“Os riscos climáticos catastróficos são plausíveis e pouco
explorados”.
“Nós nos baseamos no IPCC e nos dados científicos mais recentes
para demonstrar que há uma grande incerteza sobre o futuro das emissões e do
aquecimento, e que a possibilidade de que ocorram mudanças climáticas extremas
é preocupantemente alta”.
Esta afirmação é de Luke Kemp, pesquisador do Centro para o Estudo
de Risco Existencial, da Universidade de Cambridge (Reino Unido), e principal
autor do artigo que gerou enorme debate, na última semana, especialmente dentro
da comunidade científica estadunidense.
Junto a uma dezena de especialistas, acaba de publicar um texto em
uma revista científica – que se aproxima mais de um ensaio e opinião do que de
uma pesquisa, embora tenha passado pelo mesmo rigoroso processo de revisão –
solicitando que os cenários que podem levar a uma “mudança climática
catastrófica” sejam explorados com rigor.
Fazer isso, dizem, poderia ajudar os formuladores de políticas a se prepararem melhor para agir. Não indicam que haverá um apocalipse climático – como alguns meios de comunicação intitulam –, mas que é necessário estudar todas as vias possíveis, mesmo as mais devastadoras e inimagináveis.
As consequências de ter um planeta 1,2°C mais quente do que há pouco mais de 100 anos já são visíveis e devastadoras. Com 1,5°C – objetivo principal do Acordo de Paris (2015) –, os efeitos foram muito bem estudados e serão ainda mais graves do que agora. E com 2°C – o segundo dos objetivos do pacto climático internacional – é possível imaginar. Mas, o que aconteceria se a temperatura aumentasse ainda mais, por exemplo, 3°C até o final deste século?
Atualmente, com os objetivos climáticos mundiais propostos, o
aquecimento seria de 2,7°C. No cenário mais pessimista, com a disparada das
emissões de gases do efeito estufa, as projeções estimam que a temperatura
poderia alcançar 6°C até o ano 2100. Que planeta e vida aguardam as gerações
futuras? A humanidade está preparada – em nível mental e de recursos – para os
impactos mais severos da crise climática?
“O propósito de entender os riscos extremos é preveni-los, não o
voyeurismo dos desastres”, destaca Kemp, que nos últimos dias tentou responder
a muitas das críticas surgidas por Twitter.
Conversamos com ele para que possa aprofundar sua proposta,
intitulada Climate Endgame: Exploring catastrophic climate change scenarios
[Fim do jogo climático: explorando cenários catastróficos da mudança
climática].
O artigo abriu margem para muitos comentários e debates, ao ponto
de que não sei se a intenção fica clara. Qual é a principal mensagem que
queriam transmitir?
A mudança climática tem várias vias plausíveis para contribuir com
o risco catastrófico global. Esses riscos extremos são vitais para a gestão de
risco, e são pouco explorados. Proporcionamos uma base científica e um marco
para compreender e debater a mudança climática catastrófica.
Pedem um “relatório especial do IPCC sobre a mudança climática
catastrófica”. Esse painel de especialistas que assessora a ONU em matéria
climática, de fato, é encarregado apenas de analisar toda a literatura
científica publicada e não de produzir novas evidências. Ou seja, se o que se
busca é compreender melhor o pior cenário de mudança climática – como vocês
defendem –, não seria a solução ideal, não é mesmo?
Conforme é mencionado no artigo, esperamos que o anúncio de um relatório especial catalise a pesquisa necessária. No entanto, como mencionou Michael Oppenheimer, o IPCC pode não ser o melhor organismo para realizar essa análise. Este é um ponto válido, e qualquer sugestão alternativa é bem-vinda.
Em seus relatórios, o IPCC já projeta cenários (como o RCP 8.5) onde as consequências da continuidade na emissão de gases do efeito estufa são suficientemente devastadoras para que haja uma ação. O que realmente o relatório que vocês propõem pode trazer de contribuição para a ação climática?
O IPCC estuda as vias de altas emissões. No entanto, na literatura
mais ampla faltam estudos sobre cenários de alta temperatura e avaliações de
risco complexas que considerem as cascatas de risco e o risco sistêmico.
