Responsável
pelo projeto de despoluição do rio, a própria Sabesp joga esgoto sem tratamento
em seu leito. Bilhões de dólares e 23 anos depois, verbas para saneamento são
reduzidas em meio à crise de abastecimento, gerando dúvida se metas serão
cumpridas.
Um rio
de esgoto atravessa a região metropolitana de São Paulo. Grande parte dos
dejetos do polo urbano que concentra a maior riqueza do Brasil vai parar no
Tietê, o que transformou o maior curso de água do estado em um canal fedorento
de aspecto sujo. Quem chega a São Paulo pelo aeroporto de Guarulhos ou pela
rodoviária do Tietê é recebido pelo odor desagradável desse anti-cartão postal.
Não raro, motoristas da marginal Tietê levantam as janelas para tentar conter o
mau cheiro. O odor é o sintoma mais perceptível de que algo está errado com o
rio. E, ao contrário do que se pensa, a culpa não é só das moradias
improvisadas e sem saneamento básico. A Pública visitou sete bairros e
verificou que o despejo de esgoto sem tratamento vem tanto de barracos quanto
de mansões.
Desde
1992, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp)
administra o Projeto Tietê, cujo objetivo é ampliar a coleta e o tratamento de
esgoto na Grande São Paulo e, consequentemente, despoluir o rio. A conta do
projeto não é exata, mas pelo menos US$ 3,6 bilhões já foram direcionados para
as obras.
O
problema é que a própria Sabesp é uma das grandes responsáveis pela poluição
das águas. A Pública descobriu que em vários pontos da capital a empresa capta
o esgoto das casas e o joga sem tratamento nos rios, córregos e represas que
compõem a Bacia Hidrográfica do Alto Tietê, cujo perímetro coincide com os
limites da Grande São Paulo – onde vivem 20,2 milhões de pessoas. A prática
configura crime ambiental segundo o Artigo 208 da Constituição Estadual.
A
empresa foi denunciada pelo Ministério Público em outubro de 2012, e, ao
contrário das águas do rio, a peça de acusação é cristalina: “Ocorre que a
SABESP vem, desde sua criação, direta e ininterruptamente, em maior ou menor
escala, lançando nos corpos d’água os esgotos sanitários in natura coletados
nessas cidades, isto é, sem nenhum tipo de tratamento, provocando poluição
hídrica não só na bacia hidrográfica do Alto Tietê onde estão inseridos os
municípios, mas também nos reservatórios Billings e Guarapiranga, com vultosos
prejuízos ao meio ambiente e à sociedade”, relata então o promotor de Justiça
do Meio Ambiente José Eduardo Ismael Lutti. O texto aponta também o município,
o estado de São Paulo e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que
financia o projeto de despoluição, como corresponsáveis pela prática ilegal. Na
ação, o Ministério Público exige que até 2018 os réus parem progressivamente de
lançar esgoto sem tratamento nos corpos d’água e realizem todas as obras necessárias
à universalização do serviço de coleta e tratamento de esgoto.
A
ação deu início a um processo que agora está tramitando na Justiça paulista. Em
sentença de setembro de 2014, a juíza Liliane Keyko Hioki reconhece que a
Sabesp é responsável pela prática ilícita, mas julga improcedente o pedido do
Ministério Público, alegando que não é possível antecipar a meta de
universalização para 2018, uma vez que a Sabesp já está tomando as providências
para realizá-la até 2024. O Ministério Público recorreu. A meta considerada
pela juíza difere da estipulada pelo governador Geraldo Alckmin. Em decreto,
ele determina que o esgoto seja universalizado no estado até 2020.
Marzeni
Pereira, tecnólogo que trabalhou em uma estação de tratamento da Sabesp por 12
anos, explica que sentir cheiro de esgoto, algo comum na região metropolitana,
é sinal de que há algo errado. “Quando se sente cheiro de esgoto saindo dos
bueiros, ou os moradores jogaram o esgoto na rede de águas da chuva ou a
Sabesp”, explica. Isso acontece onde não há tubos que levam o esgoto dos
bairros para as estações de tratamento. Em vez disso, ele é levado para
galerias de água da chuva que deságuam em córregos.
Idealmente,
o esgoto é transportado dentro de tubos subterrâneos, dos pontos mais altos
para os mais baixos. Tudo que é eliminado no vaso sanitário, nas pias e nos
ralos sai das casas dentro de ligações domiciliares em direção a redes
coletoras que passam em cada rua. Várias redes são ligadas a um coletor-tronco
e vários coletores, a um interceptor. Construídos próximos a rios, os
interceptores levam o esgoto de diversos bairros até as estações de tratamento
(ETEs). Quando não há declividade suficiente, estações elevatórias são
construídas para bombear o esgoto pela tubulação. Já a água da chuva escorre
para dentro de bueiros ou bocas de lobo até as galerias de água pluvial, que a
levam, por baixo do asfalto, até rios de grande ou pequeno porte, os córregos.
