“Não há duas crises
separadas: uma ambiental e outra social; mas uma única e complexa crise
socioambiental”. - (Papa Francisco, Laudato Si’, LS, 139).
Respeitando o olhar da
ciência, não há como esconder mais uma verdade inconveniente: estamos
promovendo a mais avassaladora destruição da natureza, da biodiversidade, dos
ecossistemas, do clima. Estamos contaminando cursos de água, intoxicando os
solos com pesticidas. Eliminamos em massa espécies animais e vegetais. Já
alteramos 70% da superfície terrestre da Terra. A temperatura global da
atmosfera bate recorde. Há um acúmulo de evidências trágicas.
Sintetizando, a crise
climática está aqui, entre nós, e estamos cada vez mais próximos de um ponto de
não retorno.
Seja como for, a escala da
interferência humana no sistema Terra nos denuncia. Para começo de conversa,
até hoje, pensando a ofensiva espoliadora contra o meio ambiente, é fácil
concluir que não há lugar no Lar Planetário que o chamado homem moderno, de um
jeito ou de outro (pouco importa), não tenha modificado.
Resposta óbvia: na tarefa de
cuidar do planeta, temos sido um fracasso espetacular. Não por acaso, crise no
meio ambiente passou a ser lugar-comum, decerto, referência imediata do nosso
jeito antropocêntrico – antropocentrismo dominador.
E poderíamos dizer ainda algo com mais ênfase. Por conta direta do paradigma que nos trouxe até aqui, o da dominação de tudo e de todas as coisas, visto pelo lado do meio ambiente, o veredito parece ser um só: “Nos aproximamos cada vez mais de grandes desastres, provocados especialmente pelo modo como tratamos o planeta”.
Nesse caso concreto, reforçando o que acabamos de anunciar, acumulam-se evidências de que o jeito como habitamos a Casa Comum que nos acolhe, “especialmente depois que entramos na fase capitalista”, usando as palavras do filósofo alemão Anselm Jappe, define, a rigor, a situação ecológica do mundo, tanto quanto define a saúde e o desenvolvimento humanos. Pesarosa constatação, a verdade é que, moralmente, somos denunciados por isso.
De modo simples e direto,
suspeitamos que essa crítica é pertinente porque desnuda nossa
irresponsabilidade ambiental, algo que, vale reconhecer, está na base da vida
social conhecida. Não por acaso, em pouco mais de 50 anos, diante da crença
(cada vez mais influente e dominante) de que a tecnologia pode levantar uma
economia sem limites, dobramos nossa pegada ecológica. Agora, “viciados em
modernidade”, como gosta de dizer Aílton Krenak, “transformamos” o mundo num
gigantesco hipermercado repleto de bugigangas. O resultado não poderia ser
outro: a Humanidade toda já excede em 50% a capacidade de regeneração e
absorção do planeta.
No horizonte crítico, isso
tem um significado claro: para sustentar o peso da produção humana (massa antropogênica
talvez seja o termo mais adequado), a atividade humana já explora num ritmo
insustentável mais de 100 bilhões de toneladas de materiais (areia, pedra,
cimento, biomassa, materiais metálicos e assim por diante) a cada ano. São 13
toneladas por habitante do planeta. Quase a metade disso se transforma em
habitações, prédios comerciais, meios de transporte; enfim, produção para uso
da sociedade humana.
Por tal razão, aceleramos o planeta em direção ao desastre. Parece que nos especializamos em produzir variados problemas ambientais com o pendor de aprofundar a crise global do meio ambiente. E tudo com velocidade inédita. Agora mesmo, está em avançado curso uma gravíssima crise de recursos hídricos – a crise da água no mundo atual, ou o problema da escassez de água potável, um entre os dez maiores impactos que o planeta enfrenta. De igual modo, aceleramos o aumento de gases estufa cem vezes mais rápido do que em qualquer outro momento da evolução humana.
Poluição, de todos os tipos, se tornou prática comum. A cada ano, 14 milhões de toneladas de plástico, assim relata a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês), terminam nos oceanos, ameaçando sobretudo a vida marinha. São 100 mil animais marinhos levados à morte, todos os anos, repita-se.
Com efeito, nessa mesma linha
de ameaça à vida animal, segundo o Fundo Mundial para a Natureza (WWF), a
partir da degradação ambiental dos habitats pela atividade humana, um terço das
espécies de mamíferos corre risco de extinção até a metade do século.
Não surpreende, portanto, que
tudo o que estamos aqui relatando, ainda que resumidamente, tenha nomes e
sobrenomes conhecidos: crise socioecológica, descompasso climático em avançado
estágio. O que talvez cause certa surpresa é a lentidão dos humanos,
especialmente das classes mais ricas, em atenuar, conter e mitigar os efeitos
do desajuste planetário.
