Propriedade
rural como produtora de água: uma alternativa para conter a crise hídrica
“O
produtor, ao proteger sua nascente, contribui de forma sistemática para a
produção de água”, diz o analista ambiental.
A
recuperação das 375 mil nascentes que compõem a Bacia Hidrográfica do Rio Doce,
localizada entre os municípios de Minas Gerais e Espírito Santo, “é o primeiro
passo para o restabelecimento dos recursos hídricos”, diz Gilson Gomes à IHU
On-Line, na entrevista a seguir, concedida por e-mail.
Segundo
ele, atualmente as nascentes do Vale do Rio Doce estão não só desprotegidas,
mas “assoreadas, sem cobertura vegetal e muito degradadas”. E a escassez de
água na região está associada “à ocupação antrópica, desmatamento desordenado,
ausência de cobertura vegetal nos topos de morro, nascentes desprotegidas,
ausência de mata ciliar, uso irracional e falta de controle dos recursos
hídricos em toda a bacia”, explica.
De
acordo com Gomes, a iniciativa faz parte do Programa Olhos D’água, desenvolvido
pelo Instituto Terra, e tem como objetivo recuperar todas as nascentes da Bacia
Hidrográfica do Rio Doce num prazo de 30 anos. Para que o projeto seja efetivo,
enfatiza, a participação dos pequenos e médios produtores rurais da região será
fundamental para a “recomposição florestal ao longo dos cursos d’água e topos
de morro”. Ele frisa ainda que, diante da escassez dos recursos hídricos, a
“propriedade rural tem que se proteger e produzir água para seu sustento,
lembrando que este recurso é primordial no seu processo produtivo. Assim, o
produtor deve ser responsável pelo uso da água de modo a poder ofertar o
excedente à sociedade”. Ao fim do projeto, comenta, a pretensão é “elaborar um
protocolo operacional do programa de forma a permitir que seja replicado em
outras bacias hidrográficas”.
Gilson
Gomes é analista ambiental do Instituto Terra, uma associação civil, sem fins
lucrativos, que promove a recuperação da Mata Atlântica no Vale do Rio Doce há
16 anos.
IHU
On-Line - Qual
é a situação ambiental das nascentes do Vale do Rio Doce e quantas delas
precisam ser recuperadas?
Gilson
Gomes - As nascentes estão desprotegidas, assoreadas, sem cobertura vegetal e
muito degradadas. Estima-se que existem 375.000 nascentes na Bacia Hidrográfica
do Rio Doce, entre os estados de Minas Gerais e Espírito Santo. Mais
precisamente em 202 municípios de Minas Gerais e 28 do Espírito Santo.
IHU
On-Line - Em
que consiste o projeto de recuperação das nascentes do Vale do Rio Doce? Como
será realizado esse processo?
Gilson
Gomes - A recuperação das nascentes será feita através do Programa Olhos
D’água, que tem como objetivo promover a recuperação, a proteção e a
conservação dos recursos hídricos na Bacia Hidrográfica do Rio Doce, contribuindo
para a manutenção dos seus recursos naturais, em consonância com o Plano
Integrado de Recursos Hídricos do Rio Doce de 2010. O projeto tem como escopo
os seguintes pontos:
(i) recuperar
e proteger 100% das nascentes das propriedades rurais dos 230 municípios da
Bacia Hidrográfica do
Rio
Doce;
(ii)
implantar uma fossa séptica em cada residência das propriedades rurais dos 230
municípios da Bacia Hidrográfica do Rio Doce;
(iii)
promover o Cadastro Ambiental Rural – CAR e a adesão ao Programa de
Recomposição de Áreas Degradadas e Alteradas - PRADA das propriedades com até
quatro módulos fiscais dos produtores rurais beneficiários, provendo, dessa
forma, meios para recomposição florestal ao longo dos cursos d’água e topos de
morro;
(iv)
elaborar um protocolo operacional do programa de forma a permitir que seja
replicado em outras bacias hidrográficas.