A
poluição e o mau cheiro das águas fazem mal à saúde de todos os habitantes,
explica o professor Pedro Mancuso, da Faculdade de Saúde Pública da
Universidade de São Paulo (USP). O cheiro de ovo podre que sai dos rios
poluídos é causado pelo gás sulfídrico, uma substância tóxica. “Em grandes
quantidades, ele pode ser até mortal, mas em pequenas quantidades, como essa
que está no nosso rio, é suficiente para dar náusea, dor de cabeça, e tontura.”
O gás continua causando esses efeitos mesmo quando “cansa” nosso olfato.
“Depois de um tempo, ele anestesia os nervos do nariz e a pessoa não sente
mais. Então, quem chega no rio fala ‘nossa, que odor forte’ e quem mora ali do
lado fala ‘ah, a gente já se acostuma, acaba não sentindo mais’”, ensina
Mancuso.
Da
mesma forma, a população da grande São Paulo parece ter se acostumado a ignorar
ou a desprezar o rio. A maioria das pessoas não tem a menor ideia se o esgoto
da própria casa tem destino adequado. Mas quem mora na região metropolitana já
deve ter se perguntado:
Por
que o Tietê ainda não foi despoluído?
O
despejo de esgoto sem tratamento é só uma parte da complexa resposta a essa
pergunta. Outro problema é a dimensão do programa: ele prevê ações em 27 das 39
cidades da grande São Paulo.
Em
1992, quando o projeto foi criado, 70% do esgoto da região metropolitana de São
Paulo era coletado, mas só 24% desse volume era tratado. Ou seja, apenas 17% do
total do esgoto eram tratados, enquanto 83% eram jogados in natura nos rios, como aponta a
Sabesp. Até então, havia apenas duas estações de tratamento, Barueri e Suzano,
com capacidade de tratar 4 mil litros de esgoto por segundo. Na primeira etapa
do Projeto Tietê foram construídas mais três estações, que entraram em operação
só em 1998 e elevaram a capacidade de tratamento para 18 mil litros por
segundo.
O
investimento de aproximadamente US$ 3,6 bilhões no projeto ao longo de 23 anos
trouxe avanços. Hoje, 87% do esgoto é coletado e 68% desse total, tratado, de
acordo com a Sabesp. A mancha de poluição – trecho em que o Tietê é considerado
“morto”, já que não consegue abrigar vida porque há pouco oxigênio dissolvido
na água – recuou 86,6% desde o início do projeto. Quem atesta é a ONG S.O.S
Mata Atlântica, que tem a função de monitorar os indicadores de qualidade da
água no Projeto Tietê. Porém, a porcentagem de esgoto coletado caiu de 70% para
68% entre 2008 e 2014.
O
Projeto Tietê foi criado depois de uma campanha encabeçada pela S.O.S Mata
Atlântica com veículos de comunicação, principalmente a rádio Eldorado. Na
época, reuniu 1,2 milhão de assinaturas que pediam a despoluição do rio. O
abaixo-assinado foi entregue ao então governador de São Paulo Luiz Antônio
Fleury Filho e ao ex-presidente Fernando Collor na Conferência das Nações
Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento – Rio-92. O estado de São
Paulo, então, firmou um convênio com o Banco Interamericano de Desenvolvimento
(BID), principal financiador do projeto até hoje, seguido pelo Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
A
previsão é que a terceira etapa do projeto seja concluída em 2016, quando 84%
do esgoto coletado deverá ser tratado, de acordo com a meta estipulada. A
quarta etapa ainda não tem financiamento previsto, segundo apurou a Pública.
Embora o governo afirme que a verba virá do BNDES, a assessoria de comunicação
da instituição informa que “o Banco ainda não foi procurado com pedido de
financiamento para a quarta etapa do Projeto Tietê”.
A
reportagem da Pública verificou o despejo de esgoto sem tratamento em rios e
córregos em diversos pontos da cidade de São Paulo. Em um deles, na Estação
Elevatória de Esgoto Jardim Romano, em São Miguel Paulista, zona leste da
capital, comprovamos com o uso de corante vermelho que o esgoto coletado pela
Sabesp no Jardim Romano corre dos canos diretamente para dentro do rio Tietê,
sem passar pela Estação de Tratamento de Esgoto São Miguel, que fica a cerca de
7 km de distância. A cada meia hora, um jato de esgoto é despejado no Tietê –
tão volumoso que cai com a mesma potência, sem parar, durante aproximadamente
sete minutos.
“Antigamente
essa elevatória jogava esgoto dentro de galerias de águas pluviais, e da
galeria é que se jogava no Tietê”, conta o ex-funcionário da Sabesp Wbirajara
Silva, Bira, que trabalhou durante 17 anos na empresa como topógrafo.
Ele conta que a Sabesp participou da construção de um dique de contenção para represar o Tietê depois da enchente que alargou a zona leste de São Paulo durante meses, em dezembro de 2009. Mas, em vez de melhorar a situação, piorou. “A Sabesp teve que tirar o esgoto que lançava dentro da caixa de águas pluviais e lançou direto no Tietê. Eles falaram que isso era provisório e que ia chegar um coletor-tronco e pegar todo esse esgoto. Só que esse coletor nunca chegou”, denuncia o ex-funcionário.
