Setor
energético quadruplica emissões brasileiras de gases do efeito estufa
OC
apresenta análise inédita das emissões brasileiras entre 1970 e 2013, além de projeções
para os próximos anos; documento inclui recomendações para políticas de clima
no Brasil.
O
Observatório do Clima (OC) acaba de divulgar uma análise ampliada sobre as
emissões brasileiras de gases do efeito estufa (GEE), entre 1970 e 2013. Nesse
período, o setor de energia — que inclui produção e consumo de combustíveis e
energia elétrica — quadruplicou seus níveis de GEE, chegando a 2013 com 29% das
emissões brasileiras. Nenhum outro setor teve crescimento tão acelerado e em
níveis tão altos de emissão.
A
análise permite traçar uma curva de emissões brasileiras em toda a economia e
projetá-las para os próximos anos. O resultado é preocupante: embora o Brasil
ainda tenha chance de cumprir a meta proposta em 2009 (de reduzir suas emissões
em 2020 em relação à tendência), tudo indica que daqui a cinco anos essa
trajetória será ascendente. Isto é: o país estará na contramão da recomendação
da ciência de declínio das emissões para evitar os piores efeitos do
aquecimento global. Caso o desmatamento na Amazônia saia do controle, nem a
meta de 2009 será cumprida.
Os
dados foram levantados pelo SEEG, o Sistema de Estimativa de Emissões de Gases
de Efeito Estufa, plataforma de acesso aberta criada pelo OC (www.seeg.eco.br). Além de relatórios analíticos com informações
atualizadas sobre as emissões de cinco setores da economia (agropecuária,
energia, processos industriais, mudança de uso da terra e tratamento de
resíduos), o SEEG também lançou hoje um documento-síntese, que identifica
alguns dos principais desafios do Brasil para reduzir os gases que provocam o
aquecimento global. Dessa forma, procura auxiliar na contribuição do país para
um novo acordo climático global, a ser firmado na COP21, que acontecerá em
Paris, em dezembro.
“É
muito importante que o Brasil volte ao seu papel de protagonista nas discussões
climáticas mundiais. Com essa análise em mãos, a sociedade terá melhor
condição de cobrar das lideranças brasileiras a proposição de metas
adequadas à realidade do país”, afirma André Ferretti, gerente de estratégias
de conservação da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza e coordenador
geral do OC.
Só
nos últimos cinco anos, as emissões da área energética aumentaram 34%. “A
expansão se deve à queda da participação do etanol, ao aumento do consumo de
gasolina e diesel, além do incremento de geração termelétrica no Brasil”,
informa Carlos Rittl, secretário-executivo do OC. Para ele, essa tendência é
alarmante, mesmo quando comparada àquele que ainda é o pior vilão das emissões
brasileiras, o desmatamento (que respondeu por 35% do total dos GEE do Brasil
em 2013).
Montanha-russa
de números
O
relatório do SEEG traz conclusões positivas, pelo menos, à primeira vista. Por
exemplo, o setor de mudança no uso do solo (desmatamento) apresentou uma
redução de mais da metade de participação nas últimas duas décadas — de 70%,
nos anos 1990, caiu para 35% em 2013. Essa queda, somada a um cálculo inflado
de aumento do PIB, foi a principal responsável por colocar o Brasil no trilho
de cumprir a meta de reduzir emissões em 36,1% a 38,9% em 2020 em relação à
tendência.
No
entanto, Tasso Azevedo, coordenador do SEEG, alerta que não dá para deitar nos
louros. “As emissões ligadas à mudança do uso da terra atingiram seu valor mais
baixo em 2012 (32%), mas, em 2013, voltaram a subir (para 35%). O principal
motivo foi o aumento do desmatamento na Amazônia”, argumenta Azevedo. Como
medida elementar para auxiliar na desaceleração do aquecimento global, ele
frisa que “é imprescindível acabar com o desmatamento, ilegal e legal”.
Já
na área energética, André Ferreira, diretor-presidente do Instituto de Energia
e Meio Ambiente (Iema), explica que se registrou no período em foco uma
evolução das emissões por fonte primária, com amplo predomínio do petróleo (72%
em 2013), seguido do gás natural (17%) e do carvão (6%). “Ao mesmo tempo, a
participação de fontes renováveis na matriz energética brasileira, que nos 1990
chegou a superar 50%, caiu para 41% em 2013”.
