Cerrado na mira do
agronegócio.
Em uma pesquisa de doutorado
na Faculdade de Educação (FAE), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),
pesquisamos a luta pela terra com a seguinte hipótese: a força e a centralidade
da luta pela terra na luta coletiva do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST) e da Comissão Pastoral da Terra (CPT) como um processo de pedagogia
de emancipação humana.
Vimos que o MST e a CPT
politizam a questão da luta pela terra afirmando a força da luta pela terra
como força de mobilização emancipatória. Nessa luta, a dimensão religiosa
vivenciada pelo povo sem-terra é algo ambíguo, pois pode contribuir nos
processos e lutas emancipatórias quando fomentam a organização popular e luta
coletiva, mas pode também reforçar processos alienantes quando fomentam o
individualismo, o conformismo e a espiritualização de questões sociais.
A Teologia da Libertação
contribui para unir a perspectiva da fé do povo com as lutas coletivas
necessárias para se conquistar justiça agrária e outros direitos humanos
fundamentais.
A história da noção de
propriedade privada da terra é recente. Na maior parte da história humana a
terra não era considerada como algo capaz de ser propriedade privada. Segundo o
filósofo Rousseau (1712-1778), em um determinado contexto histórico, alguém
teve a ideia e a coragem de cercar certo território e dizer que lhe pertencia:
“Isto é meu” (ROUSSEAU, 1999, p. 87). E os vizinhos, de braços cruzados,
aceitaram de forma resignada o início da privatização da terra, algo que era
até então bem comum de todos/as.
Assim, os vizinhos, por
omissão/cumplicidade, aceitaram aquele evento sem prever as graves
consequências futuras do que estava acontecendo. Ao dizer “Isto é meu” e cercar
um pedaço de terra, em um triste dia, estava nascendo a sociedade civil, a
propriedade privada dos meios de produção e com ela a desigualdade entre as pessoas,
regiões e países.
Assim, em determinada condição histórica material e objetiva se lançaram as bases da propriedade privada capitalista da terra, legitimada pela criação de leis no âmbito da sociedade civil. “Criaram novos entraves para os fracos e as novas forças para o rico” (ROUSSEAU, 1999, p. 222), pois, interrompendo a “independência do homem natural e ampliando a dependência recíproca entre os indivíduos socializados, no quadro de um regime baseado na propriedade privada, a divisão do trabalho criou conflitos e rivalidades entre as pessoas” (COUTINHO, 1996, p. 14).
O movimento de expansão do agronegócio coloca em risco populações tradicionais e a disponibilidade de recursos naturais.
Para Karl Marx, a pessoa se
faz humana trabalhando, pois pelo trabalho produz bens gerais necessários à
vida humana. Mas trabalho é uma noção contraditória: tem verso e reverso. Pelo
verso, o trabalho é engendrador de riqueza genérica humana, mas pelo reverso é
mercadoria que gera acumulação de capital. Marx afirma o trabalho como um fazer
criativo (poiesas, em grego, significa poético) e denuncia o trabalho
escravizador (doulos, em grego, significa escravo).
O trabalho pode se tornar uma
matriz de pedagogia de emancipação humana, desde que a classe trabalhadora e a
classe camponesa se libertem da exploração do capital que usa a força de
trabalho para acumular mais-valia e reproduzir o sistema do capital.
O ser humano é criador de si
mesmo e não sozinho, mas em comunhão de classe injustiçada, emancipa-se quando
conquista condições materiais históricas que possibilitem desenvolver o seu
infinito potencial humano. Na sociedade capitalista há um antagonismo, uma
contradição, entre o trabalho proletário criador e a concepção capitalista do
trabalho.
Ao longo da história humana
se constituiu a visão mercantil da terra, produzindo as bases materiais para a
apropriação da terra como propriedade privada capitalista. Isso foi feito
usando pedagogias cruéis em processos sutis que exigem pedagogias delicadas e
complexas. Uma dessas pedagogias foi a desterritorialização de comunidades
camponesas para se territorializar projetos agropecuários de interesse do
capital, tal como os do agronegócio. O uso de linguagem eufemística tem
ocultado a exploração perpetrada pelo capital.
Por exemplo, ao dizer ‘expansão da fronteira agrícola’ subentende-se que a ampliação agropecuária se daria em uma região vazia, mas na realidade tem sido dada em cima de regiões cheias de biodiversidade, de Povos Tradicionais e Originários com uma multiplicidade de culturas. Logo, o que se chama de expansão da fronteira agrícola trata-se de invasão de territórios do campesinato. Aufere-se lucro e progresso para uma minoria e uma devastação socioambiental para a maioria.
https://blogdopedlowski.com/2018/02/24/violencia-e-desterritorializacao-no-cerrado-do-piaui-sao-denunciadas-em-nota-publica/
Dizer ‘soja no cerrado’ ou
‘agronegócio no cerrado’ também é contradição, pois para instalar monocultura
da soja tem antes que dizimar todos os cerrados. Logo, se há soja não há
Cerrado; se há agronegócio não há Cerrado. No momento que se expropria a terra
do camponês, se expropria muito mais, não apenas a terra.
O camponês
desterritorializado perde suas raízes humanas e sua identidade cultural. Assim
como toda árvore, “o ser humano precisa de raízes, e somente consegue
produzi-las quando participa de uma coletividade” (CALDART, 2012, p. 346).
Se a coletividade estiver
sempre em movimento e em luta constante, geram-se condições materiais objetivas
para se produzirem raízes culturais que se expressam em sujeitos de luta, como
os Sem Terra. (ecodebate)
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