Ele conta que a Sabesp participou da construção de um dique de contenção para represar o Tietê depois da enchente que alargou a zona leste de São Paulo durante meses, em dezembro de 2009. Mas, em vez de melhorar a situação, piorou. “A Sabesp teve que tirar o esgoto que lançava dentro da caixa de águas pluviais e lançou direto no Tietê. Eles falaram que isso era provisório e que ia chegar um coletor-tronco e pegar todo esse esgoto. Só que esse coletor nunca chegou”, denuncia o ex-funcionário.
Nesse
caso, trata-se de uma ligação nova, construída 20 anos depois de a Constituição
estadual transformar em crime o despejo de esgoto sem tratamento. “Eu tive que
fazer um cadastramento de todas essas interligações. Cadastrar é medir e
colocar nas plantas da Sabesp o que foi feito, o que está no campo. E essa
linha de recalque, que lança dentro do Tietê, não está na planta”, diz Bira.
Segundo ele, a ordem de não incluir essa linha nos mapas da empresa veio do seu
superior.
No
dia 27 de maio, a Pública procurou a Sabesp solicitando uma entrevista sobre o
Projeto Tietê, mas ela foi negada. Mandamos então, via e-mail, todas as dúvidas
e denúncias apuradas. Trinta e sete dias depois do primeiro contato, a
assessoria informou que não iria responder.
Um
rio prá chamar de seu
O
rio Tietê percorre 1.100 km e banha 62 municípios no caminho de Salesópolis,
próximo ao litoral, até a divisa com o Mato Grosso do Sul, onde deságua no rio
Paraná. A qualidade da água do rio passa de boa na região de Biritiba Mirim e
Mogi das Cruzes para ruim na região de Suzano, até começar a ficar péssima em
Guarulhos e São Paulo, de acordo com dados da Companhia de Tecnologia de
Saneamento Ambiental (CETESB), órgão ligado à Secretaria Estadual do Meio
Ambiente. A piora na qualidade da água coincide com os locais onde o rio recebe
a maior quantidade de esgoto doméstico e industrial.
Esgoto não tratado também em bairros ricos.
Esgoto não tratado também em bairros ricos.
A
ocupação de áreas próximas a córregos, rios e mananciais é comum em toda a
região metropolitana de São Paulo – seja em áreas pobres ou ricas. No Jardim
Petrópolis, zona sul, uma parte das mansões de dois andares, com quintal e
churrasqueira, divide os muros altos com a beira do córrego Canumã, que deságua
no córrego do Cordeiro, contribuinte do rio Pinheiros, afluente do Tietê. As
mansões e as ruas tranquilas do bairro escondem a tortuosa engenharia da
captação e tratamento de esgoto, que ali também cai direto no córrego sem
tratamento.
A
Associação de Moradores dos Jardins Petrópolis e dos Estados (Sajape) cobra há
dez anos da Sabesp a execução de um projeto que eliminaria o despejo de esgoto
no córrego Canumã. A obra vem sendo adiada desde julho de 2010, sem
justificativas. “Agrava a situação o fato de ser a própria Sabesp a despejar
nesse córrego o esgoto coletado pela rede que desce pelas duas vertentes da
[Rua] Job Lane até o fundo de vale, a partir de onde não dispõe de rede
coletora”, relata a arquiteta e presidente da Sajape, Cristina Antunes, em
carta enviada à empresa de saneamento em outubro de 2014. Segundo a associação,
a obra está incluída no Programa Córrego Limpo, que tem o objetivo de despoluir
os córregos da capital paulista. Até agora, a obra não foi feita.
Na mesma zona sul, a represa Billings recebe tanto o esgoto dos moradores que vivem em seu entorno quanto a poluição lançada no rio Pinheiros e no rio Tietê. Quando ocorrem enchentes, o rio Pinheiros – afluente do Tietê – é revertido, e toda a sua carga de poluição se soma à do Tietê para ser despejada no corpo central da Billings – a parte mais poluída da represa.
Na mesma zona sul, a represa Billings recebe tanto o esgoto dos moradores que vivem em seu entorno quanto a poluição lançada no rio Pinheiros e no rio Tietê. Quando ocorrem enchentes, o rio Pinheiros – afluente do Tietê – é revertido, e toda a sua carga de poluição se soma à do Tietê para ser despejada no corpo central da Billings – a parte mais poluída da represa.
Na
beira dessas águas, quando os muros existem, são improvisados com tapumes, como
os que protegem a horta de Marileide Maria da Silva, moradora do Jardim das
Gaivotas há 18 anos e dona de casa. A visão da fartura de jacas, pitangas,
acerolas, mamões, bananas, mandiocas, laranjas, limões, uvas e carambolas quase
disfarça o forte mau cheiro. Ali, Marileide paga por um serviço que não é
prestado. Como sua casa é mais baixa do que a rua, não é possível conectar o
seu esgoto à rede. Como muitos moradores em situação precária de habitação, o
esgoto dela não tem coleta nem tratamento e cai direto na Billings. Mesmo assim
ela paga todos os meses pelo serviço.
