Os
alertas científicos do passado se consolidam com os fatos do presente, os
ecossistemas se retorcem e a inação afasta a humanidade de um cenário otimista.
Este verão que se encerra [na Europa] ficará para a história devido à trágica
pandemia, mas também devido ao calor global, degelo, incêndios e furacões. É
que os meses de julho e agosto/2020 lançaram muitas certezas sobre a crise
climática.
O
nível que marca o mercúrio do termômetro revela que o calor do verão está
significativamente acima da média. Tanto é que o Serviço Europeu de Mudanças
Climáticas Copernicus registrou um agosto muito mais quente que o normal, com
temperaturas 0,44°C acima da média, que o tornam o quarto mais quente desde que
há registros. Longe de ser anedótico, é um número que faz parte de uma
tendência climática preocupante com o aumento das temperaturas. O mês de
agosto, de 2015 a 2020, foi mais quente globalmente do que qualquer agosto
antes desses seis anos.
Temperaturas sem precedentes de 55°C foram registradas no Vale da Morte, na Califórnia. A Sibéria, por sua vez, confirmou que o aquecimento global está sendo mais severo na região ártica do planeta, como explica ao Público a física e meteorologista do Eltiempo.es Irene Santa. “Já foram registrados 38°C nessa região, quando o normal para essa fase do ano seria 20°C. Estamos falando de uma anomalia de 18°C”, explica. “Já sabíamos que o planeta está esquentando, mas isso corrobora que no Ártico chega ao dobro. E não só no verão, as temperaturas médias de janeiro a maio no centro e norte da Sibéria este ano têm sido de 8°C acima do normal”.
Os termômetros não enganam e as consequências desse calor que perdura nos últimos anos estão deixando consequências diretas nos ecossistemas. Um deles é o derretimento das calotas polares. Nesse sentido, este verão ficará para a história depois que as geleiras da Groenlândia, a segunda maior massa de gelo do mundo, forem reduzidas a um ponto sem volta, conforme noticiado na revista Nature. “O gelo que é descarregado no oceano excede em muito a neve que se acumula na superfície da camada de gelo”, explicam os autores da pesquisa, que mostra que a superfície congelada só aumentaria sua massa de gelo em um de cada cem anos.
As
consequências do aumento constante das temperaturas também foram evidenciadas
no gelo do Mar de Bering, onde dados de satélite coletados em uma publicação da
revista Science Advance revelam que o manto de gelo já atingiu o nível mais
baixo de todos os tempos. Algo semelhante acontece com a geleira Reina de los
Dolomitas, que já perdeu mais de 80% de seu volume e, segundo informações do The
Guardian, pode desaparecer em 15 anos, caso a tendência das altas temperaturas
continue. É que o calor – não só no verão de 2020, mas nos últimos anos – fez
com que os lagos que são alimentados pela água das geleiras aumentassem em 50%
seu tamanho devido ao degelo.
A queda gradativa do gelo confirma os alertas dos cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU a respeito da elevação do nível do mar. Em seu último relatório, publicado há apenas um ano, eles já relataram que o degelo havia se acelerado a taxas até 2,5 vezes maiores do que a média do século anterior, o que levará, no melhor dos casos, a que os oceanos aumentem o nível em um metro até o final do século.
A Sibéria queima
Termômetros
com números altos na Sibéria deixaram um ecossistema muito mais seco do que o
normal, o que permitiu que essa região se tornasse o cenário ideal para o
início de um incêndio. Tanto é que esta área da Rússia tem registado um dos
maiores megaincêndios do verão, com mais de 300 fontes ativas e cerca de 9,26
milhões de hectares queimados, mais do que a área que Portugal ocupa no mapa,
segundo estimativas do Greenpeace.
O
fogo nessas áreas do planeta tem consequências mais problemáticas do que em
qualquer outro lugar. Por um lado, o fogo queima a turfa, um componente pastoso
da planta cujo pavio libera grande quantidade de CO2 na atmosfera.
E, por outro lado, o calor das chamas contribui para o derretimento do
permafrost – a camada de solo que permanece congelada – e o metano armazenado
no subsolo há milhares de anos é liberado. Dessa forma, os incêndios tornam-se
consequência e causa da crise climática, pois contribuem para a emissão de
toneladas de poluentes que aceleram o aquecimento global.
Além do atípico megaincêndio siberiano, o verão de 2020 deixa outros focos importantes como o atual incêndio da Califórnia – o segundo maior da história do Estado norte-americano – e os incêndios na Amazônia, que estão a caminho de ser os piores registrados em um agosto, há dez anos, segundo especialistas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais do Brasil.
A crise climática é capaz de desencadear ao mesmo tempo fenômenos opostos. Assim, enquanto a Califórnia e a Sibéria ardem, a costa atlântica foi atingida por uma temporada de furacões cuja chegada estava prevista para julho, quando a tempestade Isaías colocou a República Dominicana em xeque e deixou seis mortos nos Estados Unidos. O motivo de esta zona do Atlântico ter sido marcada por grandes tempestades durante agosto/2020 tem a ver com o aumento da temperatura do mar, o que favorece o desenvolvimento deste tipo de fenômeno. Dessa forma, as repercussões da crise climática parecem ir além do calor e visam tornar o planeta um lugar incômodo, onde enchentes, chuvas torrenciais e incêndios são cada vez mais comuns. (ecodebate)
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