“Nós temos que realmente
zerar o desmatamento, a degradação, e o uso do fogo imediatamente, para ontem.
Para salvar o Planeta, para proteger o Planeta, combater a emergência
climática, proteger a biodiversidade, não se pode fazer essa diferenciação
desmatamento legal versus ilegal”. Carlos Nobre
16 perguntas do jornalista
ambiental Norbert Suchanek ao renomado cientista Carlos Nobre, pesquisador da
USP e copresidente do Painel Científico para a Amazônia (https://www.aamazoniaquequeremos.org)
Norbert Suchanek: No total,
qual porcentagem da floresta amazônica já foi desmatada?
Carlos Nobre: Em toda a
Amazônia, 6,5 milhões km2 originalmente de florestas já temos cerca
de um pouco mais de 1 milhão km2 desmatados, cerca de 18 %. E nós
temos quase outro 17 %, também 1 milhão km2 de áreas degradadas, em
vários estágios de degradação. A maior parte dessas áreas desmatadas e
degradadas estão no sul da Amazônia do Oceano Atlântico, sul do Pará, norte do
Mato Grosso, Sul do Estado do Amazonas, Rondônia, Acre, Sudeste da Bolívia e
também um segundo arco de desmatamento que é entre 400 e 1.300 metros subindo
para os Andes, no Peru, no Equador e na Colômbia.
Quão longe ou quão perto
estamos do “point of no return” do ecossistema amazônico? Quão perto estamos do
colapso da Amazônia?
Carlos Nobre: De fato, nós
não estamos longe do ponto de não retorno. Nós temos que realmente zerar o
desmatamento, a degradação, e o uso do fogo imediatamente, para ontem. Deve ter
uma moratória desse tipo de mudança do uso da terra, em todo o sul da Amazônia,
porque ali está muito na beira do ponto de não retorno.
A estação seca está quatro a
cinco semanas mais longas, nos últimos 40 anos, em toda essa região de mais de
dois milhões de quilômetros quadrados. A estação seca está 2,5°C mais quente e
25 % mais seca: além de ser mais longa está com menos chuva. Em toda essa
região a floresta já virou uma fonte de carbono. Ela libera mais carbono do que
remove da atmosfera. Então, se nós continuarmos com o aquecimento global e
continuarmos com desmatamento e degradação, nós vamos passar desse ponto de não
retorno em não mais de 20 a 30 anos, no máximo.
Por isso, é fundamental zerar o desmatamento, a degradação e o fogo na Amazônia imediatamente e passar a restaurar grande parte desses dois milhões de quilômetros quadrados desmatados e degradados. Nós precisamos restaurar grande parte dessa vegetação alterada.
De acordo com o programa de proteção da Amazônia (PPCDAm), o presidente Lula da Silva quer acabar com o desmatamento ilegal na Amazônia brasileira até 2030. Isso significa que o desmatamento legal vai continuar?
Carlos Nobre: Quase todos os
países amazônicos, inclusive o Brasil, assinaram durante a COP 26, em Glasgow 2021,
um acordo, que hoje já 134 países assinaram, de zerar o desmatamento de todas
as florestas do mundo até 2030. Então, essa deve ser a meta mais importante.
Por mais que no marco legal brasileiro se permita desmatar 20 % e em alguns
lugares até 50 % na Amazônia. Na verdade, para proteger a Amazônia nós não podemos
ter a consideração de desmatamento legal versus ilegal. Governos dos países
amazônicos, como a Colômbia, está atuando numa direção de zerar todo o
desmatamento. Então essa deve ser uma política do Brasil também.
Então para salvar o Planeta,
para proteger o Planeta, combater a emergência climática, proteger a
biodiversidade, não se pode fazer essa diferenciação desmatamento legal versus
ilegal.
A meta do Governo Lula de
desmatamento zero até 2030 é suficiente para salvar a Amazônia?
Carlos Nobre: Para salvar a
Amazônia, há a necessidade de zerar o desmatamento, zerar toda a degradação até
2030 e manter a floresta com grandes projetos de restauração florestal. Nós
lançamos na COP 27, o Painel Científico para a Amazônia – um projeto de
restaurar grandes áreas de toda a Amazônia, principalmente nessas áreas dos
arcos de desmatamento. Nós chamamos esse
projeto de “Arcos da Restauração Florestal”.