Sandra
Nunes da Silva, vizinha de Marileide, conta que há três anos “briga” com a
Sabesp para cancelarem a cobrança em sua casa, que também não está ligada à
rede coletora. “Fizeram essa instalação e começaram a cobrar, mas fizeram só na
rua. Tudo cai dentro da represa”, conta a diarista. Como solução, ela e o
vizinho Edson Luís dos Santos, que mora na casa dos fundos e também é cobrado
pelo esgoto que cai direto na Billings, construíram duas fossas sépticas. Eles
precisam contratar um serviço de limpeza das caixas de esgoto a cada três meses
para aliviar o cheiro. No bairro, não é difícil encontrar anúncios de “Limpa-se
Fossa” pregados nos postes.
Segundo
a Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (Arsesp),
cuja função é fiscalizar os serviços de fornecimento de energia, gás e
saneamento básico, “mesmo só existindo a coleta e o afastamento dos dejetos, a
concessionária está autorizada a cobrar integralmente por esse serviço”. A
cobrança do serviço, quando nem sequer existe a ligação para coleta e
afastamento do esgoto, porém, é indevida. A Sabesp não respondeu à reportagem
sobre a ocorrência dessas situações.
Tremembé:
a solução temporária já dura 25 anos
No Tremembé, pé da serra da Cantareira, zona norte da cidade, um córrego atravessa o bairro arborizado e repleto de casas espaçosas, contaminando seu entorno com um forte cheiro de esgoto.
No Tremembé, pé da serra da Cantareira, zona norte da cidade, um córrego atravessa o bairro arborizado e repleto de casas espaçosas, contaminando seu entorno com um forte cheiro de esgoto.
No
fim do governo de Orestes Quércia (1987-1991), a Sabesp instalou um sistema de
coleta de esgoto no bairro para substituir as fossas sépticas das casas. Mas,
em vez de instalar tubulações que levassem o esgoto à estação de tratamento, a
empresa ligou o esgoto das casas às galerias de água da chuva que deságuam no
córrego Tremembé e – mais uma vez – têm como destino final o rio Tietê.
“Eu
assisti à construção da rede de captação do esgoto domiciliar”, relata Afiune
Jorge, morador do bairro há 60 anos e membro do Lions Clube de São Paulo –
Tremembé, organização que dialoga com a Sabesp há anos sobre os problemas de
saneamento da comunidade. “Surpreendi os funcionários da concessionária que
estavam construindo a rede e perguntei pro mestre da obra: ‘Escuta, que
captação de esgoto é essa? Vocês obrigam as casas a acabarem com as fossas,
captam o esgoto e jogam na galeria da prefeitura pra ir pro córrego? ’. E ele
respondeu. ‘Não, isso é provisório. Daqui a pouco vai ser feito o
coletor-tronco’”, lembra.
Ao
longo dos últimos 25 anos, o esgoto das casas poluiu o córrego. Durante esse
tempo, os moradores pagaram à Sabesp pelo inexistente serviço de tratamento de
esgoto. Afiune Jorge conta que o coletor-tronco foi inicialmente prometido para
1995, mas a obra sempre acaba sendo adiada. Em outubro de 2013, a Sabesp
informou o Conselho Comunitário da Região Administrativa de Santana-Tucuruvi de
que as obras do córrego Tremembé estão previstas na terceira etapa do Projeto
Tietê, cujos contratos haviam sido iniciados no segundo semestre de 2013, com
previsão de conclusão em três anos.
Sabesp
corta verba para saneamento
Mas
é provável que os moradores do Tremembé esperem ainda mais, já que a crise
hídrica ameaça atrasar a conclusão da terceira etapa do Projeto Tietê. De
acordo com Malu Ribeiro, da S.O.S Mata Atlântica, que supervisiona o Projeto
Tietê, a própria Sabesp disse a ela que as obras da terceira etapa estão
paralisadas. “De janeiro até junho, o ritmo foi desacelerado, e agora todas as
obras do Projeto Tietê estão suspensas por 120 dias. Só estão acontecendo as
obras de abastecimento [de água].” Já a assessoria de imprensa da Secretaria de
Recursos Hídricos do Governo do Estado de São Paulo negou por telefone:
“Nenhuma obra de saneamento foi paralisada, principalmente as do Projeto Tietê,
que são as mais importantes”. Segundo a assessoria, as obras estão sendo
executadas em ritmo mais lento. Uma pessoa que trabalha em uma obra na zona
leste e pediu para não ser identificada confirmou que a empresa diminuiu o ritmo
de construção a partir de julho, mas disse que, em junho, a Sabesp chegou a
avisar as empreiteiras que iria paralisar as obras. Informações contraditórias
são uma marca do projeto de despoluição do rio.
