El Niño traz ameaças climáticas para principais
regiões produtoras de alimentos do mundo
Um dos El Niños mais forte já registrado foi o
ocorrido entre 1997 e 1998 e, segundo especialistas, esse passou a ser uma
referência para a avaliação dos demais. Nesse ano, os impactos sobre o clima
dos Estados Unidos foram bastante severos, tal qual como aconteceu neste ano de
2015, com um clima excessivamente chuvoso e meses de acumulados recordes.
Imagem mostra aquecimento das águas do Pacífico em
28/07/15.
As semelhanças, como explicaram especialistas do
site internacional The Weather Channel, podem ser vistas na imagem abaixo
divulgada no início de agosto/15 pelo NOAA - o departamento oficial de clima do governo
americano - comparando o El Niño deste ano e o de 1997/1998.
Comparação do El Niño de 1997 com o de 2015.
Comparação do El Niño de 1997 com o de 2015.
Por um lado, os dois poderiam ser comparados na
medida em que, em termos de temperatura das águas, as condições do El Niño
atual estão mostrando uma forte semelhança e até a possibilidade de que os
indicadores pudessem superar os de 1997. "No entanto, nos mais recentes
registros de El Niño não são possível encontrar um fenômeno que tenha seguido,
rigorosamente, a trilha de um evento anterior", disse a meteorologista do
NOAA, Michelle L'Heureux. Por outro lado, os especialistas afirmam que essas
semelhanças são importantes para que haja, ao menos, uma possibilidade de se
entender quais serão suas consequências e impactos no clima.
Este é um El Niño clássico que deve se estender até
o início de 2016, segundo explicou o meteorologista da Climatempo, Alexandre
Nascimento, e que vem ganhando força já há meses. Assim, seus efeitos já
começam a ser sentidos nas mais diferentes partes do mundo e as adversidades já
ameaçam as principais regiões produtoras de alimento ao redor do globo. Nesse
momento, as culturas mais afetadas são os grãos e cereais.
Como mostra a imagem abaixo, do CPTEC INPE, entre
junho e agosto, as condições devem ser de tempo mais quente e seco na Europa,
quente e úmido em pontos importantes da América do Sul, seco e quente na
América Central, e bastante chuvoso em pontos da América do Norte, mais especificamente
nos Estados Unidos.
Efeitos do El Niño entre julho e agosto.
Efeitos do El Niño entre julho e agosto.
Já entre dezembro e fevereiro, a expectativa é de
tempo mais quente e seco em regiões da Ásia e partes da América do Norte,
chuvoso mais ao norte e mais seco e quente no sul da África; na América do Sul,
condições de tempo mais quente e chuvoso no Sul do Brasil e demais países da
América do Sul e tempo quente no Sul do Oceania.
Efeitos do El Niño entre dezembro e fevereiro.
Efeitos do El Niño entre dezembro e fevereiro.
Assim, em importantes regiões agrícolas pelo mundo
já vem registrando perda do potencial produtivo de suas safras e analistas -
nacionais e internacionais - acreditam que o impacto sobre os preços para as commodities
deve ser sentido, porém, em um período de médio a longo prazo.
"Há ameaças climáticas nas principais áreas de
produção de alimento do mundo, mas os preços só devem refletir esse cenário
global a partir de setembro em diante, quando nós iremos conhecer a
consolidação dessas perdas com a chegada do início das colheitas e tudo
mais", explica Vlamir Brandalizze, consultor da Brandalizze Consulting.
"E essas perdas já poderiam começar a aparecer nos próximos boletins
mensais de oferta e demanda do USDA (Departamento de Agricultura dos Estados
Unidos) a partir de agosto, setembro. Embora o USDA mostre certo atraso e já
tenhamos os indicativos de perdas de outras instituições, o USDA ainda é a base
oficial de dados para os negócios", completa.
"Todo El Niño é diferente, incluindo sua
duração e intensidade, e isso impacta na produção agrícola. Os impactos nos
preços, com isso, poderiam vir para o café robusta, açúcar e trigo - produtos
cultivados em países como Vietnã, Indonésia, Austrália e Brasil, que são
atingidos pelo fenômeno", informou uma nota do banco internacional
Rabobank reportada pelo The Wall Street Journal (WSJ).
