Fatores que contribuem para a
armadilha da pobreza:
Conflitos e violência:
Décadas de guerras e a
presença de centenas de grupos armados causam deslocamento de pessoas,
destruição de lares e uma violência generalizada, que afeta principalmente as
mulheres e crianças.
Falta de recursos e
subfinanciamento:
Apesar da riqueza mineral, a
ajuda humanitária é insuficiente, com o plano de resposta humanitária a estar
gravemente subfinanciado, o que agrava a crise e limita a assistência vital.
Legado histórico:
O país carrega o legado de
exploração colonial e a ineficácia de governos pós-independência, que não
conseguiram promover o desenvolvimento e a estabilidade.
Corrupção:
A corrupção sistêmica impede
que a riqueza do país seja utilizada para benefício da população, contribuindo
para o ciclo de pobreza.
Crise climática:
O agravamento da crise
climática e ambiental também impacta a sustentabilidade e a segurança alimentar
da população.
Impacto na população:
Extrema pobreza:
Cerca de 73,5% dos congoleses
vivem com menos de US$ 2,15 por dia.
Deslocamento forçado:
Milhões de pessoas são
forçadas a fugir de suas casas devido aos conflitos, vivendo em campos de
refugiados e em condições precárias.
Fome e subnutrição:
A fome e a subnutrição
atingem níveis alarmantes, especialmente entre as crianças, causando atrasos no
crescimento e prejudicando o desenvolvimento cognitivo.
Doenças:
A falta de saneamento básico,
a água potável limitada e as condições precárias de vida aumentam o risco de
doenças infecciosas como a cólera.
Violações de direitos
humanos:
Grupos armados cometem
violações graves dos direitos humanos, incluindo assassinatos, violência sexual
e recrutamento forçado de crianças.
Perspectivas futuras:
A previsão é que a população da RDC quadruplique até o final do século, o que, sem intervenção, pode agravar a pobreza, a fome e a crise ambiental. A comunidade internacional precisa apoiar o país para garantir o acesso a recursos, estabilidade e para implementar políticas de regulação da fecundidade que possam ajudar a superar o atraso econômico e social e evitar um futuro de mais sofrimento.
A República Democrática do Congo só conseguirá vencer a pobreza, a fome e o baixo IDH se avançar com a transição demográfica.
A República Democrática do
Congo (antiga República do Zaire) é o segundo maior país da África em extensão
territorial, com uma área de 2,3 milhões de km2, uma população de
112 milhões de habitantes em 2025 e uma densidade demográfica de 50 habitantes
por km2. É o quarto país mais populoso da África, ficando atrás somente
da Nigéria, Etiópia e Egito.
Faz fronteira a norte com a
República Centro-Africana e com o Sudão do Sul, a leste com Uganda, Ruanda,
Burundi e a Tanzânia, a leste e a sul com a Zâmbia, a sul com Angola e a oeste
com o oceano Atlântico, com o enclave de Cabinda e com o Congo.
O gráfico abaixo mostra a
população e a renda per capita da República Democrática do Congo de 1950 a
2022. A população era de 12,3 milhões de habitantes em 1950, chegou a 22,4
milhões em 1974 e deu um salto para 102,4 milhões de habitantes em 2022.
Segundo a Divisão de População da ONU, a RD do Congo deve chegar a 430 milhões
de habitantes em 2100, devendo superar a população dos Estados Unidos da
América (EUA).
Enquanto a população cresceu 8,3 vezes em 72 anos, a renda per capita seguiu caminho oposto, fazendo com que a RD do Congo ficasse presa na armadilha da pobreza. A renda per capita, em poder de paridade de compra, era de US$ 909 em 1950, subiu para o pico de US$ 1,3 mil em 1974 e caiu para US$ 844 em 2022. Ou seja, a renda per capita diminuiu entre 1950 e 2022. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) foi de 0,522, ficando em 171º lugar no ranking global.
