“Mais
que multidisciplinar, as mudanças climáticas são interdisciplinares. Por
exemplo, um aumento de temperatura tem impactos na saúde, na produção agrícola,
na economia, etc. Note que tudo está inter-relacionado e devemos tratar este
tema de forma conjunta e não isoladamente”, afirma o pesquisador
A interdisciplinaridade das mudanças climáticas
Um dos pontos mais elogiados, tratado como grande avanço da Encíclica Laudato Si’, é a abordagem ampla que é dada ao tema do meio ambiente. Dentro do conceito de Ecologia Integral, o Papa Francisco não apresenta uma, mas sim várias crises. A saída para esse estado de crise requer pensamentos e ações integrais. O meteorologista Tercio Ambrizzi, especialista em fenômenos atmosféricos, endossa essa perspectiva. Para ele, mudança climática é tema de várias disciplinas — ou áreas de conhecimento —, já que o aumento da temperatura impacta desde a saúde da população, passando pela produção agrícola e chegando à economia. Ambrizzi destaca que o fato de a Igreja se posicionar desta forma sobre o tema confere ainda mais urgência no debate ambiental. “A Igreja católica tem possivelmente bilhões de fiéis no mundo todo. Se ela puder motivar estes fiéis a se engajarem e pressionarem os governos, talvez consigamos efetivamente ter uma política internacional de emissões”, afirma.
Um dos pontos mais elogiados, tratado como grande avanço da Encíclica Laudato Si’, é a abordagem ampla que é dada ao tema do meio ambiente. Dentro do conceito de Ecologia Integral, o Papa Francisco não apresenta uma, mas sim várias crises. A saída para esse estado de crise requer pensamentos e ações integrais. O meteorologista Tercio Ambrizzi, especialista em fenômenos atmosféricos, endossa essa perspectiva. Para ele, mudança climática é tema de várias disciplinas — ou áreas de conhecimento —, já que o aumento da temperatura impacta desde a saúde da população, passando pela produção agrícola e chegando à economia. Ambrizzi destaca que o fato de a Igreja se posicionar desta forma sobre o tema confere ainda mais urgência no debate ambiental. “A Igreja católica tem possivelmente bilhões de fiéis no mundo todo. Se ela puder motivar estes fiéis a se engajarem e pressionarem os governos, talvez consigamos efetivamente ter uma política internacional de emissões”, afirma.
Na
entrevista, concedida por e-mail à IHU On-Line, o pesquisador avalia os
recentes acordos internacionais e fala sobre o polêmico mercado de compensação
de carbono, uma mania no mundo corporativo. “Com toda a publicidade em torno
das mudanças climáticas, o tema sustentabilidade virou um modismo também”, destaca.
O lado bom é que, se todos falam nisso, as empresas buscam meios de associar
suas produções a formas de minimizar impactos ambientais. “Por outro lado, a
compensação pelo mercado de carbono sugere que se alguém está emitindo muito é
possível pagar para outro que emita menos. Assim, vendendo os créditos dessa
forma, estaria contribuindo para um mundo sustentável”, explica. No entanto,
ressalta que “é excelente quando uma empresa se torna sustentável, mas isso não
pode ocorrer à custa de outra ou pela transferência de culpa por degradação a
um terceiro”.
Tercio
Ambrizzi é doutor em Meteorologia pela Universidade de Reading, na Inglaterra.
Foi Diretor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da
Universidade de São Paulo – USP e professor do Departamento de Ciências
Atmosféricas da USP. Foi Chefe do Departamento de Ciências Atmosféricas e é
membro da Comissão de Pesquisa do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências
Atmosféricas da USP. Foi editor-chefe da Revista Brasileira de Meteorologia.
Tem coordenado projetos nacionais e internacionais de pesquisa. Atua na área de
Ciências Atmosféricas, com ênfase em Meteorologia Dinâmica, Modelagem Numérica
da Atmosfera e Climatologia. É autor principal de um dos relatórios de mudanças
climáticas regionais encomendado pelo Ministério do Meio Ambiente em uma
parceria entre USP e CPTEC/INPE.
IHU
On-Line - Como a Encíclica Laudato Si’ foi recebida entre os cientistas
brasileiros? Quais as contribuições mais significativas do documento para o
campo?
Tercio
Ambrizzi - De forma geral, a Encíclica foi bem recebida. Demonstra uma
preocupação com o planeta de forma geral e um apoio bem-vindo para as
discussões que irão ocorrer na próxima COP. Em termos de contribuições, ela
faz, na verdade, uma revisão básica do estado da arte do conhecimento. Mas, por
óbvio, não há contribuições científicas novas.
