Graças
à demora de mais de 20 anos na ação para reduzir as emissões globais de carvão
já aumentamos significativamente a probabilidade de que o prejudicial
aquecimento do planeta obrigue a realizar aquelas intervenções governamentais
que eles [os negacionistas da mudança climática] tanto temem e tratam de
evitar. (…) O significado disto é que o trabalho atual dos negacionistas do
clima só ajuda a garantir que estaremos menos preparados para enfrentar o
impacto total da mudança climática, o que por sua vez leva a cada vez maiores
intervenções do Estado. Formulemo-lo de outra maneira: os negacionistas do
clima estão fazendo todo o possível para criar o pesadelo que mais temem.”
Naomi
Oreskes é professora de História da Ciência e professora associada de Ciências
da Terra e do Planeta na Universidade de Harvard.
Quando
estou com o meu neto, que ainda não completou três anos, sua ideia de diversão
é brincar de esconde-esconde. Ele procura esconder-se atrás de uma árvore
pequena demais para escondê-lo ou na entrada de uma casa onde está à vista
enquanto eu ando por aí perguntando em voz alta onde será que ele se escondeu.
Neste jogo há uma espécie de pensamento mágico e de negação da realidade que
tem seu grande encanto.
Quando
similares ações de negação são cometidas por adultos, quando se negam a ver o
que está acontecendo na frente dos seus olhos – as calçadas e as estradas se
derretendo na Índia, os reservatórios quase vazios em uma ressecada Califórnia,
as chuvas extremas e as enchentes no Texas e em Oklahoma, as notícias de que o
aquecimento global do ano passado foi um recorde histórico e que este ano já
ameaça ser outro recorde, ou a de que o Alasca acaba de passar
o maio mais quente de sua história, ou a de que 13 dos 14 anos desde que as
temperaturas começaram a ser registradas aconteceram no século XXI, ou ainda a
de que a suposta “pausa” no processo de aquecimento do planeta depois de 1998
foi uma fantasia –, o encanto se esfumaça rapidamente. Quando se descobre que
por trás deste negacionismo da realidade há pelo menos 125 milhões de dólares
de dinheiro ilícito, esse encanto se esfumaça ainda mais rapidamente.
Em
apenas três anos, fontes conservadoras não identificadas postaram números
alucinantes em um sítio da internet de laboratórios de ideias e grupos de
ativistas que se dedicam a promover a negação da mudança climática (nesses
números não estão incluídas enormes somas que a Grande Indústria Energética
continua injetando na promoção do negacionismo, como vem fazendo desde a década
de 1980). Em outras palavras, alguns dos interesses mais poderosos e lucrativos
do mundo estão resolvidos a negar a realidade com uma notável ferocidade, com a
finalidade de confundir o público e obstaculizar qualquer ação ou movimento que
pretenda proteger o meio ambiente do planeta que sempre alimentou a humanidade.
É um espetáculo carente de qualquer encanto.
Os
bens financiados negacionistas da mudança climática e os políticos que os
apoiam (que, por sua vez, são apoiados pelo mesmo conjunto de financistas)
gritam repetidamente “engano”. A verdade é que eles são o engano e de momento,
para onde quer que olhemos veremos que estão à entrada de uma casa próxima,
desnudos e bem à vista. Mesmo assim, com o apoio de tanto dinheiro, controlam o
Partido Republicano e o Congresso com maioria republicana em ambas as câmaras
(hoje, por exemplo, 72% dos senadores republicanos negam a mudança climática).
Isto significa que para o grupo cada dia maior de candidatos à presidência pelo
Partido Republicano, a frase “Eu não sou cientista, mas…” seguida de dúvidas ou
da negação da ciência do clima será um tópico do ano eleitoral de 2016. Não
poderia ser um quadro mais sombrio, embora seja cada vez mais possível que nas
décadas vindouras vivamos uma mudança do clima cada vez mais rápida devido à
emissão de gases de efeito estufa.
Isto
significa, evidentemente, que confrontar-se diretamente com os negacionistas da
mudança climática não poderia ser mais importante. Por esta razão, Tom Tispatch
tem a sorte de poder contar outra vez com a historiadora da ciência Naomi
Oreskes – que testemunhou recentemente na comissão do Congresso controlada
pelos republicanos na qual militam numerosos negacionistas do clima – para
rebater suas falsas alegações, fantasias e mentiras.