Reconhecidamente, a elite
dominante, em larga medida, é a causadora de boa parte do problema. O motivo
principal? Deixemos essa boa explicação com a Oxfam em parceria com o Stockholm
Environment Institute: as emissões per capita de alguém que faz parte do 1%
mais rico são 100 vezes maiores do que as de alguém que faz parte dos 50% mais
pobres e 35 vezes maiores do que a meta estabelecida para 2030. Desde 1990, os
5% mais ricos foram responsáveis por mais de um terço do crescimento das
emissões totais. Os 1% mais ricos foram responsáveis por mais do que toda a
metade mais pobre da população.
Trocando em miúdos, faz tempo que o conhecimento científico nos informa que milhões de mortes no mundo estão relacionadas à crise climática provocada pela ação humana no planeta. Como atestou em relatório a Organização Pan-Americana para a Saúde (OPAS), não é de hoje que a sociedade humana convive com uma “tripla crise planetária”: a mudança climática, a perda de biodiversidade (fenômeno global) e a poluição.
Ocorre que, para essa relevante discussão, parece apropriado afirmar abertamente que, diante de uma tragédia ambiental que enfraquece a capacidade da Terra de responder às mudanças e às constantes perturbações antropocêntricas, sequer o sujeito humano pensa em retroceder. Ao contrário, bem adaptada às sociedades industrializadas e cada vez mais longe de inaugurar um modo de vida frugal, os homens da modernidade seguem avançando além do tolerável.
Diante dessa realidade, ao
passo que o modelo vigente insiste em combinar destruição ambiental
(superexploração de recursos) e crescimento econômico (a busca de novos
mercados), os limites seguros do planeta (biológicos e físicos) estão sendo
afrontados. Em sentido corrente, com o agravamento da situação de crise, tem
ficado cada vez mais claro que produção e consumo excessivos (indicadores do
tamanho da economia), escassez de água, alterações severas no clima, poluição,
esgotamento de ecossistemas, alteração das cadeias vitais, são, de fato,
ocorrências inter-relacionadas.
A título de informação, a
insustentabilidade ambiental daí decorrente tende a se consolidar diante de
nossos olhos. Em outros termos, estamos falando de um mesmo e abrangente
problema multidimensional: o processo de destruição da própria natureza, nosso
fundamental sistema de suporte da vida. Inquestionavelmente, esse é o nervo
central da questão.
De particular contexto, para
entender essa verdade que somente os negacionistas (adversários da ciência e da
vida) fazem questão de objetar, David Attenborough, melhor que ninguém, levanta
uma sentença emblemática: “o mundo natural está desaparecendo”.
Pensando nisso, sejamos diretos e francos: o agir humano responde diretamente por esse trágico momento.
De tal forma, soa a dolorosa conclusão: embotados pelo véu da ignorância, nos falta a responsabilidade como forma de cuidado. Daí a facilidade com que desafiamos os limites seguros dos sistemas naturais. Na dúvida, vejamos atentamente que:
1. 60% dos serviços vitais
que os ecossistemas fornecem à humanidade são explorados de maneira não
sustentável ou já estão degradados;
2. ¾ do ambiente terrestre e
66% do ambiente marinho sofreram severas modificações nos tempos recentes;
3. em apenas 50 anos, da
metade do século passado até o ano 2000, foram destruídas mais florestas do que
em toda a história de evolução da humanidade;
4. por ano, são perdidos 24
bilhões de toneladas de solos férteis, notadamente devido a urbanização e
agricultura industrial;
5. de 1980 para cá, metade da vida selvagem já morreu;
6. mais de 95% da população mundial respira um ar que não é seguro, conforme as medições dos Padrões de Qualidade do Ar da Organização Mundial de Saúde (OMS). A propósito, a poluição do ar mata no mundo todo mais de 10 mil pessoas por dia;
7. desde 2009, o mundo já
perdeu aproximadamente 14% dos corais.
Conceito fechado, isso tudo
pede uma resposta firme voltada a vencer elementares desafios, tais como:
(1) enfrentar a Era do
Antropoceno e suas transformações geridas pela sociedade pós-industrial
(ameaças ecológicas);
(2) efetuar a transição da
era fóssil para a economia de baixo carbono (imperativo de primeira ordem que
determina sobretudo o futuro ecológico e que requer o enfrentamento da poderosa
indústria dos combustíveis fósseis que movimenta mais de US$ 5 trilhões/ano);
(3) repensar as atividades
humanas, a organização social, o estilo e comportamento de vida cotidianos, e
mesmo essa atual e deprimente sociedade de descarte e consumo excessivos, hoje,
como ontem, localizados na chamada economia plastificada que não cessa de
aumentar.
Fazendo um recorte específico e enfatizando o trivial, ao fim, é sempre assim: o nosso real e imediato compromisso com o futuro é o de construir um mundo sustentável para nós, agora; para as gerações futuras, no amanhã; e para os outros seres vivos, hoje, amanhã e sempre.
Em suma, fundar um novo agir é, sim, a missão maior que nos espera. (ecodebate)
Nenhum comentário:
Postar um comentário