O exemplo da RD do Congo se contrapõe à tese do economista neoliberal Julian Simon, conhecido por defender que mais pessoas significam mais cérebros, mais criatividade e, portanto, mais desenvolvimento. Sua frase famosa — “people are the ultimate resource” — resume sua tese: a população humana não é um fardo, mas a principal fonte de progresso. Para ele, quanto mais pessoas é melhor.
Porém, a realidade de países
como a República Democrática do Congo (RDC) evidencia limites e erros dessa
visão populacionista quando aplicada de forma generalizada. Vamos listar os
principais erros conceituais e práticos da visão de Simon:
• Superestimação do potencial
humano sem considerar o contexto
Simon via cada ser humano
como um solucionador de problemas em potencial, mas ignorava que o
desenvolvimento das capacidades humanas exige condições mínimas: educação,
saúde, segurança alimentar, infraestrutura e estabilidade. Na RDC, milhões de
crianças não têm acesso à escola ou são deslocadas por conflitos. O “recurso
humano” existe, mas está subutilizado ou abandonado.
• Desconsideração dos limites
institucionais e políticos
Simon focava no indivíduo,
mas subestimava o papel das instituições (Estado, leis, governança). Sem
instituições sólidas, o crescimento populacional pode resultar em mais
desemprego, informalidade e conflitos sociais. Na RDC, décadas de corrupção,
guerras civis e ausência de políticas públicas eficazes impediram que a
população se transformasse em ativo econômico.
• Negligência sobre o tempo
de maturação do capital humano
Simon tratava o crescimento
populacional como uma riqueza imediata. Porém, formar capital humano leva tempo
— décadas, em alguns casos. Em contextos como o da RDC, onde os investimentos
em saúde e educação foram insuficientes ou interrompidos, a “riqueza
demográfica” tornou-se um fardo social.
• Ignorar os custos sociais e
ambientais do crescimento populacional rápido
Mais gente significa maior
demanda por água, alimentos, energia, habitação, transporte e empregos. Sem
planejamento urbano, infraestrutura e regulação ambiental, o crescimento
populacional pode levar à degradação ambiental e crise social. A RDC, rica em
recursos naturais, sofre com mineração predatória, desmatamento, deslocamentos
forçados, conflitos religiosos e insegurança alimentar, tudo agravado pelo
crescimento desordenado.
Simon baseava suas ideias em
exemplos dos EUA e de países desenvolvidos, onde o crescimento populacional
ocorreu junto com inovação, urbanização e investimento em capital humano.
Transferir essa lógica para países com fracas capacidades estatais, como a RDC,
é um erro metodológico, mesmo porque todos os países ricos passaram pela
transição demográfica e aproveitaram o 1º bônus demográfico.
O erro principal de Julian Simon
foi confundir potencial com realidade. O crescimento populacional pode ser um
fator positivo para o desenvolvimento — desde que acompanhado de investimento
social, instituições sólidas e políticas públicas eficazes. Além disto, é
preciso considerar o papel da transição demográfica, pois não existe país rico
e com alto IDH que não tenha reduzido as taxas de mortalidade e natalidade. A
RDC mostra que, sem essas bases, o crescimento populacional pode resultar em
empobrecimento e instabilidade, exatamente o oposto do que Simon previa.
Ao contrário de Julian Simon,
o livro Rumo à Utopia: Uma História Econômica do Século XX” (o título original
em inglês “Slouching Towards Utopia: An Economic History of the Twentieth
Century”) de J. Bradford DeLong (2022) oferece uma narrativa abrangente e
ambiciosa da história econômica do que ele chama de “o longo século XX” – que
se estende aproximadamente de 1870 a 2010.
Para o autor, antes de 1870,
a humanidade vivia em extrema pobreza, com um lento avanço das invenções compensado
por uma população crescente. Então, ocorreu uma grande mudança: a invenção
avançou a toda velocidade, dobrando nossas capacidades tecnológicas a cada
geração e transformando completamente a economia repetidamente, com grande
aumento da produção de bens e serviços. Ao mesmo tempo a transição demográfica
reduziu o crescimento populacional e provocou uma mudança na estrutura etária
que abriu uma janela de oportunidade para erradicar a pobreza e a fome e
garantir o bem-estar da maioria da população.