Junto
com Erik Conway, ela é coautora do já clássico Merchants of Doubt sobre os
procedimentos utilizados pela corporação dos combustíveis fósseis, como já
tinha feito anteriormente a indústria do tabaco, para criar a sensação pública
de incerteza sobre o perigo dos seus produtos. Mais recentemente, novamente
junto com Conway, escreveu The Collapse of Western Civilization: A View from
the Future, um olhar retrospectivo sobre os efeitos do aquecimento global e do
negacionismo climático do ponto de vista de um historiador de 2393.
De
como a ciência “politicamente motivada” é uma boa ciência
Recentemente,
o Washington Post publicou novos dados que mostravam algo que maioria de nós já
sentíamos: que a maior polarização no Capitólio se deve à maneira como o
Partido Republicano se inclinou para a direita. Os autores do estudo centram-se
no senador John McCain para ilustrar esta questão. Para minha consternação
pessoal, a odisseia política de McCain joga luz sobre o giro contra a ciência
dos republicanos.
Embora
hoje pareça impossível, na primeira metade do século XX o partido dos
Republicanos era o partido que apoiava com mais força o trabalho dos
cientistas; isso se devia ao seu reconhecimento das diferentes formas como a
ciência podia sustentar a atividade econômica e a segurança nacional. Os democratas
eram mais reticentes; costumavam ver a ciência como uma atividade elitista e
preocupavam-se com os novos organismos federais como a Fundação Nacional da
Ciência e o Instituto Nacional da Saúde chegaram a concentrar recursos das
elitistas universidades da Costa Leste.
Nas
últimas décadas, certamente, os republicanos se inclinaram para a direita em
muitos temas e agora atacam com regularidade as descobertas científicas que
ameaçam sua plataforma política. Na década de 1980, questionaram as provas da
chuva ácida; na década de 1990, os ataques foram contra a ciência que se
ocupava do ozônio; e neste século, lançaram os ataques mais ferozes não apenas
contra a ciência que estuda o clima, mas também pessoalmente contra os próprios
cientistas desta disciplina.
Embora
o senador McCain não tenha se dedicado diretamente a atacar a ciência, teve um
giro alarmante. Afinal de contas, junto com o senador democrata Joe Lieberman,
apresentou as leis de administração climática de 2003, 2005 e 2007, que
instituíam um sistema obrigatório de limitação e controle das emissões de gás
estufa. Na época, estas leis foram apoiadas por muitos democratas e a maior
parte dos grupos ambientalistas. No entanto, em 2010, McCain retrocedeu
rapidamente e começou a negar sua própria lei e a insistir em que nunca havia
apoiado uma limitação “em um nível determinado”. Agora defende o aumento das
perfurações marinhas para a extração de gás e petróleo, e reclama que aspectos
importantes da política energética devem ser deixados nas mãos do governo de
cada Estado e das Administrações locais; além disso, criticou o presidente
Obama e o secretário de Estado Kerry por proporem que a mudança climática deve
ser um tema da segurança nacional, uma posição com a qual concorda o próprio
Pentágono.
Mesmo
assim, comparado com muitos de seus colegas, McCain parece um moderado; eles
rechaçam a mudança climática por tratar-se de uma fraude e uma farsa, enquanto
realizam indagações macarthistas sobre as atividades dos principais cientistas
do clima. Muitos deles atacam a ciência do clima porque temem que seja
utilizada para ampliar o âmbito da ação governamental.
Em
uma audiência em que testemunhei no mês passado, membros republicanos da
Comissão de Recursos Naturais denunciaram uma série de pesquisas científicas
relacionadas com o cumprimento de leis ambientais já existentes por tratar-se
de “ciência do governo”. Isto, sustentavam, significava que as leis eram – por
definição – corruptas, politicamente enviesadas e irresponsáveis. A ciência em
particular sob ataque envolvia os trabalhos realizados por – ou em defesa de –
organismos federais, como o Serviço de Parques Nacionais, mas a ciência
vinculada ao clima também teve seu quinhão de insultos.
À
primeira vista, as acusações eram absurdas: o trabalho científico da maior
parte das agências está sujeita a muito mais exame, explicação e fiscalização,
incluindo vários níveis de revisão por pares, que a pesquisa científica. Pelo
contrário, a pesquisa realizada sob o patrocínio da indústria muitas vezes não está
sujeita a nenhuma responsabilidade pública.