Compreender os riscos extremos pode ajudar a forçar a tomada de mais medidas,
tem implicações importantes para a modelagem, a política, a criação de
resiliência e a consideração de respostas de emergência.
É verdade que não estamos no filme de Adam McKay e Leonardo
DiCaprio, e que não virá um meteorito, mas os muitos pontos de inflexão que o
aquecimento global está provocando ou provocará podem levar a certo colapso em
diferentes escalas. Precisamente, muitas manchetes e notícias sobre seu artigo
falam sobre o apocalipse climático. Era essa a sensação que queriam transmitir?
Não tentamos transmitir sensação alguma. A mensagem que transmitimos é que os riscos climáticos catastróficos são plausíveis, são pouco explorados e é fundamental compreendê-los. Proporcionamos uma agenda de pesquisa e um marco para ajudar a orientar a pesquisa futura nesta área vital. Compreender os riscos extremos é uma gestão de riscos sensata. Fazemos isto na maioria das áreas da vida e precisamos fazer o mesmo no tocante aos desafios globais como a mudança climática.
Existem vozes científicas que defendem que há poucas evidências de que a mudança climática seja pior do que se sabe, negam que as avaliações estejam minimizando os riscos e que estejamos condenados a um fim. Você considera que a ciência peca por ser muito prudente ou por se esconder atrás da incerteza?
Este é um grave erro de interpretação de Climate Endgame. Não
dissemos que “estamos condenados” em parte alguma do artigo ou da cobertura nos
meios de comunicação. Ao contrário, ressaltamos sistematicamente que são riscos
que podemos prevenir. Isto é o oposto do fatalismo.
Não sugerimos que o IPCC esteja minimizando os riscos.
Demonstramos que faltam estudos sobre os cenários de temperaturas mais altas e
que as avaliações de risco existentes são subestimadas. Isso acontece porque
são simplistas e não levam em consideração as cascatas de risco e outras
características.
Não estamos dizendo que a mudança climática é “pior do que se
sabe”. Nós nos baseamos no IPCC e nos dados científicos mais recentes para
demonstrar que existe uma grande incerteza sobre o futuro das emissões e do
aquecimento, e que a possibilidade de que ocorram mudanças climáticas extremas
é preocupantemente alta.
É verdade que o artigo não menciona que a humanidade está
condenada, mas menciona que “existem extensas provas de que a mudança climática
pode se tornar catastrófica” […], mesmo com níveis modestos de aquecimento”.
Também menciona os poucos estudos sobre a “eventual extinção humana”. Talvez a
frase seria: a humanidade pode estar condenada, mas não sabemos porque não
houve pesquisas suficientes?
Isso ainda não capta o todo. “A humanidade pode estar condenada,
mas precisamos de mais pesquisas” significa que estamos presos em um futuro
concreto que a pesquisa pode revelar. Não é assim. Existem vários futuros
disponíveis, cada um com diferentes riscos.
O que dizemos em Climate Endgame é que existem futuros plausíveis nos quais os riscos climáticos catastróficos são altos. Temos que entendê-los e nos proteger deles. Há uma grande diferença entre aceitar a fatalidade (inevitabilidade) e estar atentos ao risco (probabilidade). A primeira é errônea e paralisante, a segunda é necessária e estimulante.
Nos últimos meses e anos, está aflorando uma nova corrente negacionista: o ‘retardismo’. Embora assumam que a mudança climática existe, fazem tudo o que é possível para protelar qualquer ação. Um de seus argumentos é que não há nada a fazer a esta altura. Em sua avaliação, falar de catástrofe global, extinção e Apocalipse, sem qualquer nova evidência que respalde, pode servir como munição para eles?
Em primeiro lugar, há novas provas e análises no artigo, sobretudo
na figura 2. Além disso, trata-se de uma nova síntese e análise que fornece
razões plausíveis para levar a sério os riscos climáticos catastróficos. Em
segundo lugar, não, é infundado acreditar que isso se tornará munição para os
negacionistas do clima. Ao contrário, no artigo fica claro que são riscos, não
cenários inevitáveis.
