As áreas de pasto ocupam 75%
do que foi desmatado nas terras públicas não destinadas da Amazônia, boa parte
resultante de grilagem, contaminando o setor com ilegalidade.
As informações são de um
estudo lançado hoje por pesquisadores do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental
da Amazônia), que mostra o avanço do desmatamento nessas áreas na última década
e seu peso para o agravamento das mudanças climáticas.
O texto aponta que, entre
1997 e 2020, um total de 21 milhões de hectares foram destruídos, ou 8% dos
276,5 milhões de hectares de florestas públicas existentes da Amazônia Legal. É
uma área maior do que o Paraná. A emissão de gases estufa associada é de 10,2
giga toneladas de CO2, correspondendo a cinco anos de emissões
brasileiras.
“A grilagem é um fator de risco para o equilíbrio climático do planeta, e ainda carrega para o setor da pecuária dois problemas: ilegalidade e mais emissões de gases do efeito estufa”, diz o pesquisador sênior do IPAM, Paulo Moutinho. “Uma economia verdadeiramente de baixo carbono no Brasil precisa passar por uma análise ampla sobre o impacto das cadeias produtivas no agravamento do efeito estufa. Deixar essas emissões de lado não faz sentido quando temos uma emergência climática em curso”, alerta.
A COP 26, a Conferência do Clima da ONU, começa na próxima semana em Glasgow, no Reino Unido, com a missão de acertar o livro de regras do Acordo de Paris, que estabelece esforços globais para controlar as emissões de gases do efeito estufa. Um dos pontos em aberto é o funcionamento de um mercado de carbono que tem o potencial de impulsionar projetos de conservação de florestas tropicais.
“Se o Brasil quiser se
mostrar como destino de investimentos em projetos de REDD+ [Redução de Emissões
por Desmatamento e Degradação Florestal], por exemplo, precisa fazer a lição de
casa. Isso significa necessariamente acabar com o desmatamento, começando por
proteger as florestas públicas e combater a grilagem de forma definitiva”,
afirma Moutinho.
“Terra de ninguém”
O problema é grave. A nova análise do IPAM mostra que 44% do desmatamento nos dois últimos anos (2019 e 2020) na Amazônia ocorreu em terras públicas.
Terras indígenas e unidades
de conservação, ainda que sob intensa pressão, mostram os menores índices de
desmatamento: somente 1% e 2% de suas áreas totais, respectivamente, foram
convertidas para outros usos. Já a conversão da floresta em pasto é regra em
terras devolutas e florestas não destinadas, muitas vezes seguidas por um
Cadastro Ambiental Rural (CAR) irregular, numa tentativa de emular posse da
terra para venda ou para usufruto.
Atualmente, existem 16
milhões de hectares de florestas públicas não destinadas declaradas como
propriedade privada dentro do Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural, e
15,2 milhões de hectares nas outras terras não destinadas. O desmatamento nas
áreas com CAR foi 59% maior no período 2016 a 2020 em relação ao período
anterior, de 2011 a 2015.
“Depois do desmatamento, um
quarto da área é abandonado e começa a apresentar indícios de regeneração. O
restante vira pasto e continua até hoje”, explica a principal autora do estudo,
a pesquisadora Caroline Salomão. “Nos últimos dez anos, percebemos que o pasto
permaneceu nessas áreas públicas, ou seja, houve algum tipo de investimento.”
O boi criado nessas áreas
pode ser vendido para outras fazendas e, mais cedo ou mais tarde, acaba
invariavelmente em um frigorífico. Como as empresas não monitoram o cumprimento
de regramentos sociais e ambientais de seus fornecedores indiretos, ele não é
computado como carne de desmatamento ilegal.
Segundo Salomão, frigoríficos e varejistas – com o auxílio do Ministério Público e de governos federal, estaduais e municipais – poderiam investir em tecnologias para mapear todas as fazendas de fornecimento, dando escala a iniciativas inovadoras como “Boi na Linha”, GT Rastreabilidade do Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável (GTPS), Grupo de Trabalho de Fornecedores Indiretos (GTFI), “Selo Verde”, entre outras.
Além disso, investimentos em capacitações sobre melhoria produtiva e regularização ambiental para fornecedores podem fazer uma grande diferença. “É claro que o combate à grilagem e a proteção das terras públicas é responsabilidade do governo. Mas o setor privado pode ser determinante para a mudança ao fechar as portas para ilegalidade”, defende a autora. (ecodebate)
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