No
entanto, na preparação do meu testemunho me dei conta de que havia algo muito
maior em jogo: a questão da própria ciência politicamente motivada. É frequente
que se sustenha que a ciência ambiental realizada nos organismos federais
esteja “politicamente enviesada” e, portanto, deve-se desconfiar dela. Dei-me
conta de que era hora de desafiar a suposição de que essa ciência é uma ciência
maligna. Embora defendida por amplos setores, é possível demonstrar que essa
ideia é falsa. Além disso, a sugestão de que a “ciência do governo” é
intrinsecamente problemática para os republicanos, que evitam o grande governo,
ignoram o fato de que as maiores contribuições durante o século XX, ao menos
nas ciências físicas, partiram justamente da ciência do governo.
A
história mostra que muita – talvez a maior parte – da ciência é motivada por objetivos políticos, econômicos ou sociais. Boa parte da melhor ciência na
história dos Estados Unidos esteve centrada em objetivos explicitamente
políticos. Pensemos no Projeto Manhattan. Durante a Segunda Guerra Mundial, os
cientistas se mobilizaram para resolver os detalhes da fissão nuclear, a
separação de isótopos, a metalurgia a altas temperaturas e pressões, e muitas
questões com o propósito de fabricar a bomba atômica. O objetivo político de
deter Adolf Hitler e a sensação de que o mundo podia depender do êxito dessa
missão proporcionaram uma poderosa motivação para a atividade científica.
Também
há o programa espacial. O primeiro avanço no desenvolvimento de foguetes dos
Estados Unidos foi para ameaçar a União Soviética com a destruição nuclear. O
objetivo político de “conter” o comunismo foi um forte estímulo para os
cientistas. Anos depois, o objetivo de manter a paz mediante a doutrina da
destruição Mútua Assegurada também motivou os cientistas para
garantirem que as armas que eles projetavam iriam ali onde foram enviadas e
funcionariam como advertência de que chegariam ao alvo escolhido.
No
programa Apollo, os cientistas da NASA sabiam que, trabalhando corretamente,
não assegurariam apenas que nossos astronautas pusessem os pés na Lua, mas
também que voltariam para casa. Saber que há vidas que dependem dos seus
cálculos pode ser uma poderosa forma de promover responsabilidade.
Alguém
poderia argumentar que todos esses projetos eram tecnológicos, não científicos,
mas esta distinção significa bem pouco. Se tais projetos levaram a novas
tecnologias, também estiveram fundados sobre ciência recentemente desenvolvida.
Além disso, a política pode dirigir boa ciência mesmo na ausência de metas
tecnológicas.
A
teoria das placas tectônicas, por exemplo, é a teoria unificadora da moderna
ciência da geodinâmica, que – também – foi uma produção política. O trabalho
fundamental que favoreceu isto proveio da oceanografia implicada nos programas
da Marinha dos Estados Unidos destinados a desenvolver procedimentos de
detecção de submarinos soviéticos enquanto escondíamos os nossos. Da sismologia
também surgiu o trabalho dos militares para distinguir os terremotos dos
ensaios de artefatos nucleares. Com outras palavras, os objetivos militares e
políticos impulsionam a pesquisa necessária para a compreensão dos processos
geológicos do planeta; alcançar essa compreensão, não por acaso, constitui o conhecimento
básico para a exploração de jazidas de petróleo e gás, a busca de jazidas de
minérios e a mineração, e a prevenção de movimentos sísmicos.
Quase
todo este trabalho foi realizado por cientistas que trabalhavam diretamente
para o governo ou por acadêmicos de universidades e instituições de pesquisa
financiada pelo governo. O Projeto Manhattan era ciência do governo. O estudo
das placas tectônicas era ciência do governo.
Salvos
do buraco na camada de ozônio
A
ciência ambiental é algo diferente?
Pensem
nos homens e nas mulheres que sentaram as bases do Protocolo de Montreal para a
Conferência para a Proteção da Camada de Ozônio. Instituída em 1985, esta
conferência nos protege das potencialmente devastadoras consequências da
redução do ozônio. Neste momento, o buraco da camada de ozônio está se
recuperando e os cientistas esperam que esta recuperação se complete nas
próximas décadas, algo que não teria ocorrido sem o trabalho daqueles
cientistas ambientalistas que na década de 1970 reconheceram a ameaça à qual o
ozônio estratosférico se via exposto.
