No Bioma Cerrado a
recuperação de áreas degradadas, de acordo com Ministério do Meio Ambiente –
MMA (2007b), é uma ação recomendada, já que das 431 áreas de conservação, 34%
precisam ser recuperadas, sendo de grande importância socioeconômica e
ambientais, tais recuperações.
O acelerado ritmo de
conversão da vegetação natural do Cerrado em áreas agropecuárias está causando
impactos nos serviços ecossistêmicos do bioma.
Para frear o problema, é
necessário implantar ações de proteção mais rígidas, complementadas com um
planejamento territorial focado na formação de corredores ecológicos e na
recuperação de pastagens degradadas. Este é o alerta feito por pesquisadores
brasileiros em carta publicada na revista científica Nature Sustainability.
Segundo maior bioma da
América do Sul, com uma área de 2 milhões de quilômetros quadrados (km2),
o equivalente ao território do México, o Cerrado é a savana mais biodiversa do
mundo, com mais de 11.600 espécies de plantas nativas. Conhecido também como
“berço de águas” no Brasil, abriga diversas bacias hidrográficas que abastecem
as regiões Sul e Sudeste.
Porém, vem registrando recordes de desmatamento – um aumento de 16,5% entre agosto/2022 e julho/2023, alcançando 6.300 km2 destruídos no período. Os dados são do sistema de alertas Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), divulgados no último 03/08/23. Foi o pior resultado desde o início da medição, entre 2017 e 2018. A maior parte dos alertas está na área conhecida como Matopiba, que abrange Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Quase 75% do desmatamento do bioma está na região.
Em 2022, a derrubada da vegetação no Cerrado já havia sido 25% maior do que no ano anterior, chegando a 10.689 km2. É quase igual ao total desmatado no mesmo período na Amazônia (11.568 km2), que abrange um território duas vezes maior.
“É reflexo. Há menos ações
para coibir o desmatamento no Cerrado do que na Amazônia, por exemplo, ao passo
que atividades derivadas dessa conversão dão lucro. Contudo, suas funções
ambiental, econômica e social interessam, igualmente, ao planeta. O próprio
acordo MERCOSUL-União Europeia tem entraves relacionados à sustentabilidade na
cadeia de produção agropecuária, mas ainda negligencia o Cerrado. É necessário
e vantajoso priorizá-lo nas discussões diplomáticas”, diz à Agência FAPESP o
primeiro autor da carta, Michel Eustáquio Dantas Chaves, pós-doutorando na
Divisão de Observação da Terra e Geoinformática (DIOTG-Inpe) apoiado pela
FAPESP.
Segundo os pesquisadores, a
perda da vegetação vem contribuindo para eventos climáticos extremos,
aumentando a temperatura, reduzindo a capacidade de as plantas lançarem umidade
no ar (evapotranspiração) e alterando o regime de chuvas, com consequente
ameaça à viabilidade de sistemas de cultivo múltiplos e à produtividade.
“Ritmo recente de desmatamento está alto e afeta condições edafoclimáticas (características do meio ambiente, como: clima, relevo, temperatura, umidade do ar, precipitação pluvial para a atividade agrícola e outras) vitais. Isso compromete até o futuro da produção nacional, podendo desencadear crises ambientais e socioeconômicas, bem como afetar políticas de segurança alimentar”, explica Chaves.
Precaução
Na carta publicada em Nature
Sustainability, com o título Reverse the Cerrado’s neglect (Revertendo o
descaso com o Cerrado), os cientistas alertam que o bioma tem sido excluído de
esforços que possam garantir a sustentabilidade.
Citam como exemplo a
Moratória da Soja – um pacto feito entre organizações não governamentais,
agroindústrias e governos com o compromisso de não comprar commodities de áreas
desmatadas – só aplicada para a Amazônia, alguns projetos de lei (PL-2633/2020,
PL-510/2021 e PL-337/2022) e a nova regra da Comissão Europeia sobre a
importação de produtos sem desmatamento. Essas normas deixam parte do Cerrado
desprotegido, como “zona de sacrifício” para desenvolvimento agrícola.
“O momento exige estratégias
que unam provisão de serviços ecossistêmicos e produção agrícola. O Cerrado é
peça-chave nesse desafio, mas geralmente é lembrado apenas por seu potencial
agrícola. Sua condição de ser a savana mais biodiversa do mundo, regular o
clima, fornecer água e estocar carbono acaba negligenciada. Propusemos
mecanismos para que o Cerrado seja respeitado como o motor da capacidade
agroambiental brasileira”, completa Chaves.
Ele assina o artigo juntamente com o pesquisador Guilherme Mataveli, do INPE, que também recebe apoio da FAPESP (23/03206-0 e 19/25701-8), e mais quatro cientistas: Ieda Sanches e Marcos Adami (DIOTG-Inpe), Rafaela Aragão (Griffith University) e Erasmus zu Ermgassen (Université Catholique de Louvain).
O grupo destaca que investimentos tecnológicos feitos no Cerrado desde os anos 1970 elevaram a produtividade brasileira de grãos de 1.258 para 4.048 kg/hectare, indicando ser viável conciliar atividade agrícola e políticas de conservação. Vê como igualmente positivo o recente restabelecimento e expansão do Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento (PPCD) para todos os biomas brasileiros.
O plano visa estabelecer
atividades produtivas sustentáveis, monitoramento e controle ambiental,
ordenamento fundiário e territorial e instrumentos normativo-econômicos para
reduzir o desmatamento e as emissões de CO2, em linha com os
compromissos nacionais assumidos no Acordo de Paris e na Conferência das Partes
das Nações Unidas (COP).
Os cientistas avaliam, porém,
que a implementação do PPCD no Cerrado depende de políticas específicas para o
bioma, que envolvam esforços coordenados entre os governos municipais,
estaduais e federal, além da necessidade de aumentar o número de agentes
fiscalizadores e incluir agricultores e comunidades tradicionais nas políticas
públicas e no debate sobre compensação para quem preserva a vegetação nativa
por meio de Pagamentos por Serviços Ambientais, previstos na Lei 14.119/2021.
“O PPCD visa reduzir
desmatamento ilegal. Porém, o Cerrado tem mais de 330 mil km2 de
vegetação que podem ser desmatados legalmente [excedentes de reserva legal].
Precisamos integrar a proteção do capital natural a políticas estruturais de
desenvolvimento educacional e tecnológico”, destacam.
Para Chaves, fortalecer
sistemas de monitoramento é essencial para a sustentabilidade. Desde 2017, o
INPE mantém o Projeto de Desenvolvimento de Sistemas de Prevenção de Incêndios
Florestais e Monitoramento da Cobertura Vegetal no Cerrado Brasileiro.
Recentemente, o pesquisador e Ieda Sanches publicaram na revista Remote Sensing Applications: Society & Environment um estudo mostrando como é possível identificar culturas agrícolas com mais precisão a partir de dados de campo, conhecimento sobre calendários agrícolas, machine learning, índices espectrais e cubos de dados produzidos pelo projeto Brazil Data Cube, desenvolvido pelo INPE.
“Reduzir incertezas ajuda a conferir segurança jurídica, recuperar soberania epistêmica agroambiental e apoiar políticas públicas. Logo, investir em iniciativas tecnológicas que possibilitem isso não é gasto. É investimento”, conclui. (ecodebate)
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