domingo, 5 de dezembro de 2021

Como era o Saara antes de se tornar o maior deserto quente do planeta?

Terra é planeta antigo, para o conceito humano de tempo. Com cerca de 4,5 bilhões de anos, ela foi palco de profundas mudanças em sua superfície. Se uma pessoa viajasse para um momento bem distante no passado, encontraria um cenário bastante diferente do atual. Entre essas transformações, está a formação do Saara, o maior deserto quente do planeta, com mais de 9 milhões km2 , que, há 11 mil anos, abrigou lagos, rios, pastagens e até mesmo florestas. O que transformou esse lugar verde e úmido em uma das regiões mais secas do mundo?

É importante destacar que mensurar com exatidão o que provocou esta profunda mudança é um desafio de quebra-cabeça, pois tudo no planeta está intimamente ligado. Embora não exista um consenso científico sobre a real transformação do que hoje é o Deserto do Saara, algumas evidências científicas fornecem algumas peças que remontam parte do passado distante desta região.

Mudança no eixo da Terra

Os principais estudos sobre a formação do Saara apontam a alteração do eixo da Terra como um dos principais fatores de seu surgimento. Muitos cientistas concordam que, entre 5 a 11 mil anos atrás, o Período Úmido Africano chegou ao seu fim — período climático na África ocorrido no final do Pleistoceno e do Holoceno.
Saloum Delta National Park, localizado no Senegal.

Até então, o norte africano era úmido e possuía uma vegetação bem parecida com a atual região do Senegal. Fósseis de animais que já não fazem mais parte da região, como crocodilos, elefantes e hipopótamos, reforçam o passado úmido do Saara. Além disso, os raros e isolados corpos de água ainda encontrados por lá possuem espécies de peixes que só seriam explicadas pela presença de vias aquáticas — ou seja, rios.

A alteração cíclica do eixo da Terra, a qual ocorre a cada 20 mil anos, provocou um aumento na quantidade raios solares incidindo sobre a região. Algumas pesquisas sugerem que o Saara teria mudado de verde para desértico rapidamente — em questão de séculos — por conta da mudança do eixo terrestre, que afetou profundamente o clima global.

Contudo, outros estudos indicam que o Saara se formou há apenas 2,7 mil anos através de uma mudança bem mais lenta. Inclusive, amostras coletadas no lago Yoa, localizado ao norte da República do Chade, forneceram pistas para construir parte da história geológica local, indicando que um processo gradual de desertificação perdura até hoje.

Ação humana

Apenas a alteração no eixo da Terra não seria suficiente para explicar a profunda mudança na região do Saara. Em um estudo publicado em 2017 na revista Frontiers in Earth Science, o arqueólogo David Wright, da University of Oslo, analisou uma série de dados arqueológicos e ambientais.

Os núcleos de sedimentos e registros de pólen datados do mesmo período indicavam um padrão: qualquer lugar que tivesse o registro de presença humana apresentava mudanças correspondentes na variedade de plantas. Nos períodos finais do ainda verde Saara, os humanos perambularam pela região e, com seu gado, modificaram parte da vegetação restante.

Outra consequência da presença humana na região foi o aumento do albedo — uma espécie de poeira que flutua pela atmosfera —, conhecido como um dos fatores que explicam a aridez do Saara. A ação humana, nessa escala, não teria sido suficiente para ruir toda vegetação restante local, mas pode ter intensificado o ponto de inflexão, desencadeando de vez o fim do período úmido.

O Saara será verde outra vez?

Com ou sem humanos, inevitavelmente o Saara se transformaria no grande deserto quente que ele é hoje. Graças à alteração cíclica do eixo da Terra, de tempos em tempos algumas configurações na superfície do planeta se repetem. Um exemplo disso são as várias eras glaciais pelas quais nosso mundo já atravessou.

O Saara não foi verde há apenas 11 mil anos, mas a região passou por um período úmido cerca de 125 mil anos atrás e, mesmo sem qualquer interferência humana, nada impediu que a paisagem se transformasse por completo. Portanto, é de se esperar que, em alguns milhares de anos, o maior deserto quente do mundo volte a abrigar rios, lagos e florestas.

No entanto, as projeções para este futuro precisam considerar o grande impacto humano que extrapola qualquer variação natural do clima, pois o Saara não se explica apenas pela alteração do eixo da Terra, mas sim uma série de fatores combinados. A atual crise climática já é o resultado de um desequilíbrio. De todo modo, fica um lembrete de que nada no planeta — e no universo — permanece igual para sempre.
Mudanças climáticas e ciclos naturais fazem Saara crescer

Deserto do Saara, ao Norte da África, em visualização da NASA: levantamento sugere que outras áreas do tipo no mundo também podem estar se expandindo.

O Deserto do Saara expandiu-se cerca de 10% desde 1920, aponta estudo de cientistas da Universidade de Maryland, nos EUA, publicado recentemente no periódico científico “Journal of Climate”. O estudo é o primeiro a fazer um levantamento em escala de séculos das mudanças nas “fronteiras” do maior deserto do mundo, e sugere que outros ambientes do tipo no planeta também podem estar crescendo. (canaltech)

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