A relação entre viver em uma
cidade poluída como São Paulo e doenças pulmonares ou câncer é bem conhecida.
Os problemas, no entanto, vão além. Uma pesquisa inédita aponta que a exposição
de longo prazo à poluição atmosférica está diretamente ligada ao aumento dos
riscos cardíacos em moradores da capital paulista. Para indivíduos hipertensos
o perigo é maior.
Publicado na revista
Environmental Research, o estudo foi realizado por pesquisadores da
Universidade de São Paulo (USP) com o apoio da FAPESP (projetos 13/21728-2,
16/23129-7 e 19/06435-5). A investigação mostra que a fibrose cardíaca, um
indicador de doenças do coração, está relacionada ao tempo de exposição às
partículas de carbono negro, um indicador de poluição atmosférica.
Os pesquisadores fizeram a
análise das autópsias de 238 pessoas e de dados epidemiológicos para mensurar
essa relação. Eles também entrevistaram familiares das vítimas para recolher
informações sobre fatores de risco, como histórico de tabagismo e hipertensão.
A partir da observação macroscópica do tecido pulmonar estabeleceram a presença
e quantidade da fração de carbono negro nos pulmões. Amostras de miocárdio
revelaram a fração de fibrose cardíaca.
Resultados revelaram
associação significativa entre a fração de carbono negro nos pulmões e a
fibrose cardíaca nos indivíduos estudados.
Isso significa que, quanto
mais tempo uma pessoa é exposta à poluição, maior a probabilidade de
desenvolver a fibrose. “Esse dado ressalta o papel crucial da autópsia na
investigação dos efeitos do ambiente urbano e dos hábitos pessoais na
determinação de doenças”, afirma um dos autores da pesquisa, o patologista e
professor da USP Paulo Saldiva.
Além disso, foi constatado que o risco é aumentado para indivíduos hipertensos. Entre eles, a presença do marcador de doenças cardíacas cresce com o aumento da presença do indicador de exposição à poluição, tanto em fumantes quanto em não fumantes. Entre os não hipertensos, os maiores riscos foram observados principalmente nos tabagistas.
A hipertensão, ou pressão alta, é uma doença que pode ser silenciosa e não apresentar sintomas. De acordo com o Ministério da Saúde, em dez anos a taxa de mortalidade passou de 11,8 óbitos para 100 mil habitantes, em 2011, para 18,7 em 2021. Cerca de 60% dos idosos que vivem no Brasil têm hipertensão.
Se a hipertensão é
silenciosa, a poluição nem sempre está tão à vista de todos. Em alguns casos,
no entanto, é possível saber onde ela é mais prejudicial. A exposição à
poluição dentro da mesma cidade depende de fatores como hábitos e deslocamentos
das pessoas. “Podemos dizer que existem dois indicadores de poluição, um medido
pela rede da Cetesb [Companhia Ambiental do Estado de São Paulo], que é
objetivo. E outro relacionado a quanto cada indivíduo é exposto a ela”, afirma.
“Ou seja, o nível de concentração de poluição ambiental não significa a mesma
dose recebida por todos. Se você está em um corredor de tráfego por horas,
recebe uma dose maior porque a concentração daquele ambiente é particularmente
mais elevada”.
Saldiva explica que diversos
fatores, como a própria hipertensão, influenciam no desenvolvimento da fibrose
cardíaca e que, agora, fica provado que a poluição é um deles. “A pergunta era
‘a poluição tem tamanho suficiente para aparecer nessa foto’ Ela tem e foi a
primeira vez que foi demonstrado no mundo em humanos. Essa é a diferença do
trabalho”, pontua.
Segundo o médico, o estudo só foi possível graças ao trabalho realizado pelo Serviço de Verificação de Óbito (SVO) na cidade, 24 horas por dia, 365 dias por ano. Ele afirma que o apoio da Faculdade de Medicina da USP e da FAPESP, em convênios estabelecidos no passado com o SVO, construiu um vasto conjunto de processos e informações que resultam hoje em novas possibilidades científicas.
Como a poluição de SP afeta o risco cardíaco de seus moradores?
A pesquisa da USP fornece
evidências sobre os impactos da poluição do ar na saúde cardiovascular e
destaca a necessidade de medidas eficazes para reduzir a exposição da população
a esse mal. A implementação de medidas como a redução das emissões de veículos,
o incentivo ao transporte público sustentável na cidade e o incentivo de fontes
de energia limpa são estratégias eficazes na mitigação dos impactos da poluição
atmosférica na saúde pública. (ecodebate)
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