Mata Atlântica: não existem
mudas suficientes para recuperar a floresta.
"Existem vários fragmentos da Mata Atlântica isolados uns dos outros e esse isolamento pode levar a floresta à extinção", adverte o engenheiro agrônomo.
Os
desafios para recuperar 85% da Mata Atlântica, percentual que já foi degradado
ao longo dos anos, são enormes, a começar pelas dificuldades técnicas, visto
que hoje não existem “mudas suficientes para fazer a recuperação da Mata
Atlântica. Mesmo se tivéssemos dinheiro, há um limite em relação à quantidade
de viveiros suficientes para a empreitada que temos pela frente”, informa
Jaeder Lopes Vieira, na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por
telefone.
Vieira
explica que a regeneração da Mata Atlântica não depende somente do plantio de
novas mudas de árvores, mas é necessário recuperar a biodiversidade de modo
geral. “A floresta não é só árvore; a floresta que só tem árvore não é
floresta. Floresta tem toda uma biodiversidade de animais e de plantas
interagindo com o ambiente, ou seja, em intensa interação com o solo e com a
atmosfera, reciclando nutrientes e fazendo com que esses nutrientes se
convertam ora em matéria orgânica, ora em matéria inorgânica. Então, a floresta
é muito mais do que a vegetação em si e que as árvores propriamente ditas;
existem outros elementos não arbustivos que fazem parte da floresta e que são
fundamentais para manutenção dela”, esclarece.
Entre
os investimentos possíveis para reflorestar a Mata Atlântica, o engenheiro
agrônomo frisa a necessidade de pôr em prática as determinações do Código
Florestal, a exemplo do pagamento aos produtores rurais para
reflorestarem as áreas degradadas. “Em primeiro lugar precisamos de uma
política pública de incentivo aos proprietários rurais, ou seja, é preciso
retirar do papel o pagamento dos serviços ambientais, porque a recuperação
dessas áreas irá gerar benefícios aos homens”.
Segundo
ele, também é fundamental preservar os outros biomas brasileiros, como a
Caatinga e o Cerrado, e investir na recuperação das áreas já degradadas pela
agricultura e pela agropecuária ao invés de abrir novas áreas para plantio.
Contudo, “infelizmente”, pontua, “ao invés de ocupar uma área da Mata Atlântica
que já está degradada, as pessoas seguem para novas fronteiras que têm
floresta, onde o solo ainda tem uma matéria orgânica fértil. Aí as pessoas
retiram a floresta, implantam uma produção agrícola que, inclusive, na Amazônia
não passa de três ciclos (três anos)”.
Jaeder
Lopes Vieira é graduado em Engenharia Agrônoma pela Universidade Federal de
Lavras e em Biologia pelo Centro Universitário Geraldo Di Biase – UGB.
Atualmente é engenheiro agrônomo do Instituto Terra, uma associação civil, sem
fins lucrativos, que promove a recuperação da Mata Atlântica no Vale do Rio
Doce há 16 anos.
IHU On-Line - Qual é a situação da Mata Atlântica hoje no Brasil? Que percentual dela ainda está preservado?
IHU On-Line - Qual é a situação da Mata Atlântica hoje no Brasil? Que percentual dela ainda está preservado?
Jaeder
Lopes Vieira - O percentual preservado gira em torno de 8,5% do remanescente,
mas o problema é que esse remanescente está isolado, ou seja, existem vários
fragmentos da Mata Atlântica isolados uns dos outros e esse isolamento pode
levar a floresta à extinção.
A
Degradação da floresta leva à degradação de vários serviços ambientais que essa
floresta proporciona ao homem, ou que naturalmente proporcionaria se estivesse
preservada. Por exemplo, a limpeza dos rios, que hoje é necessária, seria feita
se houvesse mais áreas de florestas preservadas próximo aos rios, mas muitos
serviços ambientais estão deixando de ser realizados por conta de estarmos
ocupando essas áreas.
IHU
On-Line - Em que regiões do país ainda há maior concentração de Mata
Atlântica?
Jaeder
Lopes Vieira - A Mata Atlântica vai do Rio Grande do Sul ao Rio Grande do Norte
e os fragmentos continuam espalhados nessas regiões, em alguns lugares mais e
em outro menos. Mas o importante é tentarmos conectar esses fragmentos; esse é
o nosso grande desafio para o futuro. Já temos várias iniciativas, e o Código
Florestal vem ao encontro de buscar essa solução, mas falta, na prática,
realizarmos mais ações para recuperar as florestas.
IHU
On-Line - Quais são os desafios em torno de regenerar a Mata Atlântica?
O que significa refazer a biodiversidade da floresta?