IHU
On-Line - A grande questão ambiental que está presente em todos os
capítulos da Laudato Si’ é o aquecimento global. Como é possível compreender
esse fenômeno na perspectiva da Encíclica?
Tercio
Ambrizzi - Não li todo o conteúdo da Encíclica, mas em vários trechos o texto
tenta deixar claro o conceito do aquecimento global e o quanto nocivo pode ser
para a humanidade.
IHU
On-Line - A Laudato Si’ é elogiada pelo embasamento científico. No
entanto, é criticada por ter excluído a vertente que pensa o aquecimento global
de forma não antropogênica. Como avalia essa questão? Qual o impacto das ações
humanas no aquecimento?
Tercio
Ambrizzi - Na verdade, a fração de pesquisadores que são considerados
negacionistas é muito pequena comparado com aqueles que concordam que as
mudanças climáticas, particularmente sua aceleração em relação à variabilidade
natural, é fruto da ação do homem. Além do mais, as bases científicas utilizadas
para negar o aquecimento global são fracas e têm muito mais incertezas do que
as que afirmam que ele se deve à ação antrópica.
IHU
On-Line - De que forma as mudanças climáticas impactam na organização
da sociedade, na economia e até mesmo nas relações internacionais? Como podemos
perceber isso desde o Brasil?
Tercio
Ambrizzi - As mudanças climáticas podem impactar a sociedade de diversas
formas. Se pegarmos apenas os impactos devidos a extremos climáticos (enchentes
ou secas extremas, por exemplo), veremos que há um impacto grande sobre as
pessoas mais vulneráveis (desabrigados devido a enchentes ou lavouras ou
culturas de subsistência sem água em razão de períodos de secas extensas). Isso
acaba se refletindo na economia local e mesmo do Estado. Como mudanças do clima
não têm fronteiras, todos estão envolvidos. Sendo assim, a discussão das
reduções de emissões de gases de efeito estufa (GEE), da mitigação de impactos
e outros tem um carácter transfronteiriço.
No
Brasil, a percepção da variabilidade climática tem aumentado em função das
secas contínuas no nordeste do Brasil e dos dois anos seguidos de seca no
sudeste. Isso acarretou diminuição drástica dos reservatórios de água,
impactando na produção de energia. Tais fatores têm impactos enormes na economia
como um todo, prejudicando a agricultura, a indústria e mesmo o turismo em
algumas regiões.
“Todos nós vivemos no mesmo planeta, e o clima não
tem fronteiras”
IHU
On-Line - O senhor integrou o grupo que trabalhou na composição do
Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC). De que forma a Encíclica
dialoga com os principais apontamentos do estudo?
Tercio
Ambrizzi - O PBMC seguiu muito de perto a estrutura do IPCC, mas com um foco na
ciência das mudanças climáticas que estava sendo feita no Brasil,
particularmente. Os princípios da Encíclica estão inseridos nos Relatórios
preparados pelo Painel. No entanto, no nosso caso, o foco era a América do Sul
com ênfase no Brasil.
IHU
On-Line - Passados quase dois anos da apresentação dos estudos do Painel
Brasileiro de Mudanças Climáticas, de que forma os governos (da União e dos
estados) vêm buscando soluções para questões emergidas da pesquisa?
Tercio
Ambrizzi - Os relatórios produzidos pelo PBMC têm servido de base para alguns
planos de ciência e tecnologia do governo. Servem, também, para apontar algumas
deficiências em estudos específicos para o Brasil. Creio que, como uma primeira
experiência, foi válido. No entanto, é necessário deixar claro que o PBMC deve
continuar, e com ênfase e suporte do próprio governo. O objetivo deve ser o de
contribuir para o aprimoramento da pesquisa neste tema e um desenvolvimento
tecnológico para mitigar e se adaptar às mudanças do clima.
Tercio
Ambrizzi - De que forma a ciência, em especial Ciência Atmosférica e
estudos de clima, pode ser impactada pela Laudato Si’?
Tercio
Ambrizzi - Creio que o maior impacto é na publicidade em relação à importância
desta área para toda a humanidade e em sua expansão e conhecimento em termos
científicos.
IHU
On-Line - A Encíclica critica a segmentação e o tecnocentrismo do mundo
da ciência. Como compreender as mudanças climáticas de forma multidisciplinar?