Panorama
total
A
agropecuária aparece como a terceira maior responsável pelas emissões do
Brasil, com 27% do conjunto. Desde 1970, a taxa já cresceu 160%. Os principais
contribuintes são o metano emitido pelo gado e o uso de fertilizantes
nitrogenados. A grande oportunidade aqui está no manejo correto e na
recuperação das pastagens degradadas. “Quando bem manejados, mesmo os pastos
podem ajudar a neutralizar carbono, sem dizer que as técnicas acabam por
proporcionar um crescimento considerável da produção”, explica Marina Piatto,
do Imaflora, que analisou essas estimativas.
Processos
industriais é o penúltimo colocado (6% das emissões totais de 2013). As
emissões nesse setor mais do que triplicaram entre 1970 e 1990 e, desde então,
quase dobraram. Os segmentos que mais contribuíram para essa situação no ultimo
ano do estudo foram a siderurgia e a produção de cimento — 52% somadas. Com
base nisso, André Ferreira, do Iema, assegura que “a queda dessas emissões
depende de aumentos da eficiência energética, inovações em processos, a exemplo
do uso de carvão vegetal na siderurgia”.
O
setor de resíduos responde pela menor parcela de emissões no Brasil com 3% do
total em 2013. A cifra representa um crescimento de 300% desde 1970, porém, com
números totalizados muito menores dentro do conjunto de emissões do país. O
tratamento correto de resíduos tende, no primeiro momento, a acelerar as
emissões, por envolver processos que potencializam as emissões de metano (de
lixão para aterro controlado, por exemplo). “Para uma maior eficiência, é
necessário universalizar o tratamento biológico de resíduos sólidos e esgoto no
Brasil com o aproveitamento do biogás e dos materiais recicláveis”, assinala
Igor de Albuquerque, do Iclei, que coordenou o relatório analítico do setor.
Pará,
campeão nacional das emissões
Na
versão mais recente do SEEG foi possível alocar mais de 90% das emissões de
gases de efeito estufa nos Estados brasileiros ao longo de todo o período
estudado. Focando em 2013, Pará e Mato Grosso figuram como os maiores emissores
do país, devido ao desmatamento e à atividade pecuária. Logo em seguida vêm São
Paulo e Minas Gerais, onde predominam emissões do setor de energia
(especialmente o transporte) e, no caso mineiro, o gado leiteiro.
Embora
o Brasil tenha passado por avanços importantes no que diz respeito às políticas
públicas voltadas às mudanças climáticas, as análises do SEEG indicam que o
país ainda não incorporou uma estratégia de desenvolvimento que leve em conta o
controle das emissões de gases do efeito estufa. “As inciativas do governo federal,
derivadas da Política Nacional sobre Mudança Climática, de 2009, têm escala
muito tímida, e são frequentemente atropeladas por outras, como os subsídios à
gasolina e o incentivo ao carro”, pondera Carlos Rittl. “É como se houvesse
dois governos em ação: um que elabora políticas avançadas de descarbonização e
outro que sabota sistematicamente essas políticas.”
O
resultado é que o país não aproveita as oportunidades e as vantagens únicas que
uma economia de baixo carbono pode oferecer. “A governança que sustenta as
políticas públicas brasileiras relacionadas às mudanças climáticas não é
claramente estabelecida. O país ainda não possui um sistema claro de
monitoramento e avaliação para todas as políticas públicas ou para o conjunto
de iniciativas sobre mudanças do clima e de cada um dos planos setoriais”,
finaliza Rittl.
Sobre
o SEEG
O
SEEG (Sistema de Estimativas
de Emissões de Gases de Efeito Estufa) é uma iniciativa do Observatório do Clima que
compreende a produção de estimativas anuais das emissões de gases de efeito
estufa (GEE) no Brasil, documentos analíticos sobre a evolução das emissões e
um portal na internet para disponibilizar, de forma simples e clara, os métodos
e dados gerados no sistema.
As
informações são sistematizadas de acordo as diretrizes do IPCC (Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), com base em Inventários
Brasileiros de Emissões e Remoções Antrópicas de Gases do Efeito Estufa —
elaborado pelo MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação) — e em dados
obtidos junto a relatórios governamentais, institutos, centros de pesquisa,
entidades setoriais e organizações não governamentais.
Entre
meados de 2014 e meados de 2015, foi desenvolvida a segunda versão do SEEG que,
além de revisar as estimativas para o período 1990-2012 e incluir as
estimativas de emissões para o ano de 2013, acrescenta as estimativas de
emissões nacionais desde 1970 e, pioneiramente, apresenta uma primeira
aproximação da distribuição das emissões por unidade da federação ao longo de
todo o período. (ecodebate)
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