Principal
curso d’água e responsável por drenar o Pantanal, o rio Paraguai registrou o
segundo menor nível em 121 anos de medição, no município de Ladário/MS. Em
Cáceres/MT, o rio também atingiu o menor nível desde 1965, quando o
monitoramento do local teve início.
De
acordo com dados do Centro de Hidrografia e Navegação do Oeste da Marinha, a
estação de Ladário (425 km distante de Campo Grande), considerada um termômetro
da situação de seca, marcou -60 cm no último dia 16 de outubro. Já Cáceres (219
km de Cuiabá) registrou 0,26 cm em setembro.
Com
a seca histórica, a população da região conseguiu atravessar o rio a pé. Em
comparação ao ano passado, o nível do rio estava 30 cm acima em Ladário e
Cáceres, respectivamente.
Problemas
da estiagem
Pescadora
há mais de 20 anos e presidente da colônia Z-2, Elza Bastos Pereira relata que
nunca viu o rio Paraguai tão seco assim. “Embaixo da Ponte Marechal Rondon,
desde que me entendo por gente, nunca vi o pessoal atravessar a pé”, conta.
A
colônia de pescadores tem aproximadamente 580 trabalhadores, sem contar os
aposentados, que continuam dependendo da pesca. Muitos, inclusive, usam o meio
como subsistência de suas famílias.
Ela relata que praticamente não teve peixe em setembro – quando o rio, passando em Cáceres, atingiu o menor nível.
“A pesca caiu bastante, pelo motivo que o rio estava muito seco. Teve um período de pesca boa, mas pro final de agosto foi prejudicado bastante pela seca, pra navegar e ir até onde o peixe estava ficou difícil, porque as embarcações não passavam”, disse Elza.
Fora
a série histórica da seca, a pescadora recorda a devastação das queimadas no
Pantanal no ano passado. Em 2020, segundo o Instituto SOS Pantanal, os
incêndios destruíram 4 milhões de hectares, equivalentes a 26% do bioma nos
dois Estados - Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
Enquanto
navegava, Elza lembra das margens do rio queimadas, com vários animais mortos.
“Nos
comovemos muito com essa situação. As queimadas atingiram muito o emocional dos
pescadores. E o rio seco também, que a gente estava lá, porque acampamos de
semana a semana, sentimos na pele e na carne o que as queimadas fizeram, e a
gente sem poder fazer muita coisa”, lamenta.
O
Festival de Pesca, um dos maiores do país e que chegou a entrar para o Guinness
Book of Records, incentiva a pesca esportiva e aquece o turismo da região. Por
conta da pandemia da covid-19, o evento está há dois anos sem acontecer, aliado
também com a baixa do rio.
Agora,
com a aproximação da piracema, período de reprodução dos peixes, Elza espera
que o rio volte a encher com as chuvas e consequentemente, de peixes.
As
grandes navegações, como os famosos barcos-hotéis do Pantanal, também tiveram
ônus. Dono de um desses empreendimentos e diretor da Associação dos Barcos
Hoteleiros, Cleres Tubino Silva, também confirma que o nível da seca é inédito
em seus 22 anos no ramo.
Ele
recorda a crise de 1965, em que dados da Marinha registraram que o rio chegou a
-41 cm em Cáceres. “Pra nossa geração é novidade”.
Por isso, foram pegos de surpresa, ainda que tenham monitorado o rio. Para não ficar com os barcos parados e cancelar as viagens já programadas, alguns sócios mudaram o trajeto do passeio e levaram as embarcações para uma fazenda, 100 km abaixo do rio, no final da BR- 174.
A seca histórica tem afetado colônias de pescadores, que dependem da pesca para gerar renda às famílias e até mesmo como meio de subsistência.
“A
seca pra nós, ela deu um trabalho a mais de logística. A gente precisou se
adaptar a essa situação”, explica. “Nós deixamos de navegar num trecho de 100
km, mas em contrapartida, as pessoas embarcaram já lá dentro do Pantanal e
navegava a partir dali. Então esse trabalho precisou de uma logística e de um
custo maior”.
