As emissões brasileiras de
gases de efeito estufa em 2020 cresceram 9,5%, enquanto no mundo inteiro elas
despencaram em quase 7% devido à pandemia de Covid-19.
A alta no desmatamento no ano
passado, em especial na Amazônia, pôs o Brasil na contramão do planeta e o
deixa em desvantagem no Acordo de Paris. É o maior montante de emissões desde
2006. Com o aumento da emissão e a queda de 4,1% no PIB, o Brasil ficou mais
pobre e poluiu mais.
O dado vem da nova estimativa
do SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa), do
Observatório do Clima, que todo ano calcula quanto o Brasil gerou de poluição
climática. Em sua nona edição, lançada em 28/10/21, o SEEG calculou em 2,16
bilhões de toneladas de gás carbônico equivalente (GtCO2e) as
emissões nacionais brutas no ano passado, contra 1,97 bilhão em 2019. É o maior
nível de emissão do país desde 2006.
Descontando as remoções de
carbono por florestas secundárias e áreas protegidas, as emissões líquidas do
país no ano passado foram de 1,52 GtCO2e, o que representou um
aumento de 14% em relação a 2019, quando elas foram de 1,34 GtCO2e
(veja box).
Dos cinco setores da economia
que respondem pelas emissões do Brasil, três tiveram alta, um teve queda e um
permaneceu estável.
O setor de energia, que
respondeu por 18% das emissões do país no ano passado, teve uma queda forte, de
4,6%. Isso ocorreu em resposta direta à pandemia, que nos primeiros meses de
2020 reduziu o transporte de passageiros, a produção da indústria e a geração
de eletricidade. Com 394 milhões de toneladas de CO2e, o setor
energético retornou aos patamares de emissão de 2011.
“O setor de energia foi
aquele que apresentou a maior queda percentual de emissões em 2020. Esse
resultado é um claro reflexo da diminuição de atividades emissoras devido à
pandemia de Covid-19, quando foi necessário que as pessoas evitassem se
deslocar. Destaca-se a diminuição de emissões nos transportes de passageiros. O
consumo de combustível na aviação caiu pela metade. A demanda por gasolina e
etanol também diminuiu de maneira relevante”, comenta Felipe Barcellos,
pesquisador do Iema (Instituto de Energia e Meio Ambiente), que estima as
emissões para os setores de energia e processos industriais.
As emissões da agropecuária,
que abarcaram 577 milhões de toneladas de CO2e (27% do total
nacional) em 2020, também sofreram uma alta, de 2,5%. É a maior elevação desde
2010 num setor cujas emissões nos últimos anos vêm oscilando pouco. Isso
ocorreu em parte por uma razão contraintuitiva: a crise econômica diminuiu o
consumo de carne, com uma redução de quase 8% no abate de bovinos. O rebanho
nacional aumentou em cerca de 3 milhões de cabeças, o que, por sua vez,
aumentou também as emissões de metano por fermentação entérica (o popular
“arroto do boi”).
“O setor agropecuário atingiu
a maior emissão de gases de efeito estufa de todos os tempos, mesmo em ano de
pandemia. Embora seja visível o crescimento da implementação de técnicas de
agricultura de baixo carbono no Brasil, inclusive com o cumprimento de grande
parte das metas do Plano ABC, esse crescimento ainda está aquém dos patamares
necessários para que possamos ver a trajetória de emissões do setor ser
modificada e demonstrar o real potencial que o Brasil possui em se ter uma
agropecuária sustentável e de baixo carbono”, explica Renata Potenza,
coordenadora de projetos do Imaflora, organização responsável pelo cálculo das
emissões da agropecuária.
No setor de resíduos as
medidas de quarentena também possivelmente (ainda há incertezas sobre o efeito)
aumentaram as emissões, principalmente pela disposição de lixo em aterros
sanitários e lixões (já que estimativas não oficiais indicam que a geração de
resíduos sólidos municipais aumentou cerca de 10% no ano de 2020) e de esgoto
doméstico. O crescimento no setor foi de 1,8%, saindo de 90,4 milhões para 92
milhões de toneladas de CO2e.
“Esse setor foi
historicamente o que cresceu de forma mais acelerada no Brasil desde 1970,
acompanhando a população e a urbanização. No entanto, responde pela menor fatia
do total, contribuindo com apenas 4% das emissões nacionais”, afirma Iris
Coluna, analista de projetos do ICLEI América do Sul, que calcula as emissões
do setor.