Segundo
Malu Ribeiro, cerca de 80% das obras de saneamento básico na Grande São Paulo
são do Projeto Tietê. Em abril, a Sabesp já havia anunciado que iria cortar 55%
dos investimentos em saneamento devido à redução de seu faturamento, provocada
pela crise hídrica. O cálculo tinha como base o aumento da tarifa em 22,7%,
defendido pela empresa. O valor aprovado pela Arsesp foi menor, de 15,2%. A
Sabesp decidiu, então, cortar os investimentos em esgoto, como explicou o seu
presidente, explicou o seu presidente, Jerson Kelman, em entrevista à Rede
Globo. “Isso nos assusta porque, se vai cortar 50% dos investimentos, como vai
se cumprir a meta [de universalizar o saneamento básico] até 2020?”, questiona
Malu Ribeiro.
Entretanto,
a Sabesp financia uma parte pequena do projeto. Mais de 70% dos investimentos
vêm de fontes externas, como BID, BNDES e o Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC), do governo federal. Procurada pela Pública, a empresa não
esclareceu como sua crise financeira impacta a gestão da verba do Projeto
Tietê. Está claro, contudo, que ela não está autorizada a redirecionar recursos
de empréstimos para obras emergenciais de combate à seca, segundo o BNDES e o
Ministério das Cidades, dois co-financiadores. O BID disse estar ciente de que
a Sabesp está estudando o cenário orçamentário devido às urgências derivadas da
crise hídrica, mas desconhece a paralisação: “O BID não foi informado
oficialmente de que as obras do Projeto Tietê III tinham sido paralisadas ou
que serão”.
Além
da falta de clareza na destinação dos recursos e no andamento das obras durante
a crise, as informações sobre os próprios investimentos são contraditórias. A
Sabesp informa apenas o custo total das etapas sem discriminar quanto veio de
cada fonte. Assim, somando os valores fornecidos pelo BID, BNDES, Ministério do
Planejamento e os que constam no site da Sabesp, o custo total da terceira
etapa do Projeto Tietê é maior do que diz a empresa. Questionados sobre os
detalhes do financiamento do Projeto Tietê, todas as entidades informaram que
eles só poderiam ser esclarecidos diretamente com a Sabesp, que se recusou a
responder.
O silêncio da Sabesp desrespeita a Lei de Saneamento, de janeiro de 2007, que garante o acesso amplo às informações sobre os serviços de saneamento – preferencialmente disponibilizadas na internet – como um direito dos usuários. “Apesar de existir a legislação, ainda existe uma distância muito grande entre o que diz a lei e a prática, tanto do órgão regulador de serviço [Arsesp], quanto do órgão prestador de serviço [Sabesp]. Não é que se negam a falar com você, mas o que fornecem de informação está muito aquém da qualidade de informação que se espera”, opina Marussia Whately, da Aliança pela Água.
O silêncio da Sabesp desrespeita a Lei de Saneamento, de janeiro de 2007, que garante o acesso amplo às informações sobre os serviços de saneamento – preferencialmente disponibilizadas na internet – como um direito dos usuários. “Apesar de existir a legislação, ainda existe uma distância muito grande entre o que diz a lei e a prática, tanto do órgão regulador de serviço [Arsesp], quanto do órgão prestador de serviço [Sabesp]. Não é que se negam a falar com você, mas o que fornecem de informação está muito aquém da qualidade de informação que se espera”, opina Marussia Whately, da Aliança pela Água.
Para
Whately, isso prejudica também a gestão das águas, que é feita por diferentes
órgãos e atores. “A informação e a transparência são fundamentais para a gestão
e a responsabilidade socioambiental compartilhadas. Então a falta de uma
cultura de acesso e transparência acaba contribuindo para a má gestão, para a
crise que nós estamos vivendo e para diminuir a credibilidade das
instituições.”
Um
rio de promessas
Os atrasos não são novidade no Projeto Tietê, que acumula expectativas frustradas. A Pública fez um levantamento das principais promessas feitas pelo governo do Estado e pela Sabesp e descobriu que já virou praxe adiar o fim das obras.
Os atrasos não são novidade no Projeto Tietê, que acumula expectativas frustradas. A Pública fez um levantamento das principais promessas feitas pelo governo do Estado e pela Sabesp e descobriu que já virou praxe adiar o fim das obras.
O
primeiro prazo de despoluição completa foi 2005, feito pelo então governador
Luiz Antônio Fleury Filho, em 1993. Na ocasião, Fleury prometeu que ao final do
projeto beberia um copo de água do Tietê.
Mas
a realidade mostra como os índices de coleta e tratamento avançam em ritmo mais
lento do que a propaganda do governo do estado e da Sabesp. Não se trata de
atraso nas metas acordadas com o BID, principal financiador, segundo o banco
informou à Pública.
Só
de promessas vazias, mesmo.