Além
de repensar a rota, os custos também vieram no transbordo de turistas e
transportes de suprimentos para o novo ponto de partida. Aliado com a pandemia,
Cleres afirma que houve prejuízo com a seca, porém, os empresários conseguiram
pensar em alternativas.
“Há
prejuízo sim, mas não inviabilizou o negócio e ninguém deixou de ser atendido.
Ou seja, mesmo com essa seca, é possível a gente trabalhar sem perder com esse
formato”. Mas Cleres também espera que o rio volte a ficar cheio no próximo
ano.
Crise
hídrica decretada
A
prefeita de Cáceres, Eliene Liberato (PSB), decretou situação de emergência no
dia 25 de agosto. Além da crise hídrica enfrentada pelos moradores, o decreto
também tratava de medidas de proteção às queimadas.
Com
53 bairros, Cáceres estava 150 dias sem chuvas naquele período. O racionamento
de água foi rigoroso e apenas para o consumo necessário.
Conforme
o secretário de Meio Ambiente do município, Júlio César Parreira Duarte, as
comunidades rurais, assentamentos e famílias ribeirinhas de Cáceres foram as
que mais sofreram com o desabastecimento.
“A
prefeitura, junto com a autarquia de saneamento, fez um planejamento a altura
para estar atendendo a todos. Identifiquei os poços artesianos, que secaram
muito, a maioria secou. Por isso que precisa dessa força tarefa, do decreto
também da crise hídrica, para atender essa população que foi mais afetada”,
pontua.
Uma das moradoras afetadas é Renilce Silva Neves, da comunidade Jardim Olho D´Água. Ela mora há 18 anos no local, mas relata que pelo menos há 8 que os moradores sofrem com a falta d'água. Com a baixa do rio, a situação foi agravada mais ainda.
Pescadores indígenas tradicionais em barco no rio Paraguai, Pantanal, próximo a Corumbá, Mato Grosso do Sul.
"Não
tenho água faz tempo. Vivia só carregando água... Mas graças a Deus, quem me
ajuda é uma equipe, que traz caminhão pipa sempre", conta.
Ela
precisava se deslocar para outra comunidade, Jardim Padre Paulo, para buscar
água sozinha. Com o peso do galão, acabou desenvolvendo problemas de saúde.
Foi
a médica que a atendeu que orientou Renilce a procurar ajuda na prefeitura.
"Esse ano foi difícil pra nós, tivemos que carregar tambor de água. Há
dois meses, fiquei doente, de tanto carregar peso. Fui no médico e ela disse
que eu estava correndo risco, mas como vou sobreviver sem água com meus
filhos?", disse. Ela tem 4 filhos, sendo 3 pequenos e uma adolescente.
A
prefeitura de Cáceres leva o caminhão pipa uma vez por semana. "A eguipe
deixou água ontem pra mim aqui, a caixa está cheia por enquanto", diz com
alívio.
Os
moradores lutam para deixar a caixa cheia. Segundo Renilce, assim que a caixa
chega pela metade, ela já liga para a equipe e verifica ainda se existem mais
vizinhos sem água. A prefeitura costuma levar água se pelo menos 3 casas estão
sem, para aproveitar a viagem.
O
secretário avalia também que toda uma cadeia sofre com a seca, em especial o
turismo, principal atividade econômica da região.
“Todo mundo sofre, né? Turismo, a questão econômica, porque somos uma cidade turística, e o nosso turismo realmente consolidado é o turismo de pesca, através dos nossos barcos-hotéis do Pantanal, que sofrem com essa consequência da crise hídrica. Realmente, o rio sem água é um rio sem peixe”, afirma.
Assista ao vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=a-YQsLbCFZY.
Divisa
Brasil Paraguai seca Rio Paraná pode ser atravessado a pé Ponte da Amizade e
barcos afundados. (yahoo)
Nenhum comentário:
Postar um comentário