O objetivo de explorar os cenários de risco extremo é informar
sobre a gestão de risco, informar sobre a política e as medidas de resposta à
emergência, criar resiliência e forçar a agir. O propósito de entender os
riscos extremos é preveni-los, não o voyeurismo dos desastres.
No artigo, menciona-se o livro de David Wallace-Wells como uma das
“tentativas mais próximas de estudar diretamente ou abordar de forma integral
como a mudança climática pode levar à extinção humana ou a uma catástrofe
global”. Este livro, que está fundamentado em uma grande quantidade de
bibliografia e literatura científica, foi rotulado como apocalíptico e
desmobilizador. Será que é por isso que os finais mais catastróficos não foram
explorados suficientemente, por gerarem rejeição e inação?
Não há nenhuma prova de que A terra inabitável
tenha desmobilizado alguém. Ressalta muitas das opções que temos para reduzir
as emissões e evitar os riscos extremos da mudança climática. Wallace–Wells
deixa claro que não existe espaço para o fatalismo. A ideia de que falar de
riscos extremos desmobilizará as pessoas é baseada em uma leitura errônea da
literatura.
Conforme destacamos no artigo, os dados sobre o uso de mensagens
“esperançosas” versus as “temerosas” são contraditórios e, de fato, não existe
uma dicotomia clara entre ambas. Podemos fazer avaliações de risco honestas e
dar às pessoas a possibilidade de prevenir cenários catastróficos.
Além disso, é condescendente pensar que o público é tão frágil que
temos que transformar qualquer pesquisa em um exercício de defesa e relações
públicas. Como pesquisadores neste campo, temos o dever de realizar e comunicar
avaliações de risco verazes.
Para você, o que é uma “mudança climática catastrófica”? A partir
de que temperatura ou mudanças entraríamos nesse cenário?
Isso já está definido na Tabela 1 do artigo. Conforme apontado no artigo, precisamos de mais pesquisas, antes de estabelecermos estimativas probabilísticas confiáveis.
É dito no artigo que “existem amplas razões para suspeitar que a mudança climática pode resultar em uma catástrofe global”. Em que se baseia, por onde acredita que podem vir esses primeiros sintomas de catástrofe?
No artigo, destacamos este ponto. Observamos quatro causas
principais de preocupação catastrófica: os precedentes, as cascatas de risco, o
risco sistêmico e o risco latente. Os sinais de alerta precoces são algo que
podemos desenvolver com mais pesquisas.
Já se passaram alguns dias da publicação do artigo. Como você se
sente? Considera que houve compreensão acerca do que queriam expressar?
Estou muito satisfeito com a acolhida que teve até agora. A
maioria dos cientistas do clima apoiou a necessidade de explorar os riscos
extremos. Da mesma forma, a maior parte dos meios de comunicação refletiu com
precisão a mensagem de que existem riscos catastróficos plausíveis, mas que
precisam de mais pesquisa.
Falemos sobre soluções para evitar esses cenários climáticos
catastróficos. Que ações importantes você considera urgente abordar?
Em primeiro lugar, é preciso reduzir as emissões o mais rápido possível. Existem medidas bem conhecidas sobre as quais muitos dos autores, inclusive eu, escreveram amplamente. Em segundo lugar, criar resiliência nas sociedades frente a futuros impactos. Em terceiro lugar, aplicar medidas para mitigar os riscos sistêmicos e os efeitos secundários. É especialmente nessas duas últimas áreas que a pesquisa de Climate Endgame pode ser útil para desenvolver políticas e ações.
O artigo tem como título ‘Climate Endgame’. Entendo que é uma referência ao filme da Marvel, ‘Os Vingadores’. No filme, enquanto os super-heróis lutam contra o vilão (Thanos), um dos super-heróis (Doutor Estranho) consegue ver milhões de futuros possíveis e só em um deles vencem. Como imagina nosso futuro?
Imagino um futuro no qual restringiremos democraticamente o aquecimento global a 1,5°C e minimizaremos outros riscos globais. Este artigo é um passo modesto para tentar alcançá-lo. (ecodebate)
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