Dificuldades
técnicas, políticas e jurídicas
Para
Marzeni Pereira, ex-funcionário da Sabesp responsável por projetar as
tubulações de esgoto, há uma dificuldade política para a construção de
interceptores, as tubulações que levam o esgoto dos bairros às estações de
tratamento. “As pessoas sabem que a rede local foi executada porque o esgoto é
coletado e é cobrado da pessoa. O interceptor, não. Quem sabe se o interceptor
ou o coletor tronco foram feitos? Ninguém vê, está debaixo da terra!” Existem também
dificuldades técnicas para a construção dessas redes. Como a região
metropolitana de São Paulo se desenvolveu praticamente sem rede de esgoto, hoje
é muito difícil abrir espaço embaixo de casas, prédios e outras construções
para instalar as tubulações subterrâneas que levam o esgoto para tratamento. Há
outro problema grave: “O uso e a ocupação do solo irregular nos fundos de vale
não permitem que os esgotos cheguem às estações de tratamento”, explica o
engenheiro Francisco Piza, professor de engenharia hídrica da Universidade
Presbiteriana Mackenzie, ex-funcionário da Sabesp (onde trabalhou por 31 anos)
e atual diretor-presidente da Fundação Agência da Bacia Hidrográfica Alto Tietê
(Fabhat). “Se você pegar um cadastro da Sabesp, vai ver um coletor que chega
aqui e para, aí no meio tem uma ocupação irregular, depois continua. Essa
ocupação está na Justiça porque a Sabesp depende da liberação daquela área para
fazer o coletor-tronco”, explica. “Boa parte da poluição são problemas
jurídicos de desocupação, e não problemas técnicos.”
Marzeni
Pereira concorda que o custo e a necessidade de desapropriações atrasam as
obras, mas diz que há casos em que outras opções podem ser utilizadas. “Às
vezes é possível desviar, usar métodos não destrutivos que não desapropriem. E
também pode haver negociação: chegar pro cara [da ocupação irregular] e falar
‘olha, eu vou pagar o que a sua casa efetivamente vale, porque nós precisamos
fazer essa obra’”. Segundo ele, o mais comum é o poder público tentar pagar
valores “irrisórios”.
Especialistas
como Piza e Malu Ribeiro defendem que as ocupações irregulares sejam removidas
das áreas de rios e córregos para ajudar a despoluí-los. “A gente tem áreas de
manancial extremamente importantes que estão sendo ameaçadas por invasão ou por
construção de novas moradias de baixo padrão. Isso gera um impacto sobre a
qualidade da água. O planejamento urbano também é estratégico para ampliar os
indicadores da despoluição do Tietê ou para dificultar. Mas isso não é pensado
junto com o Projeto Tietê”, opina Malu Ribeiro.
Em
muitos casos, as remoções, embora necessárias, deixam as famílias em situação
precária. Um exemplo é o Programa Várzeas do Tietê, em São Miguel Paulista, que
irá remover 10,5 mil famílias até 2022. Com custo de R$ 1,7 bilhão, em parte
financiado pelo BID, o objetivo é evitar enchentes e criar um espaço de lazer
para a população. De acordo com o último relatório semestral de acompanhamento
do programa, já foram removidas 2.661 famílias, mas 75% delas ainda não têm uma
solução habitacional definitiva. Recebem até hoje o Auxílio-Aluguel, uma bolsa
de cerca de R$ 300 reais paga mensalmente pela prefeitura. Muitas voltaram a
ocupar as margens. “A culpa foi do estado de não fiscalizar, de não criar
medidas para que, na época, não houvesse a ocupação. A área tá ocupada há mais
de 30 anos”, defende Oswaldo Ribeiro, coordenador da Ação Cultural Afro Leste
Organizada (Acaleo). Hoje os moradores lutam para diminuir o número de famílias
que o projeto pretende remover.
Na
região da Billings, outro projeto de parque teve como objetivo recuperar a
margem e integrar a população ao meio ambiente. No Lago Azul, bairro no
distrito do Grajaú, as casas que antes se amontoavam a poucos metros da represa
foram removidas para a instalação de um parque linear, que inclui uma ciclovia,
brinquedos e bancos. “Aqui eu estudo, ajudo minha mãe a cuidar das plantas que
ela plantou, ando de bicicleta ou às vezes só ando com meus amigos. Antes você
só ficava dentro ou na frente de casa, agora você pode ficar fora”, conta Luana
de Souza, de 15 anos. A única coisa que ainda atrapalha é o cheiro. “Às vezes é
insuportável ficar aqui fora, você fecha a sua casa toda porque não aguenta o
cheiro.”
A
comunidade vizinha, o Cantinho do Céu, ainda aguarda a continuação das obras do
parque. Suelene Barradas, diretora da associação do bairro, conta que muitas
famílias foram removidas, mas o projeto nunca saiu do papel, e as pessoas
acabaram reocupando a área. “O projeto era pra ter sido feito em todos os
bairros que pegam a represa. No Cantinho do Céu não foi feito nada”, esclarece.
Luana
de Souza, uma das moradoras que aproveita o parque do Lago Azul.
665
mil pessoas vivem em áreas irregulares na região de mananciais.
Lixo
e móveis abandonados são encontrados à beira da Billings.
80
km de viagem até a estação de tratamento
Cinco
ETEs são responsáveis por tratar o esgoto de toda a Região Metropolitana de São
Paulo. Juntas, as estações têm capacidade para tratar 18 mil litros de esgoto
por segundo, mas na prática só tratam 14 mil, de acordo com dados do BID, de
2008. Grande parte do esgoto que é coletado não chega às estações de
tratamento.
