quinta-feira, 7 de setembro de 2023

Entenda a temporada de fogo na Amazônia e suas consequências

Em relação à área do bioma, 19,2% pegou fogo nesses 38 anos. Pastagens foram o tipo de vegetação mais atingida (56%), seguidas por florestas (44%). Só em 2022, foram 7,9 milhões de hectares queimados no bioma, um aumento de 50% em relação a 2021, quando 5,3 milhões de hectares foram queimados.

Especial do IPAM explica a temporada do fogo amazônica: meses de seca abrem brecha para propagação de incêndios causados por ação humana; a floresta não pega fogo sozinha.
IPAM

A “temporada do fogo” na Amazônia brasileira é o período com maior ocorrência de incêndios florestais, na estação seca do bioma, e só existe porque tem gente que continua usando o fogo em práticas agropecuárias e no processo de desmatamento: 81% dos focos de calor ocorrem de agosto a novembro, na média dos últimos sete anos, com base em dados do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).

Durante a estação seca, a vegetação e a matéria orgânica no solo ficam propícias à queima e espalham as chamas com maior velocidade, o que pode criar incêndios. O ar menos úmido também favorece o alastramento do fogo e dificulta o combate.

“A principal fonte de ignição dos incêndios florestais na Amazônia é humana, por práticas produtivas ainda ligadas ao desmatamento e ao manejo de pastagem. Descargas elétricas por raios seriam a fonte natural, entretanto, essas ocorrem normalmente no período de chuvas, quando a Amazônia está mais úmida, difícil para o fogo se alastrar”, explica Ane Alencar, diretora de Ciência no IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e coordenadora da rede MapBiomas Fogo.

Na maior parte do bioma no Brasil, a seca começa em julho e vai até outubro, chegando ao auge a partir de agosto. Segundo o MapBiomas Fogo, também entre agosto e novembro está 75% de toda a área queimada na Amazônia de 1985 a 2022.

Embora as condições não sejam homogêneas em um ecossistema continental, a relação entre seca e fogo permanece: o norte amazônico acima da linha do Equador, por exemplo, tem menos chuva no primeiro trimestre. Neste ano, Roraima registrou alta de 95% na área queimada até abril.

A fumaça de incêndios de grande proporção na Amazônia foi notícia quando “o dia virou noite” na cidade de São Paulo ‒ naquele agosto de 2019, fazendeiros combinaram a ação criminosa que ficou conhecida como Dia do Fogo. Em 2022, a fumaça chegou de novo ao Sudeste brasileiro e alcançou países como Bolívia e Peru.

Temporada do fogo

A área queimada na Amazônia de agosto a novembro do ano passado foi de 5,4 milhões de hectares, mais que o dobro dos 2,2 milhões de hectares queimados de agosto a novembro de 2021. Dos últimos dez anos, 2017 foi o que mais queimou no período: foram 6,7 milhões de hectares, área maior que o estado da Paraíba. Os dados de área queimada mensal são da plataforma MapBiomas Fogo.

Há pelo menos 38 anos tem-se registro da temporada de fogo no bioma, indicam os dados do MapBiomas. O mês de setembro é o que tem maior ocorrência (30,4%). Na série histórica, 1997 é o ano com maior concentração de área queimada entre agosto e novembro. Cerca de 92%, ou 7,2 milhões de hectares, dos 7,8 milhões de hectares atingidos pelo fogo naquele ano foram queimados nesses meses.

Cicatrizes do fogo na Amazônia entre os anos de 1985 e 2022

A Flourish map

Amazônia e Cerrado foram os biomas que mais queimaram no Brasil desde 1985.

O fogo caiu com a implementação do PPCDAm (Plano de Prevenção de Combate ao Desmatamento da Amazônia), o que reflete a relação entre incêndios e desmate, ainda que não na mesma proporção. O plano reduziu em 83% o desmate no bioma entre 2004 e 2012.

A queda na área queimada foi de 46% entre agosto e novembro de 2004 (6,4 milhões de hectares) e os mesmos meses de 2012 (3,5 milhões de hectares). A média da área queimada na temporada de fogo nos oito anos anteriores ao plano (1995-2003) foi de 1,45 milhão de hectares; nos oito anos durante a aplicação do plano, foi de 1,49 milhão de hectares. Nos oito anos depois da conclusão da fase do PPCDAm (2013-2021), ficou em 1 milhão de hectares.

