terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Aquecimento global e a reprodução híbrida

Aquecimento global pode conduzir à reprodução híbrida, originando novas espécies
Os biólogos sabiam há tempo que a hibridação entre espécies diferentes de ursos era uma possibilidade teórica. No entanto, a probabilidade desses encontros é tão baixa que não esperavam ver um desses híbridos vivo. Mas os cientistas da Agência Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA (Noaa na sigla em inglês) confirmaram dois casos nos últimos quatro anos.
No primeiro, em 2006, foi um híbrido de urso polar, o branco e ameaçado habitante dos gelos árticos, e seu primo distante do sul, o marrom ou “grizzly”, o gigantesco urso que aparece nos pesadelos dos excursionistas canadenses e que pertence a uma espécie diferente. Reportagem de Javier Sampedro, em El País.
A pele variegada desse exemplar – era um mosaico de áreas brancas e marrons – e sua forma inédita, que não casava com nenhuma das duas espécies embora tivesse traços de ambas, já sugeriam sua natureza híbrida, e a análise de seu genoma o confirmou sem margem de dúvida. Confirmou “post mortem”, porque essa joia única para a biologia foi abatida por um grupo de caçadores pouco depois de surgir. Há alguns meses apareceu outro híbrido, e foi abatido por outro grupo de caçadores.
Os cientistas da Noaa no Alasca creem que a perda do gelo ártico está propiciando a formação de híbridos entre espécies, o que pode levar muitas delas para a extinção. Pelo menos 22 espécies de mamíferos correm risco de hibridação: ursos polares com marrons e espécies de baleias com outras, principalmente. Hoje a situação é atualizada na revista “Science”.
Os híbridos de cavalo e burro – as mulas – seriam considerados uma espécie nova se não fossem estéreis. Mas os híbridos de urso polar e marrom não são estéreis. Embora graças aos caçadores ninguém tenha podido comprovar esse fato diretamente, o genoma do urso caçado há alguns meses o demonstra além de qualquer dúvida.
Um animal nascido de pais de duas espécies diferentes levará meio genoma de uma espécie e meio da outra. Assim era, com efeito, o genoma do urso abatido em 2006, confirma agora a Noaa. Mas o que foi abatido este ano tem um quarto de genoma polar e três quartos de marrom, logo, não é um híbrido de primeira geração, mas de segunda. É filho de um macho marrom e de uma fêmea híbrida de polar e marrom.
Os botânicos sabem há tempo que a hibridação é um dos principais mecanismos de especiação nas plantas, e há muitos indícios de que também está envolvida na geração das espécies animais, embora não se saiba em que porcentagem de casos.
Alguns casos confirmados recentemente são os das mariposas do gênero heliconius, que dependem de sua rápida capacidade de especiação para adotar os desenhos e as cores de suas mariposas vizinhas. Mas também há fortes evidências genômica de hibridação entre os antepassados do chimpanzé e os primeiros hominídeos. E também entre os neandertais e os primeiros humanos modernos. É possível que estejamos hoje observando diretamente um processo semelhante no Ártico?
“É uma questão interessante”, responde por e-mail o biólogo Brendan Kelly, da estação da Noaa no Alasca e primeiro autor da análise citada em “Science”. “Creio que há uma evidência bastante clara de que a hibridação não é tão importante como mecanismo de especiação nos animais como é nas plantas. No entanto, teve um papel importante.”
Kelly prossegue: “Dada a rapidez com que o gelo ártico está diminuindo, suspeito que é mais provável que a hibridação conduza à extinção do que à geração de novas espécies”.
Andrew Whiteley, um geneticista especializado em conservação de espécies da Universidade de Massachusetts e coautor do trabalho, diz: “Concordo que o índice previsto da perda de gelo marinho é o fator importante aqui. A hibridação foi sem dúvida uma fonte de novidade evolutiva na história, especialmente nas plantas, mas quando ocorre rapidamente e devido a causas relacionadas ao homem não há muito tempo para que a seleção natural possa adaptar as coisas”.
Em 2006, a mais avançada comparação entre o genoma humano e o do chimpanzé revelou que a separação dessas duas espécies não ocorreu em nada parecido com um episódio – que costuma ser datado há 7 milhões de anos -, mas ao longo de toda uma era de 4 milhões de anos, que já havia começado muito antes (há 11 milhões) e que terminou muito depois: há “provavelmente menos de 5,4 milhões de anos”, segundo os cientistas de Harvard e do MIT.
O DNA sofre mutações que vão se acumulando com o tempo. Algumas não importam e outras são o fundamento da evolução, mas em conjunto podem ser usadas como um relógio, sempre que se tenha uma boa coleção de fósseis para acertar a hora. Esses relógios de DNA são muito difíceis de calibrar para as grandes escalas da evolução – como a origem dos animais há mais de 500 milhões de anos -, mas nem tanto nas distâncias curtas como a evolução humana.
O tempo de separação de 7 milhões de anos e só a média das diferenças. A realidade é que há grandes blocos genômicos que são muito mais semelhantes entre humanos e chimpanzés do que a média. Isto é, que se separaram muito depois que o resto do genoma. O caso extremo é o cromossomo X, que segundo os cientistas de Boston “tem menos de 5,4 milhões de anos”. A média é 7 milhões porque outros blocos têm quase 10 milhões de anos.
“O estudo deu resultados inesperados sobre a separação de nossos parentes mais próximos, os chimpanzés”, explicou então o autor principal, David Reich, pesquisador do Instituto Broad – um dos nódulos centrais do projeto genoma público – e professor da Universidade Harvard, em Boston.
“A estrutura da população que existia na época da especiação entre humanos e chimpanzés não se parecia com nenhuma população atual de macacos. Algo muito incomum sucedeu no tempo da especiação”.
“A hibridação pode ser um processo criativo e dar lugar a novas espécies”, admite outro cientista da Noaa no Alasca, David Talmon. “No entanto, também pode levar à extinção das combinações genéticas, das adaptações e das espécies.” “Para as espécies que se reduzem muito em população, a extinção por hibridação com uma espécie mais numerosa se transforma em uma ameaça real”, diz Talmon. “Vemos um número crescente de exemplos disso hoje em dia, através de muitos grupos animais nas regiões não polares. Nosso argumento é simplesmente que é provável que o índice de hibridação seja elevado por causa dos seres humanos, e é mais provável que seja destrutiva, que conduza à perda de espécies e de adaptações evolutivas únicas, do que criativa ou que conduza a novas espécies.” (EcoDebate)

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