Depois,
os cientistas que trabalham na NASA e na Universidade da Califórnia se deram
conta de que os produtos químicos liberados na atmosfera pelos aviões
supersônicos e os ônibus espaciais poderiam reagir com o ozônio da estratosfera
e destruí-lo. Devido a esta ameaça, a NASA começou a financiar estudos sobre as
reações químicas nela implicadas. Enquanto isso, Sherwood Rowland e Mario
Molina, no instituto científico Irvine da Universidade da Califórnia, reconheceram
que determinados produtos químicos conhecidos como fluoretos clorados (CFC),
presentes nos aerossóis para o cabelo e outros produtos de consumo, podiam
destruir a camada de ozônio na estratosfera. No começo, esta possibilidade foi
vista com ceticismo, inclusive por seus próprios colegas. Podia realmente um
aerossol capilar acabar com a vida no planeta Terra? Isso parecia uma afirmação
demasiado aventureira, se não ultrajante.
No
entanto, em 1985, Joseph Farmer, do Serviço Antártico Britânico, anunciou a
descoberta de uma zona da Antártida na qual o ozônio estratosférico havia se
reduzido espetacularmente: o “buraco de ozônio”. No ano seguinte, uma equipe
chefiada por Susan Solomon, da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica
(NOAA), insinuou que realmente o ozônio estava diminuindo devido aos produtos
químicos, clorados derivados dos CFC em consequência das reações catalíticas
produzidas nas nuvens estratosféricas nos Polos.
Em
1987, o professor de Harvard, James Anderson, realizou um experimento a bordo
de um avião U-2 da NASA que sobrevoou a Antártida no qual se estabeleceu,
mediante medições diretas, que a camada de ozônio havia sido intensamente
prejudicada e que esses danos estavam relacionados com os gases CFC. Tratava-se
de uma surpreendente confirmação de uma hipótese formulada anos antes. Mais
tarde, a equipe de Anderson obteve medições similares no Ártico. Toda a sua
pesquisa foi financiada pela NASA.
Em
base a este trabalho, o presidente George W. Bush, republicano, o secretário de
Estado George Schultz e o secretário de Estado-adjunto John Negroponte deram
seu apoio ao Protocolo de Montreal para a Convenção de Viena e deste modo
comprometeram o mundo, primeiro, na redução, e mais tarde, na retirada
paulatina dos gases CFC. Em 1988, com o apoio do presidente Bush, o Congresso
ratificou o Protocolo de Montreal.
Desde
então, Susan Solomon foi eleita para integrar a Academia Nacional de Ciências
dos Estados Unidos, a Academia de Ciências Europeia e a Academia de Ciências da
França. Em 2008, a revista Time mencionou-a como uma das 100 pessoas
mais influentes do mundo. James Anderson, por sua vez, ganhou muitos prêmios.
Em 1995, Rowland e Molina compartilharam o Nobel de Química por seu trabalho
sobre a destruição da camada de ozônio.
Se a
ciência relacionada com o ozônio tivesse sido tergiversada, corrompida ou mesmo
realizada incorretamente, nenhum deles teria recebido semelhantes honras. Mais
importante ainda, se a ciência tivesse sido errada, agora mesmo estaríamos em
apuros porque o buraco de ozônio não estaria se recuperando. Entre outras
coisas, os índices de câncer de pele nos Estados Unidos teriam aumentado em
mais de 60% em relação à incidência atual. O gado, os cultivos e as plantas e
animais silvestres também teriam sido afetados.
Bush,
um presidente republicano, não foi enganado. Ele fez a coisa certa e nos
protegeu de um dano, mas poucas pessoas percebem quão bem o Protocolo de
Montreal funcionou e do baixo custo de seu êxito. O protocolo foi ratificado
por 197 países – para dizê-lo de outra maneira, por todo o mundo! – e a
produção e o consumo dos gases destruidores do ozônio caíram 98%.
