Sandoval Alves Rocha é doutor
em Ciências Sociais pela PUC-Rio, mestre em Ciências Sociais pela Unisinos/RS,
bacharel em Teologia e bacharel em Filosofia pela Faculdade Jesuíta de
Filosofia e Teologia (FAJE, MG), membro da Companhia de Jesus (jesuíta),
trabalha no Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental
(Sares), em Manaus.
Os conflitos hídricos estão
em plena ascensão no mundo, no Brasil e na Amazônia. É sabido que a quantidade
de água doce (2,5%) existente no planeta é imensamente menor do que a
quantidade de água salgada (97,5%).
Além disso, a maioria desta
água doce é de difícil acesso, estando alojadas nas calotas polares, nos
subterrâneos e na atmosfera (99,7%), enquanto os rios e lagos, que estão ao
nosso alcance, representam um percentual bem reduzido (0,3%). Globalmente, ao
contrário do que imaginamos, a quantidade de água doce disponível é
extremamente limitada.
Além da quantidade limitada, a água doce ainda é distribuída irregularmente na superfície da terra, promovendo maiores quantidades em algumas áreas e menores quantidades em outras regiões. A região Amazônica é uma das regiões que tem mais água doce do planeta, concentrando 20% de toda a água doce do planeta. No mundo, segundo a ONU, a escassez de água potável atinge 2 bilhões de pessoas.
Em tem países a situação é desesperadora.
Essa situação crítica que
afeta tantas pessoas é agravada por fenômenos como poluição, mudanças
climáticas, apropriações privadas e políticas públicas desastrosas. Todas essas
dinâmicas geram conflitos de diferentes intensidades e dimensões, onde a água é
objeto de múltiplos desentendimentos e disputas judiciais e extrajudiciais. A
falta de água potável é um dos principais sintomas destas crises e rivalidades.
Segundo o Censo de 2022, no
Estado do Amazonas, somente 66% dos domicílios permanentes ocupados possuem
ligação com a rede geral e a utilizam como forma principal de abastecimento.
Dessa forma, o Estado ocupa a 23ª posição no ranking entre as Unidades da
federação. Esta lastimável posição também é compartilhada com Manaus, que ocupa
o 21º lugar entre as capitais brasileiras. Uma das piores metrópoles. Na
capital amazonense, são 83.853 domicílios usando poços profundos ou artesianos
como principal forma de abastecimento (13,30%).
Este lamentável cenário
também é detectado pelos dados mais recentes do Sistema Nacional sobre
Saneamento (SNIS 2022), que mostra a evolução dos serviços de abastecimento de
água e esgotamento sanitário. A partir destas informações, a GC Associados
mostra que Manaus está entre as piores colocações no ranking das cem maiores
cidades brasileiras. Esses serviços, que são realizados pela iniciativa
privada, têm sido fortemente questionados ao longo das décadas, demonstrando
ineficiência e ausência de compromisso com o bem comum.
O desempenho dos serviços de
esgotamento sanitário indica com bastante evidência a fragilidade da gestão
privada e a indiferença com os efeitos negativos do empreendimento. Além de
colocar a população em risco de adoecimento, mais de 70% dos esgotos são
lançados irresponsavelmente nos rios e igarapés da cidade, promovendo a polução
e a destruição desses corpos hídrica.
O abastecimento de água tem avançado à medida que a empresa de saneamento tem optado por se apoderar dos sistemas de fornecimento residenciais construídos a duras penas pelos trabalhadores. Trata-se de uma estratégia bastante exitosa para a empresa, uma vez que ela nada gasta para construir tais sistemas, além de cobrar elevadas taxas dos moradores para mantê-los em funcionamento. Essa apropriação dos sistemas residenciais e comunitários por parte da empresa mostra que os conflitos pelo domínio das águas são cada vez mais corriqueiros e ganham feições surpreendentes.
Se temos reservas abundantes, por que conflitos por água crescem no Brasil?
Diante de tais rivalidades,
os moradores e pequenas associações se encontram fragilizados perante as forças
dos grandes empresários e banqueiros. Trata-se de uma luta pelo significado da
água: direito ou mercadoria. A água como mercadoria parece prevalecer cada vez
mais em detrimento da água como direito humano e social. (ecodebate)
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