O atual PPCDAm quer ao mesmo
tempo zerar o desmatamento e ampliar a área de floresta pública federal sob concessão
florestal até 5 milhões de hectares para exploração de madeira seletiva. Isto faz sentido?
Carlos Nobre: Amazônia têm um enorme potencial de exploração dos produtos da floresta em pé. Esse é o grande potencial econômico da Amazônia. Infelizmente, a exploração de madeira, a exploração seletiva de madeira é quase toda ilegal, ela leva uma enorme degradação da Amazônia. Esse não é o caminho para a Amazônia.
O que o governo Lula deveria fazer com as mais de 50 milhões de hectares de terras públicas não destinadas na Amazônia Legal?
Carlos Nobre: É lógico que há
uma enorme área de terras públicas não destinadas, chamadas terras devolutas.
Na Amazônia temos 560 mil quilômetros quadrados de terras federais e estaduais
não destinadas. É muito importante que elas sejam mantidas como florestas.
Pode-se ter restauração florestal em grande escala em áreas que já foram
desmatadas das terras públicas.
Já temos mais de 20 milhões
de hectares desmatados em terras indígenas, unidades de conservação e nessas
terras públicas não destinadas. Então, é muito importante ter um megaprojeto de
restauração florestal, como nós lançamos na COP 27, e que seja no mínimo 50
milhões de hectares. O Brasil pode ser o
país com o maior projeto de restauração florestal do mundo, principalmente na
Amazônia, mas também na Mata Atlântica e no Cerrado. Esse deve ser o grande
caminho. Parte de terras não destinadas têm que ser usadas para a demarcação
dos territórios indígenas, e parte para criar um grande número de unidades de
conservação e sistemas agroflorestais bastantes produtivos para uma nova
bioeconomia de floresta em pé.
Os governos Lula no passado
foram responsáveis por grandes projetos hidrelétricos, como as duas grandes
barragens no Rio Madeira e Belo Monte no Rio Xingu, ambas na Amazônia. Existe
um risco de novas grandes hidrelétricas na Amazônia?
Carlos Nobre: Sem dúvida não há mais necessidade de hidrelétrica para geração de energia no Brasil. Não há necessidade de grandes hidrelétricas na Amazônia, nem de pequenas hidrelétricas. Por que? Porque elas interrompem o fluxo dos rios, mudam toda uma ecologia que evoluiu em dezenas de milhões de anos. E você causa um enorme risco para os ecossistemas amazônicos de um modo geral e os ecossistemas aquáticos principalmente.
Várias formas renováveis de energia, principalmente energia solar e a energia eólica, têm um enorme potencial e são mais baratas. E na Amazônia existe também a energia chamada hidrocinética* para as populações ribeirinhas. Não me parece que, na política do terceiro governo Lula, hidrelétricas voltarão.
*(Hidrocinética: Geração de
eletricidade com microturbinas hidrocinéticas que só usam a corrente dos rios,
sem impacto para a biodiversidade e as espécies aquáticas.)
Como o senhor avalia as
usinas hidrelétricas existentes na Amazônia? Qual é a contribuição delas para a
proteção do clima? Ou o contrário: As usinas hidrelétricas estão aquecendo o
clima global?
Carlos Nobre: De fato, os
reservatórios de muitas hidrelétricas na Amazônia acabam sendo reservatório de
matérias orgânicas que fluem pelos rios e ficam estacionadas ali. Elas não são mais transportadas até os
oceanos e ficam nos fundos dos reservatórios. Aí há uma reação química com
pouco oxigênio, anaeróbica como se fala, que gera o gás metano que sobe. Metano
é um gás inúmeras vezes mais poderoso, como gás do efeito estufa, do que o gás
carbônico. Esse é um problema.
Hidrelétricas com grandes
reservatórios, como Belo Monte e Tucuruí, não são com emissão zero – é bom
mencionar isso. Portanto, não há mais necessidade global de hidrelétricas para
proteção do clima, para reduzir emissões.
Para o cientista Philip
Martin Fearnside, a pavimentação da BR-319 é uma das maiores ameaças da
Amazônia e vai aumentar o desmatamento. Qual é a sua avaliação?
