O IPCC (Painel
Intergovernamental sobre Mudança Climática) lançou em 04/04/22 o 3º e último
tomo de seu Sexto Relatório de Avaliação (AR6). O documento traz as
contribuições do Grupo de Trabalho 3 do painel do clima, que trata de mitigação
(redução de emissões de gases de efeito estufa).
Os 268 integrantes do grupo, de 65 países, inclusive o Brasil revisaram mais de 8.000 publicações científicas e responderam a 6.000 comentários nos rascunhos do documento, cujo sumário executivo foi lançado com atraso após negociações tensas sobre sua linguagem, que opuseram países desenvolvidos e países em desenvolvimento.
Conheça aqui algumas das principais conclusões do sumário:
• As emissões de gases de
efeito estufa no mundo foram de 59 bilhões de toneladas em 2019, um valor 12%
maior do que em 2010 e 54% maior do que em 1990. A última década teve o maior
crescimento de emissões da história humana: 9,1 bilhões de toneladas a mais do
que na década anterior – mesmo com a consciência da escala do problema e da
urgência da ação.
• Desde a era pré-industrial
até hoje, a humanidade já emitiu 2,4 trilhões de toneladas de CO2.
Desse total, 58% foram emitidos entre 1850 e 1989, e 42% entre 1990 e 2019.
Dezessete por cento de todo o carbono emitido foi lançado no ar apenas na
última década.
• Para que a humanidade tenha
uma chance de pelo menos 50% de estabilizar o aquecimento global em 1,5°C acima
dos níveis pré-industriais, como determina o Acordo de Paris, as emissões
globais de gases de efeito estufa precisam atingir seu pico entre 2020 e 2025 e
cair 43% até 2030. Só que desde 2010 elas cresceram 12%.
• As políticas públicas de
clima adotadas no mundo até 2020 levarão a Terra a um aquecimento de 3,2°C,
mais do que o dobro do limite do Acordo de Paris.
• O gás carbônico já emitido
até hoje corresponde a 80% de tudo o que a humanidade pode emitir se quiser ter
uma chance de 50% ou mais de estabilizar o aquecimento da Terra em 1,5°C, como
preconizado pelo Acordo de Paris.
• A intensidade de carbono do
setor industrial e da queima de combustíveis fósseis (o total de CO2
por unidade de energia produzida) caiu 0,3% por ano na última década. Para atingir
a meta de 1,5°C de temperatura, essa queda precisaria ser 7,7% por ano, ou 25
vezes maior.
• Existe uma imensa diferença
regional e social entre as emissões: 10% dos lares do mundo respondem por 35% a
45% das emissões de gases de efeito estufa, e 50% dos lares responde por 13% a
15% desse total. Os países mais pobres do mundo e as nações-ilhas, as
principais vítimas dos impactos climáticos, contribuíram juntos com menos de 4%
das emissões do mundo em 2019.
• Pelo menos 18 países, a
partir do Protocolo de Kyoto (o primeiro acordo internacional de redução de
emissões), vêm reduzindo de forma consistente suas emissões de gases-estufa há
mais de uma década.
• O mundo tem hoje condições de
cortar emissões pela metade em 2030 em relação a 2019 lançando mão de
estratégias e tecnologias de mitigação que custam até US$ 100 a tonelada.
Metade dessas estratégias custa menos de US$ 20 a tonelada, e no setor de
energia, em especial em eólica e solar, há potencial de redução a custo
negativo – ou seja, é mais barato adotar as renováveis do que seguir com as
fósseis. Na última década, o preço da energia solar e das baterias de íon de
lítio caiu 85%, o da energia eólica caiu 55%, enquanto a adoção de carros
elétricos cresceu 100 vezes e a instalação de painéis solares cresceu 10 vezes.
• As metas climáticas (NDCs)
adotadas em Paris e atualizadas até 2020 reduziram em 15% a 20% o hiato entre o
que é emitido e o que é necessário emitir para estabilizar o clima. O chamado
“gap de emissões” para uma chance de 50% de estabilizar o aquecimento em 1,5°C
é de 16 bilhões a 23 bilhões de toneladas em 2030, se todas as NDCs forem
cumpridas com régua e compasso.
• A infraestrutura fóssil
existente e planejada hoje já tem emissões de carbono comprometidas
(“locked-in”) suficientes para impedir o cumprimento da meta de 1,5°C. O recado
tácito do IPCC é que esses projetos precisarão ser descontinuados ou ter suas
emissões compensadas de alguma forma.