Jaeder
Lopes Vieira - Na verdade existem iniciativas de governo e de organizações não
governamentais, como a do Instituto Terra, e há iniciativas também do setor
privado, tanto de empresas quanto de pessoas. Quando pensamos na extensão da
Mata Atlântica e imaginamos que tem mais de 85% de área a recuperar, percebemos
que o desafio é enorme, ou seja, não há só um desafio técnico, mas também um
desafio financeiro e de mobilização da sociedade, porque grande parte dessas
áreas está nas mãos de proprietários rurais. Esses
proprietários rurais, no passado, foram incentivados a retirar a mata, e hoje
temos que pensar que a sociedade tem de ajudá-los a recuperar a Mata Atlântica,
porque os custos da recuperação não são baixos. Evidentemente, há várias
técnicas que podem ser aplicadas, as quais podem diminuir ou aumentar o custo
de reflorestamento, mas, de toda sorte, pelo tamanho da área, os recursos não
são baixos.
Então,
em primeiro lugar precisamos de uma política pública de incentivo aos
proprietários rurais, ou seja, é preciso retirar do papel o pagamento de
serviços ambentais, porque a recuperação dessas áreas irá gerar benefícios aos
homens. Por isso, os proprietários rurais deveriam receber um valor para
recuperar e conservar essas áreas. Assim, o primeiro desafio é não aumentar o
desmatamento, ou seja, preservar os fragmentos que aí estão; o segundo é
remunerar o produtor para que ele possa fazer a recuperação das outras áreas
que não foram reflorestadas.
Há
um desafio também técnico no sentido de que hoje, por exemplo, nós não temos
nem mudas suficientes para fazer a recuperação da Mata Atlântica. Mesmo se
tivéssemos dinheiro, há um limite em relação à quantidade de viveiros
suficientes para empreitada que temos pela frente. Depois, precisamos mapear
essas áreas que precisam ser reflorestadas e protegê-las dos fatores de
degradação. A maior parte desses fragmentos, que seriam possíveis de se
regenerar naturalmente, não está se regenerando por causa pisoteio do gado e
pela entrada de fogo; esses são dois fatores importantes que temos de combater.
“O caminho para solucionar a crise hídrica é começar
a recuperar e conservar as nascentes”
IHU
On-Line - Em que consiste refazer a biodiversidade? O senhor sempre
insiste que não basta plantar árvores. Pode nos explicar melhor em que consiste
essa concepção?
Jaeder
Lopes Vieira - A floresta não é só árvore; a floresta que só tem árvore não é
floresta. Floresta tem toda uma biodiversidade de animais e de plantas
interagindo com o ambiente, ou seja, em intensa interação com o solo e com a
atmosfera, reciclando nutrientes e fazendo com que esses nutrientes se
convertam ora em matéria orgânica, ora em matéria inorgânica. Então, a floresta
é muito mais do que a vegetação em si e que as árvores propriamente ditas;
existem outros elementos não arbustivos que fazem parte da floresta e que são
fundamentais para manutenção dela.
Mas
é lógico que, num primeiro momento, quem faz essa conversão da matéria
inorgânica em matéria orgânica são os vegetais; eles são os únicos capazes de
fazer isso, através da fotossíntese. Por isso, o primeiro passo é aumentar a
proteção da mata para o solo, ou seja, quando se tem árvores, se consegue,
através dessas árvores, diminuir a primeira degradação da gota da chuva direta
no solo, arrastando esse solo para os cursos d’água e, com isso, é possível
diminuir o assoreamento dos cursos d’água. Desse modo, é preciso aumentar a
cobertura vegetal para proteger o solo e, evidentemente, devemos ter a maior
diversidade de vegetação possível, porque isso permite a entrada da fauna na
floresta. Ou seja, nós temos que realmente fazer reflorestamento visando uma
maior diversidade possível para que a fauna possa ter alimento suficiente ao
longo de todo o ano. Plantar é fundamental, mas é preciso plantar visando um
aumento da diversidade da vegetação.
IHU
On-Line - Diversas empresas de celulose mantêm projetos florestais. É
possível chamar essas plantações de florestas? Como o senhor vê esse debate
entre as florestas plantadas com espécies nativas e exóticas?
Jaeder
Lopes Vieira - Creio que toda a iniciativa é importante. Acredito que a
monocultura de qualquer coisa que seja, é impactante, independente de ser
pinus, eucalipto, seringueira, inclusive. As empresas de celulose, hoje, têm
uma responsabilidade socioambiental muito grande, até porque elas trabalham com
commodities. Assim, há a preocupação hoje de não levar o plantio de eucalipto
até, por exemplo, as nascentes e até os cursos d’água. Para eles é fundamental,
inclusive, a preservação dos fragmentos de floresta. Há uma preocupação muito
grande de preservar os fragmentos e não entrar nas áreas que são mais sensíveis
ambientalmente, que são as áreas que o Código Florestal identifica
como passíveis de conservação.
