidades (67%), é a atividade agropecuária a maior
responsável pela liberação de gases de efeito estufa na região. Apesar disso, em
termos absolutos, a agricultura e a pecuária emitiram menos em comparação ao
setor de energia.
“Isso ocorre porque
municípios mais populosos, como capitais e grandes áreas metropolitanas, têm no
setor de energia sua principal fonte de emissões, sobretudo devido ao consumo
de combustíveis fósseis nos transportes”, explica Felipe Barcellos e Silva,
pesquisador do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema), organização
responsável por compilar as informações sobre esse setor.
Com o crescimento urbano
decapitais como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, as emissões de
gases de efeito estufa decorrentes do consumo de energia também aumentaram,
avalia Barcellos. “Em 2000, o Sudeste emitiu 120 milhões de toneladas de CO2e
no âmbito do setor de energia. Em 2018, foram mais de 173 milhões de toneladas
de CO2e.”
Além da circulação de
veículos movidos por motor a combustão, a queima de combustíveis fósseis também
se destina a aquecer fornos industriais ou gerar energia mecânica e elétrica.
Nos municípios fluminenses de Duque de Caxias e Macaé, por exemplo, as usinas
termelétricas fósseis são as principais fontes de emissão de GEE.
Em Serra (ES), grande parte
das emissões decorre do uso de combustíveis como coque de carvão mineral, a fim
de se produzir ferro gusa e aço. “Nesse caso, o setor siderúrgico utiliza o
combustível em processos industriais que visam a transformação química de
materiais”, esclarece Barcellos.
Outro fator relevante na conta das emissões no Sudeste é o refino e o processamento de petróleo para a produção de diesel e gasolina, além de outros derivados, concentrada em municípios como Paulínia e São José dos Campos, no interior de São Paulo.
No quadro geral, as emissões do Sudeste aumentaram se comparadas com o total registrado no ano de 2000, quando a região emitiu 367,8 milhões de toneladas de CO2e. Além do setor de energia, a agropecuária também contribuiu para elevar as quantidades de gases de efeito estufa liberados na região. Nessa categoria, as emissões subiram de 95,7 milhões de toneladas de CO2e em 2000, para 99,6 milhões de toneladas em 2018.
A maioria dos municípios que
mais emitem nesse setor está em Minas Gerais, informa Renata Potenza,
coordenadora de projetos do Imaflora, uma das entidades que participaram do
levantamento. “O estado corresponde a 55% das emissões provenientes da
agropecuária na região Sudeste, devido principalmente à produção de gado de
corte e de leite.” É o caso, por exemplo, das cidades mineiras de Uberaba,
Unaí, Prata e Uberlândia.
“A chamada fermentação
entérica é um dos fatores que contribuem para as emissões no âmbito da
agropecuária”, diz Potenza. Ela se refere ao processo de digestão do rebanho
bovino, durante o qual os animais liberam gás metano via eructação – o popular
“arroto” do boi. Outro agente causador de emissões é o manejo do solo para o
cultivo de soja e outras commodities. “A emissão de N2O em solos
manejados decorre da aplicação de fertilizantes nitrogenados, da deposição de
dejetos animais na pastagem e de resquícios agrícolas que passam por
decomposição”, explica Potenza.
As emissões provenientes do
setor de resíduos também apresentaram aumento no Sudeste. A liberação de gases
de efeito estufa, nessa categoria, saltou de 31,7 milhões de toneladas de CO2e
em 2000, para 42,6 milhões de toneladas em 2018. “Embora responda por apenas 4%
das emissões brutas do Brasil, o tratamento de resíduos é uma fonte importante
para as cidades, especialmente as mais populosas”, analisa Iris Coluna,
engenheira ambiental do ICLEI – Governos Locais pela Sustentabilidade.