• Quanto mais rápida e
profundamente a humanidade cortar emissões, menor será a necessidade da chamada
“remoção de dióxido de carbono”, nome dado a estratégias que vão desde o
reflorestamento até a extração direta de CO2 do ar (DACCS) e o
armazenamento geológico de CO2 em termelétricas fósseis (CCS) ou em
usinas de bioenergia (BECCS). Menos também é o risco de um “overshoot”, uma
ultrapassagem temporária – mas cujo dano pode ser permanente – do limite de
temperatura de 1,5°C.
• Em cenários de estabilização
da temperatura em 1,5°C sem “overshoot” ou com um “overshoot” limitado, o uso
de carvão mineral precisa cair 95%, o de petróleo 60% e o de gás natural 45%
até 2050.
• Isso significa que a
indústria fóssil poderá ter “ativos encalhados”, ou seja, investimentos que não
poderão chegar ao mercado. Segundo o IPCC, para uma estabilização da temperatura
global em 2°C, os ativos fósseis em risco de encalhe são de US$ 1 trilhão a US$
4 trilhões entre 2015 e 2050. Ativos de carvão podem encalhar já em 2030. Isso
é um alerta para o Brasil, que vem ampliando investimentos no pré-sal e neste
ano sancionou uma lei permitindo a construção de novas termelétricas a carvão
até 2040.
• As cidades são uma das
principais preocupações do novo relatório do IPCC. Segundo o painel, as urbes
podem se aproximar da emissão líquida zero por meio de mudanças no consumo energético
e material, eletrificação do transporte e pelo sequestro de carbono no meio
ambiente urbano. Sem medidas de mitigação, as cidades passarão de 29 bilhões a
40 bilhões de toneladas de CO2 e metano em 2050. Com medidas
ambiciosas e imediatas, esse total cai para 3 bilhões de toneladas.
• O setor de construções,
essencial para as cidades, também tem um enorme potencial de mitigação, e corre
risco de “lock-in”, ou emissões comprometidas, dada a longa vida útil dos
prédios. Desde 1990, as emissões da construção cresceram 50%, mas elas têm
potencial de redução de 61% até 2050.
• Os veículos elétricos têm o
maior potencial de mitigação no setor de transportes, que não deverá atingir a
emissão líquida zero em 2050 e precisará ter seu carbono compensado de alguma
forma. Os biocombustíveis sustentáveis – que não competem por terras com a
produção de alimentos ou com comunidades tradicionais – também podem auxiliar
no corte de emissões no curto e médio prazo. Já para a aviação e a navegação,
segundo o IPCC, não existem hoje tecnologias escaláveis que possam dar conta de
toda a redução necessária nesses setores. Novos biocombustíveis de alta
densidade são uma das soluções no horizonte.
• O uso da terra (Afolu, na
sigla em inglês), que inclui agropecuária e desmatamento, tem potencial de
reduzir emissões de até 14 bilhões de toneladas por ano até 2050 a custos de
US$ 100 ou menos por tonelada. Metade desse potencial está em estratégias e
tecnologias de menos de US$ 20 a tonelada – a principal delas é a redução do desmatamento
nos trópicos, outro tema de interesse direto do Brasil. Segundo o IPCC, medidas
de mitigação no setor de Afolu não podem ser usadas como substituto para a
redução em outros setores.
• Quando se considera os custos
dos impactos climáticos e das medidas de adaptação, cortar emissões não impacta
de forma significativa o PIB global. É esperado que o PIB do mundo dobre até
2050, enquanto trajetórias de mitigação compatíveis com 1,5°C a serem adotadas
de agora a 2025 produziriam uma redução de 0,04 a 0,09 ponto percentual por ano
na riqueza global.
• Os fluxos financeiros não
estão alinhados com a necessidade. Para a meta de 1,5°C é preciso que o
financiamento climático seja seis vezes maior do que é hoje. Dinheiro existe,
segundo o IPCC – há liquidez de capital global para fechar as brechas de
financiamento –, mas há barreiras de todos os tipos para que o recurso seja
aplicado.
• Povos indígenas são citados nada menos do que 12 vezes no sumário executivo do Grupo 3 do AR6. Painel alerta para os potenciais benefícios e riscos de estratégias de mitigação que envolvam uso da terra para essas comunidades, para a necessidade de garantir os seus direitos territoriais e de incorporar os conhecimentos indígenas às políticas de redução de emissões de gases de efeito estufa.
O que é o IPCC?