Na
medida em que os fabricantes substituíram rapidamente os fluorocarburos por
novos produtos mais inofensivos, não somente o custo foi reduzido; o mundo
tirou proveito da mudança. O protocolo estimulou a competição na inovação
tecnológica e reduziu os custos de fabricação, melhorou a eficiência e a
segurança e baixou os preços ao consumidor, enquanto evitamos grandes perdas
econômicas na agricultura, pesca e nos impactos adversos na saúde humana. Os
benefícios indiretos em matéria de saúde – só em termos de cânceres e cataratas
evitados – foram estimados em 11 vezes os custos diretos de implantação. E não
houve perdas de postos de trabalho, embora houvesse uma passagem para empregos
mais qualificados, que foram tomados por trabalhadores mais bem formados
trabalhando em condições mais seguras.
Nos
anos 1990, segundo avançava o reconhecimento de uma prejudicial mudança
climática, a história do êxito na recuperação do buraco de ozônio converteu-se
em um modelo de como poderíamos enfrentar essa mudança, especialmente à medida
que forem refutados os argumentos conservadores que acreditam que a proteção
ambiental restringe o crescimento, prejudica a economia, destrói postos de
trabalho ou que, embora represente um benefício para os ursos polares, em nada
beneficia as pessoas. Mas a guinada republicana para a direita já estava em
andamento. Quando chegou a questão da regulação, o GOP – Grand Old Party, ou
seja, o Partido Republicano – estava na estrada para rechaçar qualquer
expressão da ciência que apontasse nessa direção.
No
começo do século XX, os republicanos foram pioneiros na proteção do meio
ambiente: na metade do século, trabalharam junto com os democratas para aprovar
leis como a da Política Nacional do Meio Ambiente ou do Ar Limpo. No entanto,
nos anos 1980, a resistência contra medidas ambientais que poderiam limitar as
prerrogativas do setor privado começou a obscurecer seu histórico compromisso
com os Estados Unidos seguros e bonitos. Na década seguinte, toda regulação em
princípio era vista como má, mesmo quando – como no caso do ozônio – na prática
era clara e demonstravelmente boa.
A
ciência climática e os fraudadores
A
tinta com que se escreveu o Protocolo de Montreal ainda não tinha secado
completamente quando a ciência que se ocupava do ozônio foi atacada como
corrupta e politicamente motivada (mais ou menos da mesma maneira como hoje é
atacada a ciência ambiental). Em 1995, a congressista republicana Dana
Rohrabacher organizou um encontro sobre “integridade científica”, com a
intenção de desafiar essa ciência. Representantes da indústria privada e de
laboratórios de ideias conservadoras começaram a manifestar que a ciência que
estava por trás do Protocolo de Montreal estava incorreta, que solucionar o
problema seria devastador para a economia e que os cientistas envolvidos nisso
estavam exagerando a ameaça para conseguir mais dinheiro para as suas
pesquisas. A hoje tão familiar afirmação de que “não havia nenhum consenso
científico” – que poucas semanas mais tarde mostrou sua completa falsidade com
a concessão do prêmio Nobel a Rowland e Molina – em relação à diminuição do
ozônio foi incorporada no Registro do Congresso.
Caso
tirássemos os nomes e a data dessa conferência, seria possível imaginar que o
tema da convocatória era a mudança climática e que teria sido realizada na
semana passada. De fato, a ciência do clima vem sofrendo o ataque das mesmas
pessoas e organizações que atacaram os cientistas que trabalharam com a camada
de ozônio e utilizaram muitos dos mesmos argumentos, tão equivocados hoje como
naquela época.
Pensemos
no que sabemos sobre a história e a integridade da ciência climática.
Há
mais de 100 anos os cientistas sabem que os gases de efeito estufa, como o
dióxido de carbono (CO2) e o metano (CO4), capturam calor
na atmosfera de um planeta. Se aumentarmos a concentração desses gases, o
planeta se aquece. Vênus é incrivelmente quente – 460 graus centígrados –, não
apenas pelo fato primordial de que está muito mais perto do Sol do que a Terra,
mas também porque sua atmosfera é várias centenas de vezes mais densa e
composta principalmente de CO2.