Os processos industriais,
representados sobretudo pela fabricação de aço e cimento, atividades altamente
emissoras, permaneceram estáveis em suas emissões mesmo na pandemia. O setor
oscilou de 99,5 milhões para 99,7 milhões de toneladas de 2019 para 2020,
representando 5% das emissões totais do Brasil.
Aumento em plena pandemia
Para surpresa de ninguém,
quem puxou a curva para cima e tornou o Brasil possivelmente o único grande
poluidor do planeta a aumentar suas emissões no ano em que o planeta parou foi
o setor de mudança de uso da terra. Representadas em sua maior parte pelo
desmatamento na Amazônia e no Cerrado (que, somados, perfazem quase 90% das
emissões do setor), as mudanças de uso da terra emitiram 998 milhões de
toneladas de CO2e em 2020, um aumento de 24% em relação a 2019 (807
milhões).
Num cenário de desmonte da
fiscalização ambiental e de descontrole sobre crimes como grilagem, garimpo e
extração ilegal de madeira no governo Bolsonaro, o desmatamento na Amazônia em
2020 sofreu uma alta expressiva, atingindo 10.851 km2 segundo os
dados do sistema Prodes/Inpe. O SEEG utiliza nas suas estimativas os dados do
consórcio MapBiomas, que mede também o corte de florestas secundárias e usa uma
série temporal diferente da do Inpe (o MapBiomas considera janeiro a dezembro e
não de agosto a julho, como faz o Prodes). No entanto, a tendência apontada é
similar em ambos os sistemas.
Apenas na Amazônia a emissão
por alterações no uso do solo alcançou no ano passado 782 milhões de toneladas
de CO2e. Se a floresta brasileira fosse um país, seria o nono maior
emissor do mundo, à frente da Alemanha[1]. Somando o Cerrado (113 milhões de
toneladas de CO2e) à conta, os dois biomas emitem mais que o Irã e
seriam o oitavo emissor mundial.
“Mudança de uso da terra mais
uma vez desponta como a principal fonte de emissão do Brasil. Dois mil e vinte
foi o ano que tivemos as maiores emissões do setor em 11 anos, um reflexo claro
do desmonte em curso da política ambiental, que tem favorecido a retomada das
altas taxas de desmatamento”, afirma Ane Alencar, diretora de Ciência do Ipam
(Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), organização responsável pelo
cálculo das emissões do setor no SEEG.
O
descontrole sobre o desmatamento faz com que a curva de emissões do Brasil
ainda seja dominada por uma atividade que é majoritariamente ilegal e que não
contribui com o PIB nem com na geração de empregos. Também coloca um peso
desproporcional na atividade rural sobre as emissões brasileiras: somando-se os
27% das emissões diretas da agropecuária com as emissões por desmatamento,
transporte e tratamento de resíduos associadas ao setor rural, o agronegócio responde
por quase três quartos (73%) das emissões de gases de efeito estufa do Brasil.
Setores |
2019 |
% |
2020 |
% |
Variação
2019/2020 |
Agropecuária |
562,987,702 |
29% |
577,022,998 |
27% |
2.5% |
Energia |
412,466,747 |
21% |
393,705,260 |
18% |
-4.5% |
Processos Industriais |
99,472,616 |
5% |
99,964,389 |
5% |
0.5% |
Resíduos |
90,399,714 |
5% |
92,047,812 |
4% |
1.8% |
Mudança Uso Terra e Floresta |
806,996,124 |
41% |
997,923,296 |
46% |
23.7% |
Tt Emissões brutas |
1,972,322,903 |
|
2,160,663,755 |
|
9.5% |
Tt Emissões líquidas |
1,336,613,309 |
|
1,524,954,161 |
|
14.1% |
Meta cumprida, com uma grande ressalva
O SEEG também avaliou o
cumprimento da lei da Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC).
Promulgada em 2009, a lei previa que o país cortasse suas emissões em 36,1% a
38,9% até 2020 em relação a um cenário projetado com premissas bastante
generosas (como crescimento do PIB de 5% ao ano). De acordo com esses
critérios, as emissões brutas do país em 2020, calculadas de acordo com as
diretrizes do AR2, o Segundo Relatório de Avaliação do IPCC (o painel do clima
da ONU), deveriam ser de no mínimo 1,977 GtCO2e e, no máximo, 2,068
GtCO2e. Convertendo as emissões brutas para os fatores do AR2, o SEEG calculou
o número de 2020 em 2,047 GtCO2e. Portanto, o Brasil cumpriu a meta
em seu limite menos ambicioso, com 1% de “folga”.
É uma notícia agridoce.
