O impacto das mudanças climáticas já é uma realidade e seus
efeitos têm se intensificado cada vez mais. O mês de julho evidenciou esse
processo muito claramente a partir da onda de calor que atingiu uma série de
países em três continentes: Europa, Ásia e América do Norte.
De acordo com o observatório europeu Copernicus, julho foi o mês
mais quente já registrado na história do planeta, ao superar o último recorde
mundial de 2019 em 0,33ºC. Com essa intensificação, o secretário-geral da ONU,
António Guterres, afirma que o mundo ultrapassou o nível de aquecimento,
atingindo o estado de “ebulição global”.
“A atmosfera terrestre está ficando com uma quantidade maior de
energia e uma das maneiras do sistema climático dissipar essa energia é através
do aumento de eventos climáticos extremos”, esclarece Paulo Artaxo, professor
do Departamento de Física Aplicada do Instituto de Física da USP.
Esse episódio impactou não somente a natureza, mas também afetou
seriamente a saúde da população dessas regiões com temperaturas acima dos 30ºC.
Paulo Saldiva, professor do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina
da USP, explica que pensar a mudança climática juntamente com a saúde pode
favorecer a mudança de comportamentos.
Além disso, nota-se um impacto desigual na saúde e vivência da sociedade, uma vez que a população mais pobre e periférica está mais vulnerável às mudanças climáticas. Helena Ribeiro, professora do Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública da USP, intitula o fenômeno de injustiça climática.
Reação biológica
A zona de conforto e preparo térmico varia de acordo com cada país
e cada região dentro do país. Saldiva situa cada uma dessas populações em uma
escala de temperatura ideal e extrema de quente e frio – os quais ocasionam um
aumento da mortalidade –, além da capacidade de adaptação de cada país. “Nova
York, por exemplo, está mais preparada para o frio do que para o calor. Existe
também um processo de aclimatização dentro do mesmo país; em São Paulo, o
desconforto térmico começa quando a temperatura sobe de 26°C, que é a zona
de perfeito conforto para Teresina”, exemplifica o professor.
No momento em que as condições climáticas extrapolam a
predisposição do ser humano de se adaptar, o organismo passa a reagir e
adoecer. Diferentemente do senso comum, Saldiva ressalta que hipotermia e hipertermia não resumem nem
predominam as causas de morte diante de temperaturas extremas, representam a
absoluta minoria.
Na maior parte dos casos, os pacientes falecem por causas naturais desencadeadas por uma diversidade de complicações na saúde. Por exemplo, quadros de insuficiência renal ou infecções urinárias provocadas pela desidratação, assim como consequências cardíacas ocasionadas pela vasodilatação intensa e sobrecarga do coração. Assim, a professora Helena Ribeiro aponta idosos, crianças e mulheres grávidas como os mais vulneráveis, além de pessoas que já apresentam comorbidades crônicas na saúde. “Em termos sociais, frequentemente pessoas de menor renda são as mais afetadas, pois moram em áreas de maior risco de enchentes e deslizamentos, mais poluídas e com menor arborização urbana”, pontua Helena.
Previsões brasileiras
Por se tratar de um país tropical e já se situar nos limites de
temperaturas, Artaxo comenta que o Brasil se torna ainda mais frágil às
mudanças climáticas. Em regiões como Teresina, em que já se observam os
termômetros atingirem 40ºC durante o verão, são previstas altas até 48ºC e
consequências graves para a saúde da população, de acordo com Artaxo.
Helena revela que o Brasil possui uma maior sensibilidade a ondas
de frio do que calor, tendo em vista que, diferentemente do clima mediterrâneo
do sul da Europa e oeste dos Estados Unidos, o clima tropical do País possui
verões chuvosos que atenuam o fenômeno. Além disso, existem algumas adaptações
culturais, como vestimentas leves e frequência de banhos.
Todavia, a professora ressalta a pouca infraestrutura ainda
enfrentada pelo sistema de saúde para oferecer ambientes climatizados tanto
para os profissionais da área quanto para os pacientes. “O sistema brasileiro
já é bastante sobrecarregado e se houver um agravamento de ondas de calor, será
necessário fazer uma formação de pessoal da saúde”, destaca Helena.
Ações
Saldiva afirma que a atividade de prevenção em nível de atenção primária é central para o preparo do sistema de saúde diante das condições ambientais, a fim de transmitir alertas para a população. “Veja a previsão do tempo, eles dizem se você vai ter que levar guarda-chuva para o dia, mas não tem uma previsão de saúde”, compara o professor para demonstrar a importância de uma política de prevenção.
A relação direta entre a mudança climática e a saúde humana pode trazer um novo ponto de vista para o enfrentamento e conscientização dessa crise mundial, na opinião de Saldiva. Com a saúde individual e de pessoas queridas em jogo, o professor reflete sobre o maior impacto nos hábitos e perfis de consumo da população. (ecodebate)
Nenhum comentário:
Postar um comentário