O
oceanógrafo Roger Revelle foi o primeiro cientista estadunidense a centrar sua
atenção no risco de colocar quantidades cada vez maiores de CO2 na
atmosfera em consequência da queima de combustíveis fósseis. Durante a Segunda
Guerra Mundial, Revelle serviu no Escritório Hidrográfico da Marinha dos
Estados Unidos e continuou trabalhando em estreita colaboração com a marinha
durante toda a sua carreira. Na década de 1950, defendeu a importância da
pesquisa científica sobre a mudança climática ocasionada pela atividade humana
e chamou a atenção para a ameaça do aumento do nível do mar em consequência do
derretimento dos glaciares e da expansão térmica dos oceanos, uma ameaça que
colocava em risco a segurança das grandes cidades, portos e instalações navais.
Nos anos 1960, vários colegas seus se uniram a ele a partir de suas
preocupações, entre eles o geoquímico Charles David Keeling, que – em 1958 –
foi o primeiro a medir a concentração de dióxido de carbono na atmosfera, e o
geofísico Gordon MacDonald, que trabalhou no primeiro Conselho de Qualidade
Ambiental, durante a presidência do republicano Richard Nixon.
Em
1974, o conhecimento científico emergente sobre a mudança climática foi
resumido pelo físico Alvin Weinberg, diretor do Laboratório Nacional de Oak
Ridge, que manifestou que era possível que a utilização de combustíveis fósseis
tivesse que ser limitada bastante antes de seu esgotamento devido à ameaça que
representavam para a benéfica estabilidade climática da Terra. “Embora seja
difícil estimar quando deveremos fazer um ajuste nas políticas energéticas do
mundo para ter em conta este limite”, escreveu, “se poderia chegar a esse
momento em cerca de 30 ou 50 anos”.
Em
1977, Robert M. White, primeiro administrador da NOAA e mais tarde presidente
da Academia Nacional de Engenharia, resumiu em Oceanus as descobertas
científicas desta maneira: “Agora entendemos que os resíduos industriais, como
o dióxido de carbono liberado pela queima dos combustíveis fósseis, podem ter
consequências climáticas que colocam para a sociedade futura uma ameaça digna
de consideração… Experiências na última década demonstraram as consequências de
mesmo as pequenas flutuações nas condições climáticas [e] bosquejam uma nova
urgência no estudo do clima… Os problemas científicos são formidáveis, os
problemas tecnológicos não têm precedente algum e o potencial de impactos econômicos
e sociais é execrável”.
Em
1979, a Academia Nacional de Ciências concluiu que “se a emissão de dióxido de
carbono continuar aumentando, não vemos razão para duvidar que haverá uma
mudança climática e não há razão alguma para acreditar que estas mudanças serão
desdenháveis”.
Essas
descobertas fizeram com que a Organização Meteorológica Mundial unisse forças
com as Nações Unidas para criar o Painel Intergovernamental sobre a Mudança
Climática (IPCC). A ideia era estabelecer uma base científica sólida para as
políticas públicas informadas. Assim como a boa ciência sentou as bases para a
Convenção de Viena, também agora a boa ciência construiria os fundamentos para
uma Conferência Marco sobre a Mudança Climática das Nações Unidas, ratificada
em 1992 pelo presidente Bush.
Desde
então, o mundo científico afirmou e reafirmou a validade das provas
científicas. A Academia Nacional de Ciências, a Associação Estadunidense para o
Progresso da Ciência e muitas outras organizações similares, assim como as mais
importantes organizações científicas e acadêmicas do mundo, concederam sua
aprovação ao trabalho da ciência climática. Em 2006, 11 academias nacionais da
ciência, entre elas a mais antiga do mundo, a italiana Accademia Nazionale dei
Licei, publicaram uma insólita declaração para destacar que a “ameaça da
mudança climática é clara e está aumentando” e que “qualquer demora na ação
provocará custos maiores”. Desde então passaram-se quase 10 anos. Hoje, os
cientistas nos garantem que as provas da realidade da mudança climática
induzida pela atividade humana são “claríssimas”, e o Banco Mundial nos diz que
seus impactos e custos já se fazem sentir.
O
trabalho científico que está na base deste consenso foi realizado por
cientistas de todo o mundo; homens e mulheres, adultos e jovens e, nos Estados
Unidos, tanto republicanos como democratas. De fato, isto é bastante curioso,
uma vez que aqueles que foram denunciados recentemente como “enganadores” por
congressistas republicanos, possivelmente a maior parte deles seja republicana
e não democrata. Gordon MacDonald, por exemplo, foi um assessor muito próximo
ao presidente Nixon e Dave Keeling foi premiado, em 2002, com a Medalha
Nacional da Ciência pelo presidente George W. Bush.