Para
Marussia Whately, coordenadora da Aliança Pela Água, coalizão de organizações
da sociedade civil, o modelo “grandes obras, grandes redes e grandes estações
de tratamento” é pouco eficiente para uma metrópole do tamanho de São Paulo.
“Nós
temos a estação de tratamento construída, porém ociosa porque não se consegue
construir a rede para dar conta desse percurso. Você pensar que vai coletar o
esgoto gerado lá na Guarapiranga para trazer até Barueri, são 80 km de rede que
você vai ter que construir”, explica a ambientalista, que defende outro modelo,
baseado em pequenas estações de tratamento de esgoto, regionalizando o
processo. Marzeni Pereira, ex-funcionário da Sabesp, concorda. “É a alternativa
mais racional. Seria mais rápido fazer a obra: enquanto está fazendo o
interceptor, faz a estação”.
Já
para o engenheiro Francisco Piza, o modelo de grandes estações de tratamento,
afastadas, gera menos impacto para a população. “Não é a melhor solução
técnica, mas gera menos impacto de vizinhança. Todo mundo gosta de uma casa
noturna, mas ninguém quer ser vizinho dela”, compara.
Lixo, doenças, enchentes: a vida na beira do córrego.
Lixo, doenças, enchentes: a vida na beira do córrego.
Pedro
Mancuso, professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo,
lista uma série de doenças que podem ser transmitidas pela água poluída. “Há
doenças por ingestão, que você contrai se beber essa água: febre tifoide,
cólera, diarreias, hepatite. Você está sujeito a outras doenças pelo contato:
pode dar algum tipo de infecção na pele ou envenenamento, se a pele estiver com
algum corte. E outras doenças – indiretas – são transmitidas por animais que
são vetores, como mosquitos, ratos e baratas.” Um exemplo é a leptospirose,
transmitida quando há enchentes.
Em
todos os bairros que a reportagem da Pública visitou, os moradores convivem com
o cheiro forte de esgoto exalado dos rios e córregos. Mas o odor é a menor das
preocupações de Fabiana Aparecida Nunes, moradora da Vila Itaim, bairro no
distrito de São Miguel Paulista, zona leste da capital. Ela morava em
Itaquaquecetuba, à beira do Tietê, e se mudou após uma enchente. “Eu dei minha
casa por R$ 7 mil, cheia de água, porque não queria passar por isso.”
Fabiana
não conseguiu se livrar do problema. Hoje ela mora à beira do córrego Vila
Itaim, afluente do Tietê, onde frequentemente a água da chuva inunda sua casa,
trazendo o lixo das partes mais altas do bairro. “O dinheiro acabou, eu não
comprei outra casa. Só consigo alugar em periferia, desse jeito.” Ela paga R$
450 de aluguel em um sobrado com quatro cômodos, pois não consegue pagar uma
casa “ali pra cima”, longe do córrego. O esgoto de toda a rua em que mora cai
no córrego e também polui o Tietê.
Já
na Chácara Três Meninas, a poucos quilômetros dali, é preciso desviar do esgoto
que corre a céu aberto no meio das ruas. Os próprios moradores construíram as
tubulações que deságuam no Tietê. E são eles mesmos que se cotizam e pagam a
manutenção: um longo fio de metal limpa a tubulação para impedir que a terra e
a sujeira entupam os canos. O contato frequente com o esgoto fez Raimundo
Barbosa da Silva, de 62 anos, desenvolver infecções na pele das mãos.
Projeto
é o que não falta
Paralelas
ao Projeto Tietê, existem diversas iniciativas do poder público para recuperar
os rios e mananciais de São Paulo e proteger a várzea do Tietê. Entre elas está
o Programa Mananciais. Quase tão antigo quanto o Projeto Tietê, ele se iniciou
em 1994 e está na sua terceira fase, com previsão de se encerrar em 2016. O
programa envolve a prefeitura de São Paulo e o governo do estado, com recursos
de ambos e do governo federal. O objetivo é urbanizar os assentamentos
precários no extremo sul da capital e promover a recuperação social e ambiental
desses lugares. O custo total do programa é de R$ 4,5 bilhões.
Outra
parceria entre o governo do estado, através da Sabesp, e a Prefeitura de São
Paulo, foi o Programa Córrego Limpo, que buscava eliminar os lançamentos de
esgoto nos cursos d’água. Iniciada em 2007, a parceria se encerrou em 2012, mas
a Sabesp continua operando o programa e a prefeitura ainda atua periodicamente
na limpeza dos córregos.
O
Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) do estado de São Paulo é
responsável por outros três projetos, um concluído e dois em execução. O
Programa Várzeas do Tietê prevê
a construção de um parque linear de 75 km ao longo do rio, da capital até
Salesópolis. Ele custa R$ 1,7 bilhão, com verbas do governo do Estado e do
Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), e teve início em 2011, com
previsão de término em 2022. O projeto de rebaixamento da calha do Tietê teve como objetivo combater enchentes
aumentando a profundidade do rio e durou de 1998 a 2005. O custo total foi de
R$1,4 bilhão, com verba do governo de São Paulo e do Banco de Cooperação
Internacional do Japão (JBIC, na sigla em inglês).
