Temperatura média do oceano
bateu novo recorde em março, chegando a 21,07ºC, superando o pico global
anterior, registrado em fevereiro.
Março foi o mês mais quente
já registrado no planeta, com os maiores picos de temperaturas médias na
superfície da Terra, de acordo com o Observatório Copernicus, serviço de
monitoramento climático da União Europeia.
Foi o décimo mês seguido a
bater o recorde de calor, atingindo 1,58°C acima do nível pré-industrial,
ultrapassando o limite de 1,5°C estabelecido pelo Acordo de Paris. Se na superfície
terrestre as ondas de calor e eventos extremos, como tempestades, inundações e
incêndios florestais, indicam a gravidade da crise climática, no oceano a
situação é menos visível, mas pode ser ainda mais grave.
A média mensal da temperatura global da superfície do oceano também bateu recorde em março, 21,07°C, superando o recorde anterior de fevereiro (21,06°C), de acordo com dados do sistema Copernicus. “A temperatura do oceano está acima do esperado há 10 meses e, infelizmente, quase ninguém percebe a relevância disso. É como se o nosso corpo estivesse sistematicamente com febre, indicando que algo está muito errado, e continuássemos a viver da mesma forma, sem nos preocupar”, compara Ronaldo Christofoletti, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), professor do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e membro do Grupo Assessor de Comunicação para a Década do Oceano da UNESCO.
Como o oceano é fundamental para regular o clima do planeta, o especialista explica que o aquecimento recorde de suas águas deveria ser um sinal de alerta. “Vale lembrar que o oceano ocupa 70% da superfície da Terra. Quando ele está mais quente, significa que a circulação oceânica, responsável por transportar calor e energia pelo planeta, não está como deveria. Isso pode gerar um grande desequilíbrio, com graves consequências ambientais, econômicas e sociais”, explica o professor.
Mesmo com parte das temperaturas recordes relacionadas ao El Niño, devido ao aquecimento anormal das águas superficiais do Oceano Pacífico Equatorial, a origem dos picos de temperatura dos últimos meses é cumulativa, segundo o especialista. “Basta pensar que nunca foi registrado aquecimento tão alto no oceano em anos anteriores, mesmo sob a influência do El Niño. Ou seja, o quadro atual é realmente reflexo das mudanças climáticas causadas fundamentalmente pelo acúmulo de gases de efeito estufa na atmosfera. Enquanto nos últimos 40 anos a temperatura média do oceano aumentou em torno de 0,6°C, em apenas um ano este aumento está em torno de 0,3°C a 0,4°C, consistentemente por um período consecutivo de um ano, um padrão sem precedentes na história”, afirma Christofoletti.
Média diária da temperatura da superfície do mar (ºC) sobre o oceano global extrapolar (60°S–60°N) para 2016 (laranja), 2023 (vermelho) e 2024 (linha preta). Todos os outros anos entre 1979 e 2022 são mostrados com linhas cinzas. Fonte de dados: ERA5. Crédito: Serviço de Alterações Climáticas Copernicus/ECMWF.
Temperaturas médias globais da superfície do mar de março de 2023 (laranja) a março de 2024 (preto) quebraram recordes diários todos os dias durante um ano e estabeleceram novos recordes históricos várias vezes. Fonte: (Universidade do Maine / Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA) dos Estados Unidos
Impactos conhecidos e
desconhecidos
Uma das primeiras
consequências do aumento da temperatura no oceano é o branqueamento dos recifes
de corais. “Estamos diante de uma nova epidemia de branqueamento de corais,
inclusive no Brasil, onde os pontos de branqueamento já foram registrados no
Nordeste e no Sudeste”, afirma Christofoletti. O processo é causado pelo
aquecimento e acidificação do oceano, entre outros fatores. “O tecido desses
organismos fica translúcido, revelando o esqueleto de carbonato de cálcio da
espécie. Isso provoca a diminuição da capacidade reprodutiva e pode provocar a
morte dos corais, causando impactos negativos em diversas espécies que utilizam
esses ambientes para alimentação e abrigo”.
Além da relevância ecológica, os recifes de corais possuem importância econômica ainda pouco conhecida. Um estudo inédito realizado pela Fundação Grupo Boticário mostra que os recifes de corais geram até R$ 167 bilhões ao Brasil em serviços de proteção costeira e turismo. Para cada quilômetro quadrado de recifes, R$ 941 milhões são economizados em danos evitados, já que os recifes reduzem em até 90% a força das ondas, protegendo as regiões costeiras de tempestades, ressacas e erosões. Além disso, destinos com recifes de corais no Nordeste geram receitas com atividades de lazer e recreação de R$ 7 bilhões por ano. “Tudo isso fica ameaçado com o aquecimento do oceano”, alerta o professor.
Christofoletti explica que existem impactos que sequer foram dimensionados pelos cientistas. “A ciência ainda não consegue estimar o que deve acontecer se a temperatura do oceano ficar 0,4°C acima da média por tanto tempo. No entanto, é possível imaginar impactos no processo reprodutivo de muitos organismos, inclusive de espécies marinhas de interesse econômico e comercial”, afirma o professor.
Espécies de pescado podem ter
reprodução acelerada, reduzida ou até interrompida. “Realmente, uma das grandes
questões sociais é saber como esse aquecimento do oceano vai refletir nos
recursos pesqueiros a médio e longo prazos. Poderemos ter impacto na segurança
alimentar de milhões de pessoas”, frisa o membro da RECN. (ecodebate)
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