Ainda
assim, apesar da longa história deste trabalho e de sua natureza apolítica, a
ciência do clima continua sendo insidiosamente atacada. Em maio passado, os
cientistas climáticos mais prestigiados do mundo encontraram-se com o Papa
Francisco para informá-lo sobre os fatos da mudança climática e da ameaça que
esta representa para a saúde, a riqueza e o bem-estar de homens, mulheres e
crianças, para não mencionar as numerosas espécies com as quais compartilhamos
este único planeta. Nesse mesmo momento, em uma tentativa de impedir que o Papa
falasse sobre o significado moral da mudança climática, negacionistas do
aquecimento do planeta se reuniam perto do Vaticano. Onde quer que haja sinais
de que o panorama político está mudando e de que o mundo poderia estar
preparado para agir contra a mudança climática, as forças negacionistas não
fazem outra coisa senão redobrar os esforços.
A
organização responsável pela reunião dos negacionistas em Roma foi o Instituto Heartland, um grupo com um longo histórico não
apenas no rechaço da ciência do clima, mas da ciência em geral. Por exemplo,
este instituto foi o responsável pelos infames informes publicitários que
comparavam os cientistas do clima com o Unabomber [apelido de Theodrore John
“Ted” Kaczynski, prisioneiro estadunidense, matemático por formação, escritor e
ativista anticivilização, preso sob a acusação de terrorismo e condenado à
prisão perpétua por sua participação em uma série de atentados a bomba que
mataram três pessoas e feriram outras 23, entre cientistas, engenheiros e
executivos]. Tem uma documentada história de trabalho junto com a indústria
tabagista com a finalidade de questionar as provas científicas do mal produzido
pelo consumo de tabaco. Como Erik Conway e eu demonstramos em nosso livro
Merchants of Doubt, muitos dos grupos que hoje negam a realidade e as
importâncias da mudança climática produzida pela atividade humana trabalharam anteriormente
para colocar em dúvida as provas científicas dos danos produzidos pelo fumo.
Hoje,
sabemos que milhões de pessoas morreram em consequência de doenças relacionadas
ao fumo. Devemos esperar que as pessoas morram em quantidades parecidas para
que aceitemos a evidência da mudança climática?
O
financiamento privado cria um buraco na atmosfera
A
ciência que pesquisa a camada de ozônio não foi atacada porque estivesse
equivocada do ponto de vista científico, mas porque tinha importância política
e econômica, ou seja, ameaçava poderosos interesses. O mesmo vale para a
ciência que se ocupa da mudança climática, que nos alerta para o fato de que o
conceito de “negócios são negócios” coloca em perigo a nossa saúde, a nossa
riqueza e o nosso bem-estar. Nestas circunstâncias, não nos deveria surpreender
o fato de que alguns setores da comunidade dos negócios – especialmente o Complexo da Combustão do Carvão, a rede de poderosas
indústrias que dependem fundamentalmente da extração, comercialização e queima
de combustíveis fósseis – tenham tratado de socavar essa mensagem. Este
complexo apoiou ataques contra a ciência e os cientistas ao mesmo tempo que
financia pesquisas de distração e conferências enganosas para criar a falsa
impressão de que há um debate científico fundamental e incertezas em relação à
mudança climática.
O
objetivo de tudo isso é, evidentemente, confundir os estadunidenses para
atrasar toda ação, o que nos traz ao miolo do assunto quando se fala de ciência
“politicamente motivada”. Sim, a ciência pode ser parcial, sobretudo
quando o apoio financeiro dessa ciência provém de grupos que têm interesses
criados relacionados com um resultado em particular. No entanto, a história nos
diz que é muito mais provável que esses interesses criados sejam uma
característica própria do setor privado e não do público.
O
exemplo mais surpreendentemente documentado sobre isso está relacionado ao
tabaco. Durante décadas, as companhias fumageiras financiaram pesquisas
científicas em seus próprios laboratórios, bem como em universidades, escolas
de medicina e inclusive em institutos de pesquisa do câncer. Agora sabemos,
graças aos seus próprios arquivos, que o propósito dessas pesquisas não era
chegar à verdade em relação aos perigos vinculados ao fumo, mas criar a imagem
de um debate científico e instalar a dúvida acerca de se o fumo era realmente
prejudicial quando, na verdade, os donos da indústria já sabiam que era. Deste
modo, a intenção da “pesquisa” era proteger a indústria contra as demandas
legais e as legislações.