“O PPCDAm é um plano focado na redução do desmatamento e da degradação florestal na Amazônia. Em ambos, o contexto o fogo é peça central, pois está diretamente relacionado com o desmatamento e é um dos principais vetores de degradação das florestas da região”, comenta Alencar.

Tipos de fogo

“O incêndio florestal é gerado pelo fogo de desmatamento e pelo fogo de pastagem, então se a gente reduzir os dois, a gente vai reduzir os incêndios florestais por consequência”, diz a pesquisadora.

Alencar descreve os três tipos de fogo mais comuns na Amazônia brasileira:

1. Fogo de desmatamento: segue o processo de desmatamento; depois de derrubada e seca, a área é queimada

2. Fogo de manejo: provocado para “limpeza de pastagem” em área de pasto nativo ou cultivado, também chamado de fogo de pastagem

3. Incêndio florestal: é o fogo que se espalha e entra na floresta, com impactos diretamente proporcionais à frequência; pode ser originado por chamas que fugiram ao controle humano ou por ação criminosa

Onde queima

Avanços do fogo nos estados amazônicos.

A Flourish bar chart race

Pará, Mato Grosso e Roraima foram os estados com maior ocorrência de fogo na Amazônia de 1985 a 2022. Entre as cidades com maior área queimada na série estão: São Félix do Xingu, Cumaru do Norte e Altamira, no Pará; Porto Velho, capital de Rondônia; Santana do Araguaia, também no Pará; e Vila Bela da Santíssima Trindade, em Mato Grosso.

Cidades com maior área queimada

A Flourish chart

A Amazônia tem 43,6% de tudo o que queimou no Brasil de 1985 a 2022: o acumulado chega a 80,9 milhões de hectares dos 185,7 milhões de hectares queimados no país. Em relação à área do bioma, 19,2% pegou fogo nesses 38 anos. Pastagens foram o tipo de vegetação mais atingida (56%), seguidas por florestas (44%).

Só em 2022, foram 7,9 milhões de hectares queimados no bioma, um aumento de 50% em relação a 2021, quando 5,3 milhões de hectares foram queimados.

Como o clima interfere

A Amazônia tem uma precipitação média anual de 2.300 milímetros, com regiões que podem chegar a chover 3.500 milímetros por ano. Na estação chuvosa, calcula-se uma precipitação média de 10 milímetros por dia; já na estação seca, alguns locais podem ter 50 milímetros de precipitação mensal.

É o que se conhecia até agora. As mudanças climáticas causadas por ação humana têm alterado o padrão de chuva. Há uma tendência de diminuição da duração da estação chuvosa e aumento da duração da estação seca, principalmente no sul do bioma.

Projeções indicam maior probabilidade de eventos climáticos extremos de chuva e seca, com impacto multiplicado em grandes extensões de áreas desmatadas, como o arco do desmatamento ‒ do leste e sul do Pará em direção oeste, passando por Mato Grosso, Rondônia e Acre.

El Niño

Além das alterações no clima consequentes do superaquecimento global, a chegada de um El Niño forte em 2023 pode aumentar ainda mais a temperatura. O fenômeno climático que aquece as águas do oceano Pacífico tende a levar mais seca para a Amazônia, criando um ambiente que favorece ainda mais a propagação do fogo.

“Os anos de El Niño são sempre preocupantes para a Amazônia, pois a seca é mais severa e isso aumenta muito a probabilidade de uma queimada se tornar um incêndio florestal”, alerta a pesquisadora.

Em 1982 e 1983, um El Niño intenso contribuiu para o período com menor índice pluviométrico da Amazônia em 50 anos. A queda na chuva chegou a 70% em Manaus, em plena estação chuvosa.

Prevenção

Alencar ressalta que o controle do uso do fogo é chave para reduzir a frequência e intensidade dos incêndios na floresta: “Como não podemos controlar o clima, podemos, sim, controlar o uso do fogo pelas pessoas”. Para o bioma amazônico, o MIF (Manejo Integrado do Fogo) prevê a adoção de técnicas de prevenção, com atividades de conscientização sobre o uso do fogo em pastagens, além do reconhecimento da vegetação por mapeamentos, do trabalho na criação de aceiros e barreiras à passagem do fogo em áreas de risco, também com a formação de brigadas locais. (ecodebate)

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