O Brasil está enfrentando mais uma crise hídrica ou
ainda estamos na mesma crise que começou em 2012? O fato é que o País, com
extensão continental, com abundância de vento, água e sol e com grande
potencial para geração renovável, está com problemas.
Principais Sistemas Climáticos e a crise hídrica
Apesar do Brasil ser um país com enorme extensão
continental, o grande regulador dos padrões meteorológicos que influenciam no
continente são os oceanos, que interagem com a atmosfera e regulam o balanço de
energia através da redistribuição do vento e da água. O padrão de precipitação
de uma região pode ser alterado por diversos sistemas meteorológicos e
climáticos, que possuem diferentes resoluções espaciais e temporais. Um dos
sistemas climáticos mais conhecidos e monitorados é o El Niño – Oscilação Sul.
O El Niño é um dos sistemas climáticos que mais
recebe atenção da mídia e da comunidade científica, por representar cerca de
40% da variabilidade climática no Brasil, principalmente nas regiões Sudeste e
Nordeste (GRIMM et al., 1998; KAYANO, ANDREOLI, 2016). No entanto, outros
sistemas também são capazes de alterar o padrão de precipitação nas bacias de
geração hídrica, especialmente quando estes sistemas de menor influência atuam
simultaneamente. Alguns exemplos destes sistemas são: Oscilação Antártica (OA)
ou Modo Anular Sul (SAM), Oscilação de Madden Julian (OMJ), Oscilação Quase
Bienal (QBO) entre outras.
A atual crise hídrica possui diversas semelhanças
com a crise que enfrentamos nos anos de 2014 e 2015. Porém, para compreender o
impacto da meteorologia na crise atual, é necessário um maior entendimento dos
sistemas citados anteriormente.
A Oscilação Antártica, também conhecida como Modo Anular Sul, é um fenômeno de variabilidade climática que domina a circulação extratropical. Essa circulação está associada a um cinturão de baixa pressão, que se concentra próximo à Antártica em sua fase positiva e se expande até o sul da América do Sul em sua fase negativa (Figura 1). O processo de expansão ou retração do cinturão de baixa pressão normalmente dura de semanas a meses.
Figura 1: Primeira EOF de anomalia mensal de altura geopotencial em 700 hPa (1980-2006) abril (esquerda) e julho (direita) representando as fases positiva e negativa, respectivamente. Adaptado de Vasconcellos (2012).
De forma geral, a fase positiva reduz o avanço dos sistemas frontais pela América do Sul, diminuindo o volume de precipitação no centro-sul brasileiro. Enquanto a fase negativa permite que estes sistemas transientes adentrem o continente, favorecendo positivamente a geração hídrica e manutenção dos reservatórios.
No índice da oscilação Antártica, observa-se o predomínio da fase positiva desde os últimos meses de 2020, padrão que também foi observado nos anos de 2015 e 2016 (Figura 2).
Figura 2: Média móvel trimestral do Índice AAO. Fonte NOAA CPC.
Oscilação de Madden Julian (OMJ) é uma oscilação intra-sazonal que se propaga através da faixa tropical do globo, com ciclo em torno de 30 a 60 dias. Esse pulso de convecção promove o aumento/diminuição da precipitação regional. Nas fases 4 e 5 (1 e 8) a oscilação é desfavorável (favorável) à precipitação no Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste do Brasil (DE SOUZA, AMBRIZZI, 2006).
Em 2020 a configuração de um bloqueio atmosférico persistente promoveu recordes de temperaturas e baixos volumes pluviométricos entre setembro e outubro no Brasil, principalmente no Sudeste, influenciado pela OMJ (Figura 3). No verão de 2013 a 2014, a OMJ também ficou estacionada por muito tempo nas fases 5 e 6, o que influenciou na presença de bloqueio atmosférico no Sudeste, deixando o tempo seco na região, e com temperaturas elevadas, condições que acarretaram o agravamento da crise hídrica.
Figura 3: Índice da Oscilação de Madden Julian de 16/09/2020 a 14/12/2020.
Ainda não há o entendimento por completo do por que a OMJ persistiu por tanto tempo nas fases 5 e 6 (desfavorável a precipitação) em 2020 e em 2013/2014. Uma das possíveis explicações é a influência da Oscilação Quase-Bienal (QBO), no qual a fase negativa da QBO é capaz de alterar a duração e intensidade das fases da OMJ.
Na crise hídrica de 2013/2014, foi no verão que o nível do sistema Cantareira (abastecimento humano) começou a ficar mais crítico. O ano de 2014 contou com vários meses com chuva abaixo da média, em 2015 os volumes de chuva apesar de acima da média (influenciados pelo El Niño) não foram suficientes para recuperar o volume dos reservatórios, uma vez que este se encontrava no volume morto. Além do impacto causado pelo consumo acima da média (MARENGO; ALVEZ, 2015)
A fase e posição destes sistemas climáticos, influenciaram também os níveis dos reservatórios de geração de energia e da energia natural afluente (ENA) na crise hídrica de 2014/2015 e estão impactando de forma negativa novamente nos anos de 2020/2021.
E por fim estamos na fase negativa da ODP (Oscilação Decadal do Pacífico; MANTUA; HARE, 2002), que é quando há a diminuição das temperaturas do Oceano Pacífico. A fase negativa da ODP é capaz de aumentar a incidência e intensidade de eventos de La Niña em a diminuição e enfraquecimento do El Niño. Para a fase positiva da ODP o impacto é observado principalmente no leste do Brasil de novembro a fevereiro, sobre o Norte e Noroeste da América do Sul durante março e abril. Enquanto a fase negativa apresenta impacto sobre o Nordeste março e abril (KAYANO, ANDREOLI, 2016).
Diante de todos os fenômenos analisados, a conclusão para a primeira questão: O Brasil está enfrentando mais uma crise hídrica ou ainda estamos na mesma crise que começou em 2012? é que sim, estamos na mesma crise hídrica, que teve momentos mais brandos e agora está na sua fase crítica novamente.
Qual a expectativa para os próximos meses?
Estamos praticamente no Inverno e nesta época do ano
não se espera por chuva significativa para a região central do Brasil. Não há
nenhum fenômeno meteorológico previsto que possa mudar este quadro. No Sul, ao
contrário, apesar da pouca sazonalidade anual nas Bacias, é o período das
melhores chuvas. A previsão ainda é de irregularidade na precipitação, mas em
uma condição muito melhor do que o observado até o início de maio, quando as
frentes frias praticamente não provocavam instabilidades sobre a Região. A boa
notícia é que não há expectativa de atraso na entrada do próximo período úmido!
(ecodebate)
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