Talvez
ainda mais importante – como é o caso, sem dúvida, com muitos daqueles que
financiam o negacionismo climático –, a indústria sabia que a pesquisa que
financiava era parcial. Na década de 1950, seus executivos tinham plena
consciência de que o fumo causava câncer; na década seguinte, sabiam que
provocava um grande número de outras doenças; nos anos 1970, sabiam que o
tabaco viciava; e na década de 1980, sabiam que a fumaça do tabaco também
provocava câncer nos fumantes passivos e a síndrome de morte súbita infantil.
Mesmo assim, era muito menos provável que este trabalho de pesquisa financiado
pela indústria relacionasse o consumo de tabaco com as doenças do que a
pesquisa independente. Então, evidentemente, aumentou-se o falso financiamento.
Que
lições podemos extrair desta experiência? Uma é a importância de revelar as
fontes de financiamento. Quando preparava o meu testemunho perante os
congressistas, foi-me pedido para que revelasse todas as fontes de
financiamento governamental de minhas pesquisas. Esta solicitação foi
inteiramente razoável. Mas não houve uma solicitação comparável para que
revelasse qualquer financiamento privado que pudesse ter tido; uma omissão
muito pouco razoável. Perguntar só sobre financiamento público, mas não sobre o
privado é como fazer uma inspeção de segurança em apenas metade de um avião.
Desastres
anormais e o pesadelo do negacionismo
Muitos
republicanos resistem em aceitar as esmagadoras provas científicas da mudança
climática por temerem que sejam utilizadas como desculpa para expandir o âmbito
e o alcance governamentais. Eis o que deveria animá-los a repensar toda a
questão: graças à demora de mais de 20 anos na ação para reduzir as emissões
globais de carvão já aumentamos significativamente a probabilidade de que o
prejudicial aquecimento do planeta obrigue a realizar aquelas intervenções
governamentais que eles tanto temem e tratam de evitar. De fato, a mudança
climática já está provocando o aumento dos fenômenos climáticos extremos –
sobretudo enchentes, secas rigorosas e ondas de calor – que quase sempre acabam
em respostas governamentais em grande escala. Quanto mais tempo deixamos
passar, tanto maiores serão as intervenções necessárias.
Como
demonstram as devastadoras consequências da mudança climática nos Estados
Unidos, os futuros desastres redundarão em uma cada vez maior dependência do
governo, sobretudo do federal (evidentemente, nossos netos não vão chamá-los de
desastres “naturais”, já que saberão muito bem quem os produziu). O significado
disto é que o trabalho atual dos negacionistas do clima só ajuda a garantir que
estaremos menos preparados para enfrentar o impacto total da mudança climática,
o que por sua vez leva a cada vez maiores intervenções do Estado. Formulemo-lo
de outra maneira: os negacionistas do clima estão fazendo todo o possível para
criar o pesadelo que mais temem. Eles estão garantindo o mesmíssimo futuro que
afirmam querer evitar.
E
não apenas nos Estados Unidos. Dado que a mudança climática afeta todo o
planeta, os desastres climáticos proporcionarão às forças antidemocráticas a
justificativa que buscam para apropriar-se dos recursos naturais, declarar a lei
marcial, intrometer-se na economia de mercado e impedir os processos
democráticos. Isto significa que os estadunidenses que se importam com a
liberdade política não deveriam conter-se quando se trata de apoiar os
cientistas do clima e de agir para impedir as ameaças que eles documentaram tão
clara e intensamente.
Agir de outra maneira só pode aumentar as
possibilidades de que no futuro se desenvolvam formas autoritárias de governo.
Um futuro no qual os nossos filhos e netos – entre eles, os dos negacionistas
do clima – serão os perdedores, como será também a Terra e a maior parte das
espécies que vivem nela. Admitir e destacar este aspecto da equação climática
pode trazer alguma esperança de que alguns republicanos – os mais moderados –
se afastem da suicida política do negacionismo. (ecodebate)
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