Carlos Nobre: Completamente
de acordo com o professor Philip Fearnside, um dos grandes cientistas
amazônicos. Uma pavimentação da BR 319 vai trazer um enorme risco. Até porque o
governador do estado do Amazonas disse que uma vez pavimentado, o governo do
estado vai criar estradas laterais Leste-Oeste que vão cruzar a BR 319 até o
oeste do Amazonas.
E 95 % dos desmatamentos da Amazônia estão a
5,25 km de cada lado das estradas. Então, não é possível ter uma infraestrutura
sustentável com estradas. A pavimentação da BR 319 e a proposta do governador
do estado do Amazonas de construir estradas leste-oeste vai fazer explodir o
desmatamento no maior estado com florestas tropicais. Então, não se deve
pavimentar a BR 319.
Tem algum sinal de que Lula e
seu governo vão concluir ou abandonar este projeto da BR-319?
Carlos Nobre: Não é possível ainda fazer uma avaliação do sinal do governo Lula sobre abandonar ou não a pavimentação da BR-319, vamos esperar que o governo comece a pensar numa infraestrutura sustentável para a Amazônia. Eu espero realmente que o governo Lula não avance com infraestruturas que vão significar o aumento dos desmatamentos.
Como cientista climático, como o senhor avalia os projetos de exploração de petróleo e gás já existentes e os planejados nos estados amazônicos? A produção de petróleo e gás na Amazônia pode continuar e ainda expandir, como a Petrobrás e alguns políticos querem?
Carlos Nobre: O IPCC Painel Intergovernamental de Mudanças
Climáticas e toda a Ciência já vem dizendo há décadas que nós não temos mais
que abrir novas explorações de carvão, petróleo e gás natural. Nós temos que
reduzir em 50 % as emissões até 2030 e zerar as emissões até 2050.
70% das emissões são queima
de combustível fóssil global. Nós estamos com um enorme risco climático, veja o
que está acontecendo com as ondas de calor na Europa, nos Estados Unidos e na
Ásia.
Então, nós não temos mais que
explorar um único novo poço de petróleo, poço de gás natural e exploração de
carvão. Não há a menor dúvida que não há mais como fazer isso em lugar nenhum
no mundo e muito menos no Brasil, porque o Brasil tem um gigantesco potencial
das energias renováveis. Esse é o caminho do Brasil. Não temos mais que abrir
novos poços de petróleo, carvão e gás natural.
Sobre o projeto de óleo e gás
na Bacia Sedimentar do Solimões, uma das regiões mais preservadas da
Amazônia. O governo Lula vai parar este
projeto de petróleo?
Carlos Nobre: De novo. A Petrobras, não se deve permitir exploração de novos poços de petróleo ou de carvão, ou de gás natural, em qualquer lugar do mundo, inclusive na Amazônia. Senão nós vamos colocar o Planeta numa trajetória de suicídio ecossistêmico, suicídio ambiental, suicídio até humano.
Como o senhor vê o risco da produção de biocombustíveis sustentáveis, a partir do cultivo da cana-de-açúcar ou do dendê – ou soja e milho – na Amazônia?
Carlos Nobre: Logicamente,
nós não devemos permitir em hipótese nenhuma a expansão da produção de
biocombustíveis, seja o bioetanol da cana-de-açúcar ou do milho, o biodiesel do
dendê ou da soja na Amazônia, porque isso é um vetor do desmatamento.
A muito longo prazo, estamos
falando aí de 20 anos para a frente, a fonte de energia sustentável é a energia
solar e a energia eólica. Os biocombustíveis poderão ser utilizados um
pouquinho para bioquerosene de aviação, mas não pode mais ser um grande
combustível para todo mundo, para todo Brasil. E, portanto, esse é o caminho
que nós temos que tratar a eletrificação da frota. E lógico, o grande potencial
hoje é o hidrogênio verde. O hidrogênio verde para ser um futuro combustível de
caminhões e ônibus de longas trajetórias.
O senhor apresentou um
projeto de reflorestamento na COP27, com a proposta de restaurar não menos que
50 milhões de hectares. O projeto tem apoio do atual governo brasileiro?
