Em 22 de outubro, durante
a visita à Colômbia como parte de sua viagem pela América do Sul, o secretário
de Estado norte-americano Antony Blinken anunciou a intenção de Washington de
lançar um pacto regional na Amazônia. Segundo apontou, a parceria será focada
na redução do desmatamento e na proteção de terras indígenas na região amazônica.
Curiosamente, o Brasil, sendo o maior país amazônico, ficou de fora dessa visita e obviamente não participou das discussões desse pacto regional. A Sputnik Brasil dialogou com André Guimarães, diretor-executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), que espera que uma nova parceria não signifique uma interferência na soberania dos países latino-americanos.
Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, fala durante sua visita à Colômbia, Bogotá em 21/10/2021.
Embora os EUA não façam
parte da América Latina e não tenham floresta amazônica em seu território,
André Guimarães diz que a iniciativa de nova parceria regional demonstra uma
disposição do governo americano de contribuir com processos de conservação da
Amazônia, tal como outros países de fora da região amazônica, principalmente
entre Estados europeus como Noruega, França, Reino Unido e Alemanha, que já há
muitas décadas contribuem com recursos, tecnologia e cooperação técnica para
promover a conservação da Amazônia.
"Esperamos que isso
não signifique uma interferência na soberania dos países", expressa ele,
uma vez que isso, na sua visão, seria na realidade "um tiro no pé, porque
criaria animosidades e não sentido de coletividade, o sentido de
colaboração" que é necessário para contribuir para a conservação da
Amazônia.
Posição histórica do
Brasil na resolução do problema
"O Estado
brasileiro, a nação brasileira, é uma peça-chave no quebra-cabeça
amazônico", afirma o diretor, apontando que o Brasil tem mais de 65% da
região amazônica. Porém, ele relembra que é importante separar o Brasil e a
sociedade brasileira do governo Bolsonaro.
Então,
"independentemente do governo que esteja liderando o país [...] o Brasil
tem uma posição histórica na contribuição positiva para a agenda das mudanças
climáticas", acredita.
Para ilustrar suas
palavras, ele recorda que entre 2003 e 2012 o Brasil conseguiu reduzir 80% do
desmatamento da Amazônia e essa redução do desmatamento foi também a redução de
emissões de carbono, que foi correspondente ao equivalente a toda a redução da
União Europeia.
Conforme o especialista,
nós infelizmente estamos vendo um aumento do desmatamento que em grande parte é
impulsionado pela posição do governo federal. Mesmo assim, se se fizer a
distinção entre o governo Bolsonaro e o Brasil, os brasileiros têm consciência
da importância de conservar a Amazônia e "não toleram" o problema do
desmatamento.
Desmatamento ilegal:
razões e medidas de combate
Em abril de 2021, o
presidente Jair Bolsonaro prometeu zerar o desmatamento ilegal até 2030. Mas,
já que falamos de crime e ilegalidade neste caso, André Guimarães acha que essa
meta deveria ser alcançada antes.
"Uma sociedade
moderna não pode compactuar com ilegalidade por mais dez anos", disse.
Ainda mais, na realidade é um compromisso anterior que faz parte do acordo de
Paris desde 2015, aponta o especialista.
Entre as razões do desmatamento ilegal, cada vez mais acelerado, está principalmente a grilagem de terra, quando os criminosos se apropriam de terras públicas. Segundo os dados do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia compartilhados pelo especialista, nos últimos quatro anos 44% do desmatamento da Amazônia aconteceu em florestas públicas. Por isso, o principal instrumento para combater o desmatamento ilegal é eliminar a grilagem de terras públicas.
Pescadores pescam no rio Tapajós no distrito de Santarém, estado do Pará em 27/08/2020.
Além disso, é preciso
implementar o Código Florestal com os limites de desmatamento, acredita o
diretor. Em terceiro lugar, é necessário manter a integridade das terras
indígenas, das áreas protegidas, como parques e reservas naturais.
Segundo ele, os
territórios indígenas cumprem um papel fundamental "em eles sendo os
guardiões dessas florestas". De acordo com dados do especialista, apenas
entre 1 e 2% do desmatamento acontece dentro dos territórios indígenas e áreas
protegidas. Assim, é comprovado pela ciência que quanto maior o grau da
proteção das áreas, menor a taxa de desmatamento.
Instrumentos e incentivos
para combater o desmatamento
Um instrumento
extremamente importante existente no Brasil, do ponto de vista do analista, é a
lei federal de Pagamento com Serviços Ambientais, aprovada pelo Congresso
Nacional aproximadamente há dois meses.
Mesmo que seja uma lei
nova, ela vai na direção certa, acredita André Guimarães: de premiar e
remunerar aqueles proprietários de terra que conservem florestas e assim criar
um valor para floresta dentro de uma propriedade privada.
Além disso, no Brasil
existem também vários mecanismos financeiros: incentivos fiscais para algumas
atividades de reflorestamento, taxas de juro mais baratas, mas eles são muito
pequenos diante do tamanho do problema.
Ainda mais, na opinião do
diretor, há decisões de nosso dia a dia que podem favorecer ou não a
conservação da Amazônia: por exemplo, a sociedade de consumo pode escolher
produtos que favorecem a manutenção da floresta, produtos que são produzidos de
maneira sustentável.
Boicote não é solução do
problema
Em 18/10/21 os EUA
anunciaram a criação da Lei Florestal 2021, que vai barrar a importação de
produção agrícola pelos EUA de países com índices altos de desmatamento
florestal. Essa lei cita o Brasil como exemplo de problema.
Na opinião do diretor, esse tipo de legislação pode ajudar, mas tem uma enorme chance de atrapalhar.
Área desmatada na Amazônia.
O boicote generalizado
acaba penalizando aqueles que estão cumprindo a lei corretamente. Nesse caso,
pode proibir a importação daquelas pessoas e fazendas que não desmatam.
"O problema exige
soluções mais complexas. Boicote resolve o problema da consciência de quem
boicota, mas não resolve o problema das cadeias de desmatamento, das cadeias da
ilegalidade ou das cadeias da injustiça social."
'Dois Brasis' na próxima
cúpula do clima
Em 31 de outubro se
iniciará a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática de 2021 em
Glasgow, também conhecida como a COP26.
Conforme constata o
especialista, dois Brasis vão se apresentar na COP26 de Glasgow: um
"Brasil formal", que é o governo federal, que vai demonstrar que a
situação não é tão grave e tentar convencer os outros pares disso.
Outro Brasil é a
sociedade brasileira representada por empresas de energia, por instituições de
pesquisa, por governos estaduais, que demonstra uma vontade da sociedade
brasileira de cumprir os compromissos internacionais e especialmente os
compromissos ligados ao meio ambiente e clima.
"Eu acho que o Brasil é um líder regional nato pelo tamanho, pelo tamanho da economia [...] pela credibilidade histórica do país. Não só em nível regional, em nível global: o Brasil é o sexto maior emissor de carbono do planeta. Eu não consigo ver soluções nem regionais, nem globais sem o Brasil sentado à mesa", concluiu.
Desmatamento na Amazônia de acordo com as últimas análises estudadas tem uma grande tendência de alta no ano. (sputniknews)
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