Tercio
Ambrizzi - Na verdade, mais que multidisciplinar, as mudanças climáticas são
interdisciplinares. Por exemplo, um aumento de temperatura tem impactos na
saúde, na produção agrícola, na economia, etc. Note que tudo está
inter-relacionado e devemos tratar este tema de forma conjunta e não
isoladamente.
“Se pegarmos apenas os impactos devidos a extremos
climáticos, veremos que há um impacto grande sobre as pessoas mais vulneráveis”
IHU
On-Line - A onda de compensação pelo mercado de carbono é vista como
forma de minimizar impactos ambientais pela ação do ser humano. No entanto, o
Papa Francisco alerta que essa lógica não subverte o sistema de degradação do
planeta. Qual a sua opinião? Por que essa compensação virou mania, indo de
grandes corporações até pequenas organizações? Quais os riscos dessa política?
Tercio
Ambrizzi - Primeiramente, com toda a publicidade em torno das mudanças
climáticas, o tema sustentabilidade virou um modismo também. Assim, grandes
corporações e mesmo as pequenas utilizam esse slogan para promover a relação
entre seus produtos e a forma sustentável com que são gerados.
Por
outro lado, a compensação pelo mercado de carbono sugere que se alguém está
emitindo muito é possível pagar para outro que emita menos. Assim, vendendo os
créditos dessa forma, estaria contribuindo para um mundo sustentável. A
preocupação do Papa vai na seguinte direção: é excelente quando uma empresa se
torna sustentável, mas isso não pode ocorrer à custa de outra ou pela
transferência de culpa por degradação a um terceiro.
IHU
On-Line - Como deve ser o impacto da Laudato Si’ na política
internacional de emissão de gases? E de que forma pode inspirar as discussões
da COP 21, em dezembro, em Paris?
Tercio
Ambrizzi - A Igreja católica tem possivelmente bilhões de fiéis no mundo todo.
Se ela puder motivar estes fiéis a se engajarem e pressionarem os governos,
talvez consigamos efetivamente ter uma política internacional de emissões de
GEE. Dessa forma, teremos um novo “Protocolo de Kyoto” mais abrangente e forte.
IHU
On-Line - Como o senhor avalia os recentes acordos entre países sobre a
redução na emissão de gases?
Tercio
Ambrizzi - Os acordos ainda são tímidos e a visão de gastos econômicos para
efetivá-los é o verdadeiro motor por trás disso. Por outro lado, os acordos
recentes dos dois maiores poluidores mundiais, China e Estados Unidos, mostram
que pelo menos há uma intenção de diálogo e propostas. Isso pode ser um avanço.
“As bases científicas utilizadas para negar o
aquecimento global são fracas e têm muito mais incertezas do que as que afirmam
que ele se deve à ação antrópica”
IHU
On-Line - A Laudato Si’ concebe o clima como bem comum. Destaca a
importância da Amazônia, Bacia Fluvial do Congo, grandes lençóis freáticos e
glaciares. Como pensar nesses locais como bem comum, de todos, sem destituir a
soberania dos países? Aliás, qual a responsabilidade dos países que detêm essas
áreas tão fundamentais para equalização do clima? A preservação das áreas passa
pela manutenção dessa soberania?
Tercio
Ambrizzi - Todos nós vivemos no mesmo planeta, e o clima não tem fronteiras.
Num primeiro momento, impedir que a Floresta Amazônica seja destruída, por
exemplo, serviria para todos em termos de diminuição das emissões de carbono e
impacto no clima global. Cabe ao país a preservação, sim. Não somente pensando
no seu próprio povo, mas também em termos globais. Ações de manutenção devem
ser feitas pelo próprio país ou então em colaboração com outros uma vez que
pode beneficiar a todos. Obviamente toda e qualquer ação tem que ser liderada
pelo país onde o ambiente deve ser preservado.
IHU
On-Line - E em que medida a internacionalização dessas áreas, como a Amazônia, representa um risco para todo mundo?
Tercio
Ambrizzi - Este é um tema mais difícil. Sem dúvida envolve a soberania
discutida anteriormente. Creio que os governos devem ter ações próprias,
amparadas pelo seu povo em função da importância de se preservar uma floresta
tão importante como a Amazônia. Acredito que através da educação e do
conhecimento possamos criar uma consciência sustentável para toda a nação.
Assim, desta forma, preservar, cuidar e monitorar fará parte do nosso dia a
dia, a fim de salvar o planeta em que vivemos. (ecodebate)
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