Incêndios florestais e queimadas: Brasil está mais
inflamável, dizem estudos
Mesmo
com redução na taxa de desmatamento, número de incêndios e período de fogo
cresceram nas últimas décadas; cientistas culpam clima e fragmentação de florestas
O
desmatamento e as mudanças climáticas deixaram o Brasil mais vulnerável a
incêndios florestais nas últimas décadas. Na Amazônia, essa tendência persiste
mesmo com a queda na velocidade da devastação a partir de 2005.
As
conclusões são de dois estudos independentes, um publicado na semana passada e
outro no prelo, assinados por pesquisadores americanos e brasileiros. Ambos se
valem de extensos registros de imagens de satélite, que cobrem um período que
vai de 1979 a 2013.
O
estudo americano foi liderado por Matt Jolly, do Serviço Florestal dos EUA, e
saiu no periódico Nature Communications. Jolly e seus colegas buscaram
avaliar a influência das mudanças do clima na duração da temporada de queimadas
e na vulnerabilidade a incêndios de florestas do mundo todo nas últimas três
décadas.
Analisando
imagens de satélite e dados meteorológicos desde 1979, o grupo concluiu que
todos os continentes menos a Austrália apresentaram tendências significativas
de aumento nos incêndios. No total, o período do ano em que o calor e a secura
favorecem o fogo aumentou 18,7% no planeta, e a área global sujeita a queimar
dobrou.
Os
incêndios florestais estão mais longos e atingem áreas maiores. No período de
34 anos analisado, houve seis anos nos quais mais de 20% da área vegetada do
planeta foi afetada por longas estações de fogo. Todos aconteceram na última
década – que foi também a mais quente já registrada desde que a humanidade
começou a medir temperaturas com termômetros, no século XIX. Um desses anos foi
2010, quando a Rússia foi atingida pelo pior incêndio florestal de sua
história.
O
grupo americano suspeita da perturbação no ciclo hidrológico induzida pelo
aquecimento do planeta. Embora o total de chuvas no ano não tenha diminuído nas
áreas afetadas, essas chuvas estão menos espaçadas – e possivelmente mais
intensas. Isso aumenta o número de dias secos na temporada de queimadas: em
média, o mundo ganhou 1,31 dia seco a mais por década.
Em
nenhum lugar essa tendência é tão marcada quanto na América do Sul. Na Amazônia
e no cerrado, o aumento médio na temporada de queimadas foi de impressionantes
33 dias em 35 anos. “Estações de queimada mais longas prolongam condições para
incêndios por condução, potencialmente expandindo a área suscetível a incêndios
que escapam de áreas desmatadas”, afirmam os pesquisadores. Entre as regiões
afetadas está Rondônia, que decretou estado de emergência neste mês devido às
queimadas.
Saturação
É
precisamente isso o que parece estar acontecendo na região amazônica, de acordo
com o outro estudo, liderado por Ane Alencar, do Ipam (Instituto de Pesquisa
Ambiental da Amazônia), que será publicado em agosto na revista Ecological
Applications e já está disponível on-line.
Alencar
e colegas do Ipam e das universidades de Stanford e da Flórida, nos EUA,
analisaram imagens de satélite de 1983 a 2007 e mostraram que a região sudeste
da floresta amazônica, onde está o chamado Arco do Desmatamento, tem sofrido o
impacto duplo da extrema fragmentação e da recorrência de extremos climáticos,
como o El Niño de 1998 e a seca de 2005.
“Entre
1983 e 2007, eventos de estiagem causaram incêndios florestais que ficaram
maiores, mais frequentes e abarcaram um leque maior de meses da estação seca”,
descrevem os autores.
Eles
destacam que o próprio fato de uma floresta pegar fogo na Amazônia já é algo
extraordinário, uma vez que a ideia clássica sobre a região era de que a selva
fosse úmida demais para queimar. Antes da colonização, evidências sugerem que
as matas amazônicas só incendiassem a cada 400 ou mil anos. Essa realidade
mudou radicalmente.
Nos
24 anos de análise do grupo de Alencar, 15% de florestas densas, de dossel
fechado – “inqueimáveis”, segundo o raciocínio clássico – na área estudada
pegaram fogo. A maior parte dos incêndios, porém, aconteceu em florestas
abertas (44%) e nas matas de transição, entre a Amazônia e o cerrado (46%).
“Em
florestas úmidas, este aumento foi associado a eventos de seca, enquanto em
florestas mais abertas o aumento na probabilidade de queima ocorreu mesmo se
descontarmos a seca – provavelmente algo relacionado com a fragmentação da
paisagem”, diz Paulo Brando, pesquisador do Ipam e coautor do estudo.
Segundo
ele, mesmo com a redução das chamadas fontes de ignição (queimadas iniciadas
por desmatamentos), na última década, quando a taxa de corte raso começou a
cair, as florestas ainda estão pegando fogo. Em 2007, por exemplo, a área
queimada na região do Xingu, que tem florestas abertas e de transição, foi
muito superior à de outros anos, embora a quantidade de fontes de ignição não
tenha aumentado significativamente.
Isso
sugere, prossegue Brando, que boa parte da Amazônia está “saturada” de fontes
de ignição. Ou seja, o desmatamento avançou tanto na fronteira que a única
coisa que determina se as florestas vão ou não pegar fogo é o clima.
É
como se a floresta no Arco do Desmatamento tivesse atingido um ponto de virada,
a partir do qual grandes incêndios ocorrerão sempre que houver um ano de
estiagem anormal. Com a mudança do clima, esses anos anormais estão virando o
novo normal.
“Estamos
vivendo um novo regime de fogo nessas áreas, onde o impacto das mudanças
climáticas acaba sendo potencializado pelos impactos locais decorrentes da
fragmentação e supressão da cobertura florestal”, disse Ane Alencar ao OC.
Como
os incêndios florestais podem aumentar as emissões de carbono por degradação
florestal três ou quatro vezes mais do que o desmatamento, esse novo regime
pode criar um perigoso mecanismo de “feedback” entre devastação e aquecimento
global, no qual um alimenta o outro.
Segundo
os cientistas, o ideal, na Amazônia, é reduzir o desmatamento de forma
drástica, para prevenir incêndios mesmo nos anos secos.
Já
para o cerrado a história é outra, diz Brando. “Apesar de os fogos serem parte
natural do bioma, eles estão acontecendo no final da estação seca e não no
início, como acontecia naturalmente. Além disso, temos gramíneas invasoras que
ajudam a deixar os incêndios muito mais intensos do que costumavam ser.”
(ecodebate)
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