IHU
On-Line - Qual é o tempo estimado
para a recuperação das nascentes?
Gilson
Gomes - A meta do programa Olhos D’água é proteger e recuperar as nascentes do
Vale do Rio Doce em 30 anos.
IHU
On-Line - Quais são as causas da
escassez de água no Vale do Rio Doce? Qual é a situação hídrica da região
atualmente?
Gilson
Gomes - A escassez de água se deve à ocupação antrópica, desmatamento
desordenado, ausência de cobertura vegetal nos topos de morro, nascentes
desprotegidas, ausência de mata ciliar, uso irracional e falta de controle dos
recursos hídricos em toda bacia, esgoto sanitário lançado no rio e baixo índice
de pluviosidade.
IHU
On-Line - A partir da recuperação
das nascentes na região, qual é a expectativa no sentido de resolver o problema
de escassez de água?
Gilson
Gomes - A Implantação do Programa Olhos D’água, através da proteção e
recuperação de todas as nascentes do Vale do Rio Doce, é o primeiro passo para
o restabelecimento dos recursos hídricos. O Programa sozinho não muda a vida de
ninguém, mas oportunamente é capaz de interagir com as políticas públicas
existentes e mudar a vida das pessoas, dando um resgate social e promovendo o
desenvolvimento da atual e futura geração.
O
sucesso deste programa está atrelado ao desenvolvimento sustentável da
propriedade rural. Hoje os recursos hídricos estão escassos, por isso uma
propriedade rural tem que proteger e produzir água para seu sustento, lembrando
que este recurso é primordial no seu processo produtivo. Assim, o produtor deve
ser responsável pelo uso da água de modo a poder ofertar o excedente à
sociedade.
Nesta
linha, é importantíssima a valoração da propriedade rural “produtora de água”.
Valorar economicamente este bem é uma estratégia social para resgatar o
produtor na promoção da recuperação e conservação dos recursos naturais, tendo
em vista que todos os setores da economia que têm intervenção humana necessitam
da água para se desenvolverem.
A simples
presença de água, em abundância e com qualidade, resgata o valor econômico e a
função social da propriedade na medida em que ela se torna produtiva e pode
fixar o homem e sua família no campo. A recuperação dos recursos hídricos,
certamente, reduziria a pressão para o adensamento urbano ainda maior, e
permitiria que centenas de pequenos e médios municípios dessem melhor atenção à
infraestrutura básica, incluindo esgotamento e tratamento de esgoto sanitário,
adequação de estradas vicinais, e outras condições para que se possa recuperar
completamente a região do vale do Rio Doce.
IHU
On-Line - Como será a participação
dos produtores rurais da região nesse processo de recuperação das nascentes?
Gilson
Gomes - O produtor, ao ser selecionado, assina um Termo de Compromisso se
comprometendo a proteger e conservar a área selecionada. O produtor também é
parceiro no programa, através do fornecimento de mão de obra para o cercamento
da área da nascente, além de ser responsável pelo plantio e replantio e manutenção
das mudas plantadas. Em síntese, o produtor rural é um grande aliado do
programa.
IHU
On-Line - O projeto de recuperação
das nascentes pretende instalar 180 fossas sépticas nas propriedades rurais dos
produtores envolvidas no projeto. Qual a importância dessas fossas na
recuperação e manutenção das nascentes?
Gilson
Gomes - As fossas sépticas já estão em fase final de implantação. Até o momento
já foram implantadas 129. A meta é instalarmos uma fossa para cada propriedade
rural da bacia do Vale do Rio Doce. O produtor, ao proteger sua nascente,
contribui de forma sistemática para a produção de água. Antes da instalação das
fossas, ao mesmo tempo em que o produtor produzia água, ele lançava esgoto para
os corpos d’água. Assim, se o produtor tem uma fossa em sua propriedade, será
possível amenizar o problema do saneamento rural, além de poder aproveitar os
dejetos para adubação das plantas. (ecodebate)
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