Paulistano
esquece crise hídrica, abre torneiras e volta a gastar mais água
Pesquisa da Lello aponta afrouxamento de economia, cuja adesão caiu de 82% para 76% entre os meses de março e junho/15.
Sabesp diz que adesão a bônus está estável.
Bastou um aviso do síndico no
elevador com a informação de que o abastecimento de água no prédio estava
normalizado para que o designer Claudio Lopes, de 40 anos, relaxasse. Os banhos
voltaram a durar 15 minutos, e a máquina de lavar a funcionar três vezes por
semana. "Não quer dizer que eu esteja esbanjando água, mas, aos poucos,
minha rotina acabou voltando ao normal", diz o morador da Vila Maria, na
zona norte de São Paulo.
O
relato de Lopes seria motivo para comemorar não fosse um detalhe: a crise
hídrica está longe de acabar. O pior é que esse comportamento não é exceção.
Pesquisa realizada pela administradora de condomínios Lello em 1,7 mil
empreendimentos no Estado, dos quais 90% na capital, aponta uma queda sensível
na economia.
Francisco
Domenici Neto, de 73 anos. é síndico de um dos prédios que aumentou o
consumo.
A
adesão dos condomínios ao programa de bônus da Companhia de Saneamento Básico
do Estado de São Paulo (Sabesp) caiu de 82%, em março, para 76% em junho. O
bônus beneficia contas cujo consumo fica abaixo da média aferida antes da
crise, entre fevereiro de 2013 e janeiro de 2014 - o desconto chega a 30%. Ou
seja, cerca de cem condomínios voltaram a consumir mais água do que a média de
gasto anterior à crise.
Para
Angélica Arbex, gerente de Relacionamento com o Cliente da Lello, o relaxamento
acontece nos apartamentos. "A maioria dos prédios segue fazendo um grande
esforço na economia, mas a queda na adesão serve como um sinal amarelo. Os
síndicos continuam rigorosos e economizam água na área comum, mas nas casas das
pessoas entra o imponderável."
Velho
hábito
No
caso de Lopes, o aviso do síndico de que o racionamento de água feito pela
Sabesp por meio da redução da pressão e do fechamento manual da rede não
afetava mais o prédio, em maio, foi a senha para aposentar os baldes.
"Tinha até montado um sistema, com um cano, para captar da sacada a água
da chuva. Agora emprestei o cano para minha mãe, que mora em Guarulhos, onde a
situação é mais crítica."
O
resultado é visível na conta - o prédio tem medidores individualizados. Antes
da crise, ele costumava pagar R$ 60 por mês. No auge da seca, a tarifa chegou a
R$ 18, mas a última fatura já subiu para R$ 45.
O
médico Francisco Domenici Neto, de 73 anos, levou um susto quando viu a conta
do prédio onde é síndico, na Consolação, no centro. O consumo subiu 142 mil
litros. "Passou de R$ 3,5 mil para R$ 6,9 mil. Houve um salto enorme,
muito maior do que o reajuste da tarifa e a perda do bônus. Os moradores são
muito conscientes do problema, mas não dá para descartar que houve
relaxamento."
Pior
Para
a arquiteta e urbanista Marussia Whately, uma das idealizadoras do grupo
Aliança pela Água em São Paulo, as chuvas mais frequentes neste ano do que em
2014, que ajudaram a elevar um pouco o nível dos mananciais, a redução das
campanhas de uso racional da água e a perda de espaço da crise hídrica no
noticiário explicam o comportamento. "Somado a tudo isso, a forma como o
governo vem comunicando a população, de que as obras estão sendo feitas e não vai
haver racionamento, gera um mau entendimento. O fato é que temos menos água e
as perspectivas de chuva não são boas", diz.
Na
cabeça do bancário Mario de Faria, de 43 anos, porém, "o pior já
passou" e "não vai mais faltar água como a gente temia". Assim,
ele não enche mais o quintal de sua casa, na Vila Mariana, na zona sul, de
baldes. "Cheguei a botar 20 baldes ao mesmo tempo, para captar a água da
chuva", conta. "Depois, era essa água que usava para lavar o quintal,
regar as plantas."
Moradora
da Vila Carrão, na zona leste, a diarista Iraci Maria de Caires Pinheiro, de 52
anos, admite que voltou a ter uma vida mais confortável. Nos primeiros meses do
ano, quando o Sistema Cantareira chegou a ter apenas 5% da capacidade, no seu
segundo volume morto - hoje o nível está na faixa dos 18% -, ela desligava o
chuveiro na hora de se ensaboar e usava a água do banho para a descarga. De
maio para cá, a rotina voltou ao normal, e o consumo, que chegou a 8 mil
litros, subiu para 10 mil. "Uso menos os baldes, tenho muita dor nas
costas", diz.
Mais
água
Esse
comportamento já obrigou a Sabesp a aumentar a produção de água na Grande São
Paulo, que subiu quase 6% de fevereiro para agosto, chegando a 53 mil litros
por segundo, patamar semelhante ao de janeiro. O aumento da retirada de água
aconteceu até mesmo no Cantareira e no Sistema Alto Tietê.
Na
minuta do plano de contingência elaborado pelo governo Geraldo Alckmin (PSDB) e
revelado pelo Estado em maio, a permanência da economia pela população é um dos
pressupostos para que o rodízio de cinco dias sem água na região do Cantareira
não seja adotado. Outro requisito é a entrega dentro do prazo das obras
emergenciais, como a transposição da Represa Billings para o Alto Tietê,
prometida para agosto, mas que só deve ser entregue em outubro.
Por
causa do atraso e da seca no Alto Tietê, a Sabesp pediu aos órgãos gestores
para tirar mais água do Cantareira do que o previsto até outubro e não ser
obrigada a adotar rodízio. Com isso, o manancial deve voltar para o segundo
volume morto.
Em
nota, a Sabesp informa que a adesão ao bônus ficou estável em 83% dos clientes
em julho, mas a economia de água aumentou de 6,2 mil l/s para 6,5 mil l/s, o
que resultou em uma poupança de água superior a 180 bilhões de litros, mais do
que a capacidade total do Sistema Guarapiranga (171 bilhões).
Segundo
a companhia, a pesquisa da Lello "serve também de reforço para a
importância do uso racional da água". Quanto ao aumento da produção, a
estatal informa que "os números vêm se mantendo praticamente estáveis nos
últimos meses, com um leve crescimento por causa da gradual entrega de obras
que ampliam a capacidade de captação e produção".
A
Sabesp informa que, desde o início da crise, técnicos já visitaram mais de 30
mil condomínios em 89 bairros da capital, passando orientações de como reduzir
o consumo. (OESP)
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