Painel Intergovernamental sobre
Mudanças Climáticas foi criado em dezembro/1988 pela Organização Meteorológica
Mundial e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Ele é um comitê
composto de centenas de cientistas do mundo inteiro escolhidos pelos governos
com a missão de avaliar periodicamente o estado da arte do conhecimento
científico sobre as mudanças do clima. Essas avaliações são publicadas
periodicamente, na forma dos chamados Relatórios de Avaliação. Cientistas e os
relatórios se distribuem em 3 grupos de trabalho: o Grupo 1 (WG1), que trata da
base física (as causas) das mudanças do clima, o Grupo 2 (WG2), que trata de
impactos, vulnerabilidades (as consequências) e adaptação, e o Grupo 3 (WG3),
que lida com a mitigação (as soluções).
O que é o documento publicado
hoje?
Em seus 32 anos de existência o
IPCC já publicou cinco grandes Relatórios de Avaliação: o FAR (First Assessment
Report), em 1990; o SAR (Second Assessment Report), em 1995; o TAR (Third
Assessment Report), em 2001; o AR4 (Fourth Assessment Report), em 2007, e o AR5
(Fifth Assessment Report), entre 2013 e 2014, além de uma série de relatórios
especiais e outros documentos. Em 2021 começa a ser publicado o sexto
relatório, o AR6.
Como o objetivo principal do
IPCC é informar políticas públicas para combater a mudança do clima, cada
Relatório de Avaliação tem um sumário executivo para tomadores de decisão,
conhecidos pela sigla SPM (“Summary for Policymakers”). Os sumários são
documentos dirigidos para políticos e tomadores de decisões, que resumem as
principais conclusões técnicas dos relatórios. O documento lançado hoje é o
relatório do Grupo 3 do AR6, que completa a trilogia dos relatórios deste
ciclo. No segundo semestre o IPCC publicará um relatório-síntese, que amarra as
conclusões dos três grupos.
Os governos interferem no IPCC?
Sim e não. A linguagem dos SPM é negociada nas assembleias do IPCC, das quais participam representantes de governos do mundo inteiro. Por isso os sumários tendem a ser conservadores, porque é preciso ajustar a escrita aos caprichos da diplomacia e às suscetibilidades de cada governo. No entanto, os sumários técnicos e os relatórios não são submetidos aos governos. E, o mais importante, os governos não mudam os dados nem as conclusões do painel – quem dá as cartas é a ciência.
O IPCC é alarmista?
Ao contrário: como reflete o
consenso científico e os estudos mais aceitos da literatura, o IPCC tende a ser
bastante conservador em seus relatórios, e mais conservador ainda em seus
sumários para tomadores de decisão. Um exemplo clássico dessa cautela aconteceu
em 2007, no AR4, com os dados sobre nível do mar: embora já houvesse estudos
mostrando que o degelo da Antártida e da Groenlândia podia ser mais rápido do
que o imaginado e que o mar poderia subir mais de 1 metro até o fim do século,
o relatório ficou com uma estimativa mais baixa, 88 cm.
Quantos cientistas participam
do IPCC?
O número varia a cada ciclo de
avaliação. O AR6 teve 801 autores e revisores, sendo 21 brasileiros.
O que significa a linguagem
estatística do IPCC?
Como trata de ciência e de
cenários para o futuro, o IPCC não pode fazer previsões. Pode, no máximo, dizer
qual é a probabilidade de um determinado fato, observação ou fenômeno. Em outras
palavras, o painel precisa comunicar as incertezas inerentes a qualquer
ciência. Para isso, lança mão de uma classificação estatística onde:
Virtualmente certo: 99% a 100%
de probabilidade
Extremamente provável: 95% a
99% de probabilidade
Muito provável: 90% a 95% de
probabilidade
Provável: 66% a 90% de
probabilidade
Mais provável que improvável:
mais de 50% de probabilidade
Tão provável quanto improvável:
33% a 66% de probabilidade
Improvável: menos de 33% de
probabilidade
Muito improvável: menos de 10%
de probabilidade
Extremamente improvável: menos
de 5% de probabilidade
O painel também expressa
intervalos de confiança no entendimento científico de uma questão. Pense na
probabilidade de um mesmo resultado caso um evento se repita dez vezes, por
exemplo. Assim:
Muito alta confiança: 9 em 10
chances
Alta confiança: 8 em 10 chances
Média confiança: 5 em 10
chances
Baixa confiança: 2 em 10
chances
Este documento é uma compilação adaptada de alguns dos principais resultados do SPM (Sumário para Tomadores de Decisão) do Grupo de Trabalho 3 do IPCC em seu Sexto Relatório de Avaliação. Ele tem o objetivo de facilitar o acesso em português aos principais destaques do SPM. Este resumo não é feito pelo IPCC, nem representa de forma alguma o painel. (ecodebate)
Nenhum comentário:
Postar um comentário