Portanto, a República
Democrática do Congo só conseguirá vencer a pobreza, a fome e o baixo IDH se
avançar com a transição demográfica viabilizando o investimento em saúde,
educação e em um mercado de trabalho cada vez mais produtivo.
Também o livro “A Jornada da
Humanidade: Uma História Econômica do Mundo”, de Oded Galor, oferece uma teoria
unificada e abrangente da história econômica global. O cerne de sua
argumentação é que a humanidade esteve presa por milênios em um regime
malthusiano, onde qualquer avanço tecnológico resultava apenas em mais pessoas
vivendo no limiar da subsistência, sem um aumento sustentável da prosperidade
per capita, onde a transição demográfica desempenha um papel absolutamente
central.
Galor começa descrevendo a vasta extensão da história humana sob o regime malthusiano. Nesse período, inovações tecnológicas (como novas ferramentas ou técnicas agrícolas) levavam ao aumento temporário da renda. No entanto, essa renda extra era rapidamente “consumida” por um aumento da população, já que mais recursos permitiam que mais pessoas sobrevivessem e tivessem filhos. O resultado era que a renda per capita retornava ao seu nível de subsistência. A população crescia, mas a maioria continuava pobre.
República Democrática do Congo vive uma das piores crises de fome do mundo
O cerne da explicação de
Galor para a “fuga” do regime malthusiano e o início do crescimento econômico
sustentado é a transição demográfica. Ele argumenta que essa transição não foi
apenas uma consequência do desenvolvimento, mas um motor essencial que
realimentou o processo de crescimento. De acordo com Galor, o processo se
desenrolou da seguinte forma:
1.
Aceleração do Progresso Tecnológico: Lentamente, ao longo dos séculos, e de
forma mais acentuada com a Revolução Industrial, a taxa de progresso
tecnológico começou a acelerar. As inovações tornaram-se mais frequentes e
impactantes.
2. Aumento da Importância do
Capital Humano: Com o avanço tecnológico, o valor da educação e das habilidades
no mercado de trabalho aumentou. As ocupações baseadas no conhecimento e na
tecnologia passaram a gerar maiores retornos, enquanto o trabalho manual não
qualificado se tornava menos valioso.
3. Investimento na Qualidade
dos Filhos: Diante dessa nova realidade, as famílias perceberam que investir na
educação de seus filhos — aumentando seu “capital humano” — traria maiores
benefícios econômicos no futuro. Educar bem muitos filhos era caro.
4. A Queda da Natalidade:
Este é o ponto crucial da transição demográfica para Galor. As famílias
começaram a optar por ter menos filhos, mas investir muito mais em cada um
deles, garantindo-lhes educação, saúde e melhores perspectivas. Isso marcou o
abandono da estratégia de “muitos filhos” (quantidade) para uma de “melhores
filhos” (qualidade).
5. Ciclo Virtuoso de
Crescimento: A redução da taxa de natalidade, combinada com a continuação da
queda da mortalidade (especialmente infantil), levou a um menor crescimento
populacional (ou até a estabilização/declínio em fases posteriores). Isso
significava que os frutos do progresso tecnológico não eram mais totalmente
“comidos” pelo aumento populacional. A riqueza gerada podia, então, ser
acumulada e investida, levando a um aumento sustentado da renda per capita.
Além disso, uma população mais educada e saudável era ainda mais inovadora,
realimentando o ciclo de progresso tecnológico e crescimento.
Portanto, a experiência mundial mostra que a transição demográfica é um pré-requisito para vencer a armadilha malthusiana ou armadilha da extrema pobreza. A população da RDC está prevista para quadruplicar no restante do século. Isto significaria o aumento da pobreza, agravada pela crise climática e ambiental. A comunidade internacional deveria ajudar a RDC a garantir os direitos de regulação da fecundidade para colher os benefícios do bônus demográfico e deixar para trás o atraso econômico e social.
Um dia a guerra na República Democrática do Congo chegará ao fim. (ecodebate)
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