“Embora o país tenha cumprido a meta no agregado, e tenha também cumprido a
maioria das metas do Plano de Agricultura de Baixo Carbono, o comportamento das
nossas emissões não mudou desde a regulamentação da PNMC em 2010”, diz Tasso
Azevedo, coordenador do SEEG. Ele lembra que a principal meta da PNMC, a
redução de 80% na taxa de devastação da Amazônia, ficou muito longe de ser
cumprida: para 2020 era de 3.925 km2 e o desmate ficou em 10.851 km2,
176% maior. “Em relação a 2010, quando foi definida a meta da PNMC, as emissões
brasileiras aumentaram 23%. Continuamos com o desmatamento dominando nossas
emissões brutas e, o pior, com tendência de alta nas emissões no ano em que
deveríamos começar a cumprir as metas do Acordo de Paris”.
“Quem planta desmonte ambiental colhe gás carbônico”, disse Marcio Astrini, secretário-executivo do OC. “O Brasil conseguiu a proeza de ser talvez o único grande emissor que poluiu mais durante o primeiro ano da pandemia. Os dados do SEEG confirmam que os destruidores da floresta, embalados pela antipolítica ambiental de Jair Bolsonaro, não fizeram home office. É mais um golpe na imagem internacional do país, que chegará completamente desacreditado a Glasgow na semana que vem para a COP26”.
Emissão bruta X Emissão líquida
Embora dê preferência por
reportar emissões brutas, o SEEG também estima as chamadas emissões líquidas do
Brasil, que consideram as remoções de CO2 da atmosfera por alterações do uso da
terra (por exemplo, o crescimento de florestas secundárias no lugar de
pastagens) e por manutenção de florestas em áreas indígenas e unidades de
conservação. O governo federal prefere reportar às Nações Unidas as emissões
líquidas. Num contexto de uma economia que ruma para a “emissão líquida zero”
em 2050, que é o que se deseja para o Brasil, o papel das remoções de carbono,
em especial por florestas em recuperação ou regeneração, deve ser cada vez mais
considerado.
O Observatório do Clima
entende, porém, que, embora esse “deságio” da contabilidade das áreas
protegidas seja autorizado pela UNFCCC (Convenção-Quadro das Nações Unidas
sobre Mudança do Clima), reportar antes as emissões brutas é mais adequado
devido às peculiaridades da metodologia de cálculo de remoções no inventário
brasileiro, que acaba por não representar a realidade da tendência das remoções
no país, que vêm se reduzindo à medida que terras indígenas e unidades de
conservação são invadidas e desmatadas.
Considerando as remoções, as emissões líquidas do Brasil foram de 1,52 GtCO2e, o que representou um aumento de 14% em relação a 2019, quando elas foram de 1,34 GtCO2e. O pico de emissões líquidas aconteceu em 2003, quando atingiram 2,65 bilhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente. Desde 2010, quando a PNMC foi regulamentada, o Brasil aumentou suas emissões líquidas em 28% — um aumento proporcionalmente maior que o das emissões brutas. Esse fenômeno ocorre porque as emissões aumentaram mais rápido que as remoções.
Sobre o SEEG: O Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa foi criado em 2012 para atender a uma determinação da PNMC (Política Nacional de Mudanças Climáticas). O decreto que regulamenta a PNMC estabeleceu que o país deveria produzir estimativas anuais de emissão, de forma a acompanhar a execução da política. O governo, porém, não as produziu. Os inventários nacionais, instrumentos fundamentais para conhecer em detalhe o perfil de emissões do país, são publicados apenas de cinco em cinco anos.
O SEEG (seeg.eco.br) foi a primeira iniciativa nacional de
produção de estimativas anuais para toda a economia. Ele foi lançado em 2012 e
incorporado ao Observatório do Clima em 2013. Hoje, em sua nona edição, é uma
das maiores bases de dados nacionais sobre emissões de gases estufa do mundo,
compreendendo as emissões brasileiras de cinco setores (Agropecuária, Energia,
Mudança de Uso da Terra, Processos Industriais e Resíduos).
As estimativas são geradas
segundo as diretrizes do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas),
com base nos Inventários Brasileiros de Emissões e Remoções Antrópicas de Gases
do Efeito Estufa, do MCTIC (Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e
Comunicações).
Sobre o Observatório do
Clima: Fundado em 2002, é a principal rede da sociedade civil brasileira sobre
a agenda climática, com 70 organizações integrantes, entre ONGs ambientalistas,
institutos de pesquisa e movimentos sociais. (ecodebate)
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