Carlos Nobre: Sim, o Painel
Científico para a Amazônia, o qual eu sou o copresidente, lançou a ideia do
chamado Arcos da Restauração Florestal para restaurar pelo menos 50 milhões de
hectares, principalmente em todo o sul da Amazônia, do Atlântico até a Bolívia.
Nós também temos que restaurar o outro arco do desmatamento que é na parte
andina da Amazônia, da floresta, entre 400 e 1.300 metros do Peru, Colômbia e
Equador.
O estado do Pará já começou
projetos muito importantes de restauração florestal e o Ministério do Meio
Ambiente está discutindo grandes restaurações florestais. Também começa a
surgir financiamentos para restauração florestal de áreas privadas, através do
mercado de carbono.
Hoje o preço do mercado de
carbono já chegou entre US$ 15 a 20 por tonelada. Então, o mercado voluntário de carbono, o
REDD plus, já começa a trazer enorme benefício para esses projetos de
restauração.
Só para lhe dar um número: um hectare de restauração florestal, no preço do mercado de carbono hoje, já gera US$ 200 a 300 por ano e isso é muito mais, duas a três vezes, o que a pecuária na Amazônia gera de lucro.
O que você deseja como resultado da Cúpula da Amazônia? O que deve ser decidido pelas lideranças do Brasil e dos demais países amazônicos, em Belém?
Carlos Nobre: Claro que nós
temos uma grande expectativa positiva para um acordo da Cúpula dos Países
Amazônicos em Belém, com todos os presidentes dos países amazônicos,
possivelmente também com o presidente da França, Macron. É a primeira vez que
ela acontece e no sentido de que ela seja muito determinante quase que para
fazer uma equivalência, vamos dizer assim, à União Europeia.
A União Europeia foi criada
muitas décadas e décadas atrás, e, por exemplo, na luta contra a emergência
climática a União Europeia é a mais avançada do mundo.
É muito importante que os
oito países amazônicos, mais a Guina Francesa, cheguem num grande acordo. Como
criar uma União Europeia de países amazônicos para combater o desmatamento, a
degradação, a grilagem de terra, o crime ambiental e o crime organizado,
mineração ilegal, tráfico de drogas, e a pesca ilegal, pois tudo isso explodiu
na Amazônia.
Quais são suas esperanças
para a Amazônia?
Carlos Nobre: Eu sou muito
esperançoso, porque no Painel Científico para a Amazônia, nós concluímos que
temos que zerar o desmatamento, a degradação e o fogo na Amazônia rapidamente.
E criar um grande projeto de restauração florestal para remover uma grande
quantidade de carbono, combater a emergência climática e, principalmente, para
tentar evitar o ponto de não retorno.
Espero que todos os países
amazônicos coloquem uma direção econômica para a Amazônia, para a nova
bioeconomia de floresta em pé e rios fluindo – que nós propusemos também no
Painel Científico para a Amazônia: uma bioeconomia com a floresta sendo mantida
em pé, com produção de centenas de produtos da biodiversidade amazônica.
Então, esse é o potencial, uma bioeconomia de floresta em pé, rios fluindo exatamente para manter a biodiversidade dos ecossistemas aquáticos. Essa bioeconomia de floresta em pé e rios fluindo vai melhorar muito a economia dos países amazônicos e vai melhorar muito a vida de dezenas de milhões de amazônidas em todos os países amazônicos.
Muito obrigado pela oportunidade dessa entrevista.
Carlos Nobre é um cientista
brasileiro com doutorado em Meteorologia pelo Massachusetts Institute of
Technology (MIT), EUA. O trabalho de Nobre é focado principalmente na Amazônia
e seus impactos no sistema terrestre. Ele também foi membro do Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Foi Secretário Nacional de
Políticas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério da Ciência, Tecnologia e
Inovação do Brasil e Presidente da Agência Brasileira de Pós-Graduação (CAPES).
É membro estrangeiro da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos,
membro da Academia Brasileira de Ciências, da Academia Mundial de Ciências e da
Royal Society e co-presidente do Painel Científico para a Amazônia. https://www.aamazoniaquequeremos.org.
Norbert Suchanek é jornalista e autor alemão especializado em cobertura de ciência ambiental desde 1988. Ele trabalha no Rio de Janeiro - Email: Norbert.suchanek@online.de
(ecodebate)
Nenhum comentário:
Postar um comentário