IHU
On-Line - Como é feita, no Brasil, a reestruturação ecológica de áreas
florestais degradadas? O país tem uma preocupação em restaurar essas terras?
Existe alguma política pública nesse sentido?
Jaeder
Lopes Vieira - Existe um instrumento no Código Florestal, que é o Pagamento por
Serviços Ambientais - PSA. Conheço duas iniciativas nesse sentido: uma em
Vitória, no Espírito Santo, do governo do estado, e outra do governo de Minas
Gerais. Nesses casos, o estado paga por floresta em pé — florestas e fragmentos
já existentes — e também pela restauração e conversão de áreas não florestais
em áreas florestais, com floresta de Mata Atlântica. Trata-se de uma iniciativa
de pagar o produtor para que ele possa converter essas áreas ou então para
mantê-las em pé.
Evidentemente
que esse valor nunca será maior do que o custo de oportunidade que o produtor
tem na produção dele, mas essas são áreas que, segundo o Código Florestal,
deveriam estar em conservação. Assim, essas são iniciativas que incentivam o
produtor a converter essas áreas. Essas duas iniciativas são leis estaduais que
têm gerado um resultado positivo. Creio que deveria ser ampliado para o governo
federal também e até para os municípios.
“Plantar é fundamental, mas é preciso plantar
visando um aumento da diversidade da vegetação”
IHU
On-Line - Alguns ambientalistas chamam atenção para a degradação do
cerrado, da caatinga, alertando para o fato de que essas áreas podem chegar a
uma situação de degradação igual a da Mata Atlântica no futuro. O senhor
identifica alguma relação entre a degradação do cerrado, caatinga e outros
biomas com a degradação da Mata Atlântica?
Jaeder
Lopes Vieira - Sim. Quando vemos essas aberturas de novas áreas, não vemos
sentido nisso, porque há áreas na Mata Atlântica com produtividade muito baixa.
A área de pecuária, por exemplo, é baixíssima, com número de 0,6 cabeças de
gado por hectare, porque o ambiente foi tão degradado que ele já não dá
respostas produtivas. Então, ao invés de abrir novas áreas, é preciso recuperar
essas áreas que já estão abertas e desflorestadas. Infelizmente, ao invés de
ocupar uma área da Mata Atlântica que já está degradada, as pessoas seguem para
novas fronteiras que têm floresta, onde o solo ainda tem uma matéria orgânica
fértil. Aí as pessoas retiram a floresta, implantam uma produção agrícola que,
inclusive, na Amazônia não passa de três ciclos (três anos).
Por
conta dessa baixa produtividade nas áreas desflorestadas, o agronegócio está
buscando novas fronteiras. Entretanto, é possível recuperar essas áreas
tranquilamente, pois já existem tecnologias da Embrapa e de outros órgãos de pesquisa,
as quais viabilizam a recuperação dessas áreas degradadas para produção.
IHU
On-Line - E existem relações entre a crise hídrica e a degradação da
Mata Atlântica?
Jaeder
Lopes Vieira - Essa relação é direta; não tenho nenhuma dúvida disso. O que mantém
os rios perenes? São as nascentes; se elas forem perenes, os rios serão
perenes. Se protegermos as matas ciliares e não deixarmos o arrasto do material
ir para dentro do rio, evitamos que o rio se torne assoreado e ele será perene
também. Então, a relação é direta, e o caminho para solucionar a crise hídrica
é começar a recuperar e conservar as nascentes. Este é o caminho que temos que
trilhar o mais rápido possível.
IHU
On-Line - Quais as ações do Instituto Terra para reflorestar a Mata
Atlântica?
Jaeder Lopes Vieira - Nós temos duas grandes
linhas de trabalho: uma é a restauração de áreas degradadas — e a nossa fazenda
funciona como laboratório e como sede da nossa organização —, e a outra é a
recuperação de nascentes fora da fazenda. Atingimos o número de mil nascentes e
temos um projeto ambicioso para o Vale do Rio Doce, que é um Vale com uma
superfície do tamanho de Portugal, de 85.000 km². Estimamos que haja 375.000
nascentes no Vale do Rio Doce, que está localizado entre os estados de Minas
Gerais e Espírito Santo, e nós estamos apresentando à sociedade um projeto para
recuperar essas 375 mil nascentes ao longo dos próximos 30 anos. (ecodebate)
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