Ainda de acordo com a matéria do WSJ, o El Niño
poderia ainda impactar nos negócios das tradings de alimentos, as quais
poderiam se beneficiar ao acompanhar a volatilidade dos preços das commodities
garantindo boas oportunidades de compra e venda de produtos essenciais. Para
Sunny Vergheses, executiva-chefe da tradie Olam ao The Wall Street Journal, da
Cingapura, o fenômeno poderia provocar uma baixa na oferta de trigo, milho e
açúcar em alguns países do Hemisfério Sul, embora as precipitações, em pontos
diferentes, poderiam favorecer as safras.
Infográfico do The Wall Street Journal mostra os impactos do El Niño sobre as produções mundiais.
Infográfico do The Wall Street Journal mostra os impactos do El Niño sobre as produções mundiais.
América do Sul
Para o Brasil, os impactos mais severos do El Niño
deverão ser sentidos no Sul do país com o excesso de chuvas e menos
precipitações para o Nordeste. Os estados de Rio Grande do Sul, Santa Catarina
e Paraná já registraram volumes muito elevados de precipitações no último mês,
porém, ainda segundo o meteorologista da Climatempo, esse excesso deverá
acontecer, principalmente entre primavera e verão.
Para as demais regiões, o regime de chuvas deve
ficar dentro dos padrões, mas ocorrendo de forma irregular, registrando um
grande volume em um único dia ou mês, por exemplo. As temperaturas, no entanto,
devem ficar acima da média, principalmente no Sudeste e Centro-Oeste.
Assim, a expectativa é de que as condições para a
agricultura do país sejam favoráveis nas regiões mais ao centro do Brasil,
porém, ao mesmo tempo, "pode ser um complicador para o sul e nordeste, com
excesso ou falta de chuvas", diz Alexandre Nascimento.
Em algumas áreas, com esse excesso de chuvas,
cresce também a chance das inundações. "Uma dessas áreas que ganha força
com o risco de cheias é da Argentina ao Uruguai e Sul do Brasil", disse o
meteorologista chefe do AccuWeather, Jason Nichols. Já nos Andes, risco de
fortes nevascas.
Ao mesmo tempo, porém, boas chuvas podem chegar em
áreas onde a seca tem castigado, como no Chile, por exemplo, ainda segundo
previsões do Accuweather. De agora ao período de primavera no hemisfério Sul,
em setembro, há um pequeno aumento na ocorrência de sistemas que trazem essas
esperadas chuvas para o país. O Chile tem vivido períodos de seca nos últimos
dez anos com chuvas que ficam abaixo de 50% do normal.
América do Norte
Nos Estados Unidos, em anos de El Niño, as
características são de temperaturas elevadas e excesso de chuvas em algumas
regiões do país, como aconteceu no Meio-Oeste nos meses de maio, junho e início
de julho. "Essa combinação de chuva e calor deve acaba favorecendo",
principalmente a fase de enchimento dos grãos, afirma Nascimento.
"Os solos bastante encharcados dificultaram o
desenvolvimento das lavouras, e com isso, geraram percentuais superiores com
10% de plantios em condições ruins e muito ruins, o que resultará em uma
redução na produção final de grãos norte-americana", explicou o Jornal do
Tempo, da Somar Meteorologia.
No Canadá, uma seca severa castiga a produção de
grãos do país. Nos últimos dias, algumas das principais regiões produtoras
receberam chuvas, porém, insuficientes para provocar mudanças significativas,
trazendo apenas um alívio para as lavouras que vinham sofrendo com o stress
hídrico, conforme noticiou o Agrimoney. O portal internacional informou ainda
que os níveis de umidade seguem baixos, porém, também apresentaram uma leve
melhora com essas últimas chuvas.
Europa
A divisão de meteorologia agrícola da Comissão
Europeia de Monitoramento de Recursos Agrícolas (MARS) reduziu em 0,13
toneladas por hectare para 5,19 toneladas sua estimativa média para o
rendimento dos cereais este ano, o que, se confirmado, traria uma redução de 9%
em relação aos resultados do ano passado um recuo ainda mais intenso em relação
à média dos últimos cinco anos.
"A produtividade para todas as culturas está
sendo reduzida por conta de condições climáticas desfavoráveis, incluindo o
excesso de chuvas no norte da Europa e calor e seca mais ao sul do
continente", informou a MARS. A instituição destacou ainda as ondas de
calor intensas e prolongadas registradas em importantes áreas agrícolas como o
norte da Itália, França, Alemanha, Polônia, República Tcheca, Áustria e
Hungria. "As temperaturas máximas, por muitas vezes, superara os 35ºC e em
pontos específicos alcançaram os 40ºC, prejudicando severamente as culturas de
primavera e inverno durante as fases de floração e enchimento de grãos das
lavouras", completou a organização.