O
desassoreamento do Tietê também procura minimizar os riscos de enchentes –
trata-se de um trabalho contínuo do DAEE, feito desde 2011, para remover o
acúmulo de sedimentos decorrentes de erosão. Até agora foram gastos R$ 735,8
milhões nesse programa.
O
estado de São Paulo e a Sabesp também são responsáveis pelo programa Se liga na
Rede, que ajuda famílias de baixa renda a arcarem com os custos da ligação de
suas casas à rede de esgoto. Entre 2012 e 2014, 21 mil ligações foram feitas e
R$ 67,6 milhões investidos em mais de cem municípios paulistas.
No
início de julho de 2015, o governo do estado assinou um contrato de
financiamento com a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), do Ministério
da Ciência, Tecnologia e Inovação do governo federal. A meta é “ampliar a
produção de água de reuso para indústrias e serviços, reduzir o odor do esgoto
e melhorar a qualidade dos resíduos do tratamento”, segundo nota. O custo total
é de R$ 60,3 milhões, com verbas da agência federal e da Sabesp.
Afinal,
você vai beber água do Tietê?
Faz
20 anos que o ex-governador Fleury deixou a cadeira do Palácio dos
Bandeirantes, sem cumprir a promessa de beber a água cristalina do Tietê. Para
Marussia Whately, da rede Aliança pela Água, a recuperação do Tietê passa
também pela necessidade de articulação entre governos e a sociedade civil. “Nós
não tivemos a oportunidade, como sociedade, de discutir como é que nós vamos
despoluir o Tietê”, comenta. Ela cita a situação da represa Billings como
exemplo do modelo de gestão atual do saneamento. Desde os anos 1980,
ambientalistas pedem a despoluição da represa. “Agora, na época da escassez, é
justamente ela que vai ser a salvadora da pátria, com todos os questionamentos
sobre qualidade [da água]. Então, pera aí, é botar mais dinheiro ou repensar o
modelo?”
Marussia
se refere à principal obra de emergência do governo do estado de São Paulo para
conter a crise hídrica. Um dos braços da represa, o do rio Grande, será
interligado à represa Taiaçupeba, onde fica a estação de tratamento do sistema
Alto Tietê. O investimento da obra é cerca de R$ 130 milhões e tem o objetivo
de aliviar o Sistema Cantareira e alimentar o Sistema Alto Tietê. Antes mesmo
da crise hídrica, parte da Billings já era revertida para o Sistema
Guarapiranga, que abastece São Paulo. A região do ABC paulista também capta
água em alguns pontos da represa, como o rio Grande e o rio Pequeno. Segundo
Marta Marcondes, pesquisadora e coordenadora do Projeto Índice de Poluentes
Hídricos da Universidade de São Caetano do Sul (USCS), esses pontos que
abastecem o ABC estão bem preservados e tem qualidade de água melhor que o
corpo central da represa, de onde parte da água é bombeada para o Sistema
Guarapiranga.
“Se
eu te mandar umas fotos do corpo central da Billings, você vai morrer do
coração”, brinca Marta. “Quando você vai pra lá depois de uma chuva em São
Paulo, você vê que só tem lixo dentro do reservatório, que vem do rio
Pinheiros. É como se eu tivesse navegando dentro do rio Pinheiros. É uma
loucura.”
A
água que é captada ali passa por um tratamento antes de ser fornecida aos
consumidores. Segundo a pesquisadora, que trabalha com a medição da qualidade
da água na represa há 25 anos, “algumas coisas o tratamento convencional não
pega. São metais pesados – que a gente sabe que tem, principalmente vindo do
Pinheiros e do Tietê – e fármacos, medicamentos, que não são retirados no
tratamento convencional”. Marta cita o cádmio, mercúrio e alumínio entre os metais
presentes na represa e hormônios femininos e antibióticos entre os fármacos.
Para
ela e outros especialistas, as águas que estão poluídas e as águas usadas para
consumo estão de certa forma interligadas. A chave para solucionar a crise
hídrica pode ser cuidar melhor delas.
Malu
Ribeiro, assim como Marussia Whately, acredita que a solução passa pela mudança
na maneira como vemos os rios. “São Paulo não pode querer a cada aumento de
demanda de população ir buscar água mais longe, em Minas, no Paraná, no Rio de
Janeiro… A disponibilidade nessas regiões é pequena”, explica. “São Paulo tem
um rio enorme como o Tietê, de leste a oeste do estado, e não usa esse rio.
Desperdiça esse rio. E isso vai ter que mudar.” Uma das falhas do Projeto
Tietê, para ela, é a falta de integração a outros programas que procuram
recuperar o rio de outras formas, como o já citado Várzeas do Tietê. “Eles não
têm uma relação contratual, mas têm uma relação ambiental direta. Todos esses
projetos deveriam fazer parte de um grande programa de despoluição.” Para ela,
dividir para cada órgão a tarefa de cuidar de uma parte do rio é pouco
eficiente para sua despoluição. “A gente entende que o Projeto Tietê não deve
ser encarado como um programa a cargo da Sabesp. Ele deve ser um programa do governo
de São Paulo.” (ecodebate)
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