As mudanças climáticas não
são mais uma ameaça distante para a agricultura mundial, mas uma realidade
presente que já está causando perdas significativas na produção de grãos
essenciais e projetando um cenário de escassez hídrica sem precedentes.
Pesquisas recentes, incluindo
um estudo da Universidade de Stanford, apontam que a produtividade de safras
globais de trigo, milho e cevada está entre 4% e 13% menor do que seria na
ausência das tendências climáticas observadas, devido ao aquecimento e à secura
do ar que afetam quase todas as principais regiões agrícolas do mundo.
Impactos atuais e projeções
futuras
O aumento da frequência de ondas de calor e períodos de seca tem prejudicado severamente a produção agrícola. Em algumas regiões, as temporadas de cultivo estão mais quentes do que em quase qualquer outro registro dos últimos 50 anos. Essa intensificação do aumento da temperatura e da secura do ar é um fator crucial de estresse para as lavouras.
Sem clima, sem comida: produção de alimentos sofre com extremos climáticos
Crise socioambiental e
inflação do preço dos alimentos expõem necessidade de repensar modelo de
produção
Projeções futuras revelam
mudanças ainda mais profundas e rápidas. As atuais regiões de cultivo
principais verão alterações severas muito mais cedo do que o esperado, exigindo
que os agricultores se adaptem agora às novas realidades climáticas.
• Milho: É a cultura mais
afetada negativamente. A previsão é de que o rendimento da safra de milho
diminua em quase um quarto até o final do século. Regiões como América do Norte
e Central, África Ocidental, Ásia Central e Oriental podem ver uma queda na
produção de milho em mais de 20% nos próximos anos.
• Trigo: Por outro lado, o
trigo, que se adapta melhor a climas temperados, pode ter um potencial de
aumento na produção global de cerca de 17%, especialmente em áreas como o norte
dos Estados Unidos e Canadá, e na China.
No entanto, é crucial notar
que os ganhos de trigo no Norte Global não compensam as perdas de milho no Sul
Global, o que exacerba as desigualdades existentes e a segurança alimentar nos
países mais pobres.
A ameaça da escassez hídrica
A escassez de água é um
problema crescente em todos os continentes com agricultura, representando uma
grande ameaça à segurança alimentar. Um estudo da American Geophysical Union
(AGU) prevê que a seca deve aumentar em mais de 80% das terras agrícolas do
mundo até 2050.
Este estudo introduziu um
novo índice para medir a escassez de água, considerando tanto a “água verde”
(água da chuva disponível no solo) quanto a “água azul” (irrigação de rios,
lagos e águas subterrâneas), algo que a maioria dos modelos anteriores não
fazia de forma abrangente.
A disponibilidade de água
verde, essencial para as plantas, está mudando devido a padrões de precipitação
e evaporação alterados por temperaturas mais altas, impactando cerca de 16% das
terras agrícolas globais.
Enquanto algumas áreas, como o nordeste da China e o Sahel africano, podem receber mais chuva, outras, como o Centro-Oeste dos EUA e o noroeste da Índia, podem sofrer redução de precipitação, levando a um aumento na necessidade de irrigação.
75% ou ¾ dos países da América Latina e do Caribe têm alta exposição a eventos climáticos extremos, afetando a segurança alimentar.
Outras consequências
interligadas
Os impactos das mudanças
climáticas na agricultura vão além da simples queda de produtividade e escassez
de água:
• Emissões de Gases de Efeito
Estufa: A agricultura já contribui com cerca de 30% do aquecimento global. As
mudanças climáticas podem intensificar essas emissões, especialmente de óxido
nitroso e metano, devido ao aumento do uso de fertilizantes e à decomposição da
matéria orgânica em solos mais quentes.
• Degradação do Solo:
Temperaturas elevadas e eventos climáticos extremos aceleram a erosão,
salinização e perda de nutrientes do solo, reduzindo sua produtividade e
capacidade de armazenar carbono.
• Pragas e Doenças: Condições
climáticas alteradas podem favorecer a proliferação de pragas e doenças que
afetam as culturas, levando a perdas significativas e maior necessidade de
pesticidas, com impactos negativos na saúde humana e no meio ambiente.
• Perda de Biodiversidade:
Algumas culturas e variedades de gado podem não conseguir se adaptar às novas
condições climáticas, resultando em perda de diversidade genética e tornando os
sistemas agrícolas mais vulneráveis.
Esses impactos podem interagir e se amplificar, criando um ciclo de feedback negativo que, sem intervenções adequadas, pode ter consequências devastadoras para a agricultura e a segurança alimentar global.
Desafios nos modelos e a necessidade de adaptação
Curiosamente, os modelos
climáticos usados para prever esses impactos tiveram “surpresas”. Eles erraram
ao prever o grau de secura em zonas temperadas como Europa e China, onde o
aumento foi muito maior do que o esperado.
Por outro lado, lavouras nos
Estados Unidos, especialmente no Meio - Oeste, sofreram menos do que os modelos
indicavam. Essas falhas são cruciais porque afetam a formulação de estratégias
de adaptação, como esforços anteriores para prolongar a estação de cultivo que
podem ter sido mal direcionados.
Ainda assim, a ciência do
clima tem sido notável em antecipar os impactos globais sobre os principais
grãos. A percepção pública, que muitas vezes subestima uma perda de
produtividade de 5% ou 10%, precisa ser ajustada, pois essas percentagens são
suficientes para “abalar os mercados” e afetar o “alimento suficiente para
centenas de milhões de pessoas”.
Diante dessa “nova realidade
climática”, a urgência em desenvolver estratégias de adaptação eficazes é
clara. Soluções incluem:
• Práticas de conservação de
água: Cobertura morta para reduzir a evaporação, plantio direto para estimular
a infiltração de água no solo, e ajuste do tempo de plantio para alinhar o
crescimento das culturas com os padrões de chuva.
• Melhoria da infraestrutura:
Aprimorar a infraestrutura de irrigação (especialmente na África) e a
eficiência da irrigação a longo prazo.
• Apoio à pesquisa e desenvolvimento: Investimentos robustos em pesquisa e desenvolvimento são necessários para evitar declínios na produtividade agrícola.
Como um país que produz e exporta tanto alimento pode ter tanta gente passando fome?
A ciência climática continua
sendo uma bússola essencial para guiar decisões políticas e garantir a
segurança alimentar global.
É imperativo que agricultores e formuladores de políticas ajam rapidamente para mitigar os efeitos já visíveis e se preparar para os desafios futuros. (ecodebate)
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