O Sudeste responde por 45%
das emissões nacionais provenientes do descarte de resíduos. A cidade do Rio de
Janeiro lidera esse setor, com 5,7 milhões de toneladas CO2e
liberados em 2018, seguida por São Paulo, que, apesar de ter o dobro da população,
emitiu 5,4 milhões de toneladas de CO2e. “A capital paulista
apresenta maior eficiência no tratamento de lixo e na captura de metano para
gerar energia em aterros sanitários”, diz Coluna.
A principal fonte de emissão
no setor é a disposição final de resíduos sólidos em aterros sanitários,
aterros controlados ou lixões. Em relação a isso, Coluna faz uma ressalva. “As
emissões de municípios que depositam seus resíduos em aterros localizados fora
da fronteira da cidade podem estar superestimadas.” Ela cita como exemplo o
município de Caieiras (SP), onde se localiza o Aterro CTR Caieiras, que utiliza
o biogás produzido como combustível para geração de energia elétrica.
Ocorre que, enquanto a
estimativa de emissão de CO2e é realizada com base na quantidade de
resíduos gerados em cada cidade, a taxa de recuperação de metano é baseada na
localização do aterro sanitário. Como o Aterro CTR Caieiras recebe lixo
doméstico coletado em cidades vizinhas, entre elas São Paulo, a recuperação de
metano em Caieiras é bem maior do que as emissões por resíduos registradas no
município.
A única atividade que apresentou redução das emissões no Sudeste foi a de mudanças de uso da terra e florestas, em sua maior parte provenientes do desmatamento. Em 2000, a região havia emitido 75,5 milhões de toneladas de CO2e; já em 2018, a taxa caiu para 34,1 milhões de toneladas de CO2e.
“Regiões que não mais apresentam grandes alterações de uso da terra possivelmente indicam que muitas áreas de vegetação nativa já foram degradadas em décadas anteriores”, avalia Bárbara Zimbres, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). De acordo com ela, as emissões por desmatamento estão mais concentradas ao norte de Minas Gerais, em municípios como João Pinheiro, Buritizeiro e Paracatu, onde a produção pecuária também é destacada.
“Além disso, a região Sudeste
tem menos grilagem de terras públicas ou áreas indígenas quando comparada à
região Norte. Isso porque as terras do Sudeste são menores em extensão e,
portanto, mais fáceis de serem fiscalizadas”, comenta Zimbres.
O levantamento do
Observatório do Clima não é feito só de emissões. As análises também levam em
consideração ações de remoção de gases de efeito estufa colocadas em prática
nos municípios. “É possível remover CO2 da atmosfera a partir de
alterações de cobertura e uso da terra”, afirma Zimbres. “Isso pode ser feito
por meio do manejo de áreas protegidas, como terras indígenas, ou de florestas
secundárias, formadas em áreas degradadas”, explica a pesquisadora.
Mesmo com altas taxas de
desmatamento, as cidades mineiras de João Pinheiro, Buritizeiro conseguem
remover volumes consideráveis de carbono da atmosfera, reduzindo as chamadas
emissões líquidas. Ao todo, o Sudeste foi responsável pela remoção de 56,8
milhões de toneladas de CO2e da atmosfera em 2018, graças à
vegetação secundária, principalmente em Minas Gerais.
Para Iris Coluna, um dos
méritos do SEEG Municípios é disponibilizar dados locais para que cada cidade
possa elaborar suas próprias estratégias de redução de emissões. “Ter acesso a
esse tipo de informação é importante, porque permite que o município compreenda
sua realidade ambiental e enfrente os problemas de maneira mais efetiva.”
Na visão do engenheiro florestal Tasso Azevedo, coordenador-geral do SEEG, o levantamento fornece informações para que gestores municipais e outros atores sociais possam se concentrar exclusivamente na elaboração de planos e políticas públicas.
“Até hoje, menos de 5% dos municípios brasileiros tinham algum inventário de emissões de gases de efeito estufa. Como os dados são disponibilizados de forma aberta e gratuita, significam também uma enorme economia de recursos públicos, que podem ser direcionados em ações para reduzir emissões”, observa Azevedo. (ecodebate)
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