No caso do trigo soft plantado no inverno na
Europa, a produtividade esperada já caiu para 5,8 toneladas por hectare. Em
contrapartida, o milho, por exemplo, sofreu uma baixa ainda mais drástica de
rendimento - na casa de meia tonelada por hectare - caindo para 6,71 t/ha, bem
abaixo da média dos últimos cinco anos. A safra francesa do cereal, a maior da
região da União Europeia, teve sua produtividade reduzida em 0,76 toneladas por
hectare, passando para 8,63 t/ha, refletindo as temperaturas que se aproximaram
dos recordes de 1975 acompanhadas de uma seca intensa, explicou a MARS.
No Leste Europeu, região de grande importância na
produção mundial de milho e trigo, as preocupações com o clima também são
evidentes diante das possibilidades de perdas nesta safra.
A Rússia, que também tem parte de seu território na
Ásia, estima colher uma safra de grãos de 100 milhões de toneladas neste ano,
segundo informou o Ministério da Agricultura do país, quase 5 milhões de
toneladas a menos do que o recorde do ano passado. E apesar de um recorde de
produção na principal área agrícola do país na região do Mar Morto, as perdas
podem ser de 20 milhões de toneladas, conforme relatos de analistas.
Ásia e Oceania
O El Niño para a Europa e Ásia deve trazer um
aumento significativo das temperaturas no período de verão, e um inverno menos
rigoroso para essas regiões. A China, por exemplo, enfrente a pior seca dos
últimos 60 anos principalmente na região Nordeste do país, explicou o
meteorologista da Climatempo.
Segundo informações de analistas nacionais e
internacionais, as áreas mais afetadas na nação asiática são localidades-chave
na produção de grãos, principalmente soja e milho, em estados como Heilogjiang,
Jilin e Liaoning.
Depois dessa seca que bateu todos os recordes, os
níveis de água nos subsolos chineses alcançaram suas mínimas históricas este
ano nas regiões nordeste e central da nação asiática onde milhões de pessoas
habitam. Assim, a agropecuária e as indústrias - que respondem por 85% do
consumo de água no país - vêm lutando contra a crise hídrica já há tempos e que
secou mais da metade de 50 mil rios importantes da China, deixando o país no
que o governo chamou de "grave escassez de água". As perdas estimadas
para os produtores rurais pelas autoridades até este momento passam de US$ 1
bilhão.
O El Niño provocou também uma mudança nos padrões
da temporada de tufões na China, a qual se propagou para durar por um período
mais longo do que o comum. "Os tufões virão mais do sul dos oceanos e
serão mais intensos", disse Ding Yihui, um representante da Academia
Chinesa de Engenharia.
Na Índia e no Paquistão, depois de terem se
reduzido muito nos últimos meses, as chuvas de monção voltaram a ganhar força e
agora resultam em acumulados recordes e inundações, como informou o site
internacional Accuweather. "Essa padrão de clima mais úmido deve se
estender até a primeira semana completa de agosto", informou o
meteorologista chefe do portal, Jason Nichols.
Na Austrália, as chuvas voltaram a aparecer nos
últimos dias depois de um período severo de seca e foram benéficas para a
produção agrícola, confirmando as condições típicas de um ano de El Niño, como
noticiou o Agrimoney. Assim, com essas adversidades climáticas, o Banco Nacional
da Austrália já advertiu sobre a possibilidade de uma queda acentuada na
produção de trigo do país nesse ano. Essa advertência fica mais suave na medida
em que, principalmente, os níveis de umidade do solo vão melhorando caso as
precipitações se tornem mais regulares.
África
Na África do Sul, uma estiagem severa também ameaça
a safra de milho do país, que é a maior do continente africano. Uma pesquisa
trazida pela agência internacional Bloomberg mostrou que a redução poderia ser
de 0,2% e os produtores locais deverão colher cerca de 9,74 milhões de
toneladas. Caso esse número se confirme, a produção seria a menor dos últimos
oito anos.
Diante dessa situação, os preços domésticos do
chamado "milho branco, muito utilizado na alimentação local", já
subiram 49% somente este ano. No caso do milho amarelo, a alta é de 28%.
A pior seca desde 1992 registrada nesse ano
castigou a produção nas províncias de Free State e North West, as quais
responderam por dois terços da produção sul-africana no ano passado, e levou ao
país à necessidade de importar grãos. Em 2014, a colheita do cereal foi a maior
em 33 anos, somando 14,3 milhões de toneladas. (noticiasagricolas)
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