Secas e enchentes: dois sintomas da perda de 70% das áreas
úmidas na Bacia do Rio dos Sinos, RS.
Nos
últimos 30 anos, a Bacia hidrográfica do Rio dos Sinos perdeu 70% dos seus
banhados, e os impactos dessa redução de áreas úmidas são visíveis nos municípios da região, especialmente
nos períodos de seca e enchentes, diz Rafael Gomes de Moura em entrevista por telefone à IHU On-Line. “No verão passado, por exemplo, Novo Hamburgo e São Leopoldo
tiveram dificuldades muito grandes no tratamento da água justamente por conta do baixo nível do rio e da falta
de áreas úmidas na Bacia. Já nos períodos de cheias, como ocorreu neste ano e
no ano passado, acontece o processo inverso, de inundação nas cidades”, relata.
A diminuição dos banhados também afeta a flora
e a fauna no entorno da Bacia, especialmente a reprodução dos
peixes. “As áreas de banhado servem como criadouros de peixes, além de serem um
habitat que concentra uma biodiversidade biológica muito grande. (…) À medida
que se reduzem essas áreas de alimentação, se reduz também o habitat de
alimentação e reprodução dos peixes. Não vemos o impacto disso de modo mais
visível porque na
Bacia do Rio dos Sinos não
existem tantos pescadores, mas quem pesquisa a área de peixes percebe que houve
uma redução de peixes na Bacia”, afirma.
De
acordo com ele, o processo de redução das áreas úmidas da Bacia está
em curso desde a década de 80, quando houve a expansão das cidades na região, e
os banhados que já “foram suprimidos não serão recuperados”. O que se pode
fazer, frisa, é preservar os 30% de áreas úmidas existentes através dos Planos Diretores das Cidades.
Rafael Gomes de Moura é graduado em Biologia pela Unisinos, onde também
cursou o doutorado na mesma área, com a tese intitulada Análise espacial da Bacia
Hidrográfica do Rio dos Sinos.
IHU On-Line – Como você chegou à conclusão de que
70% dos banhados da Bacia Hidrográfica do Rio dos Sinos foram perdidos?
Rafael
Gomes de Moura - Eu fiz doutorado em Biologia na Unisinos, com a orientação do professor Uwe Schulz. Minha
pesquisa consistiu em fazer um mapeamento da distribuição dos peixes na Bacia do Rio dos Sinos, e para isso precisei investigar qual era a situação
dos banhados e da mata ciliar dentro da Bacia. O mapeamento dos banhados foi feito através da análise de imagens históricas da
Bacia, disponibilizadas pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE.
Então,
analisei imagens das décadas de 1970 e 1980, e consegui classificar os banhados
da Bacia a partir da análise das imagens do ano de 1985. Posteriormente, para
identificar quais foram os anos em que houve maior impacto nos banhados, fiz uma
classificação em períodos de 10 em 10 anos, analisando, portanto, as imagens
dos anos de 1995 e 2005. O resultado desse mapeamento nos surpreendeu bastante.
IHU On-Line – Quais são as implicações ambientais
dessa conclusão para a Bacia do Rio dos Sinos?
Rafael
Gomes de Moura - A perda das áreas de banhados acarreta outros impactos,
alguns dos quais a Bacia já vem sofrendo
atualmente. As áreas de banhado servem como criadouros de peixes, além de serem
um habitat que concentra uma biodiversidade biológica muito grande. Nessas
áreas se desenvolve uma cadeia alimentar que fornece nutrientes para todo o
sistema biológico do rio ao longo da Bacia; além disso, os banhados servem como
filtros de toxinas e contribuem com os ciclos biológicos dentro de um sistema aquático.
Assim,
a perda dessas áreas, além de causar um impacto em toda a biodiversidade da Bacia, causa um impacto direto principalmente na
qualidade da água, pois em rios sem banhados a qualidade da água é muito ruim.
Entre os principais problemas que já se evidencia na Bacia do Rio dos Sinos, destaca-se a baixa reprodução dos peixes e problemas
de oxigenação da água. Isso porque no verão a água esquenta muito e o nível de
oxigênio diminui, provocando a mortandade dos peixes. Esse é um sintoma claro
de um rio sem banhado.
As áreas de banhados fazem o papel de uma “esponja”, concentrando e
acumulando água. Portanto, sem essas áreas, os rios ficam mais retilíneos.
Hoje, a água produzida na Bacia do Rio dos Sinos é escoada diretamente para o Guaíba, ou seja, não se acumula mais água na Bacia, porque
as áreas de infiltração, que são as áreas de várzea, viraram cidades. O
problema disso é que nas épocas de seca não se tem água filtrada na Bacia e,
portanto, quando a água do rio baixa, as regiões de agricultura sofrem com a
falta de água e, com isso, a produção agrícola diminui. Além disso, a qualidade
da água fica muito ruim. No verão passado, por exemplo, Novo Hamburgo e São Leopoldo
tiveram dificuldades muito grandes no tratamento da água justamente por conta do
baixo nível do rio e da falta de áreas úmidas na Bacia.
Já
nos períodos de cheias, como ocorreu neste ano e no ano passado, se dá o
processo inverso, de inundação das cidades.
Isso acontece porque o excesso de água deixa de ir para as áreas de várzea – porque
elas não existem mais – e passa a ir para as cidades. Antes, as áreas de
banhados concentravam esse excesso de água.
IHU On-Line – Em que regiões da Bacia houve mais
perda de banhados e, de outro lado, em que regiões os banhados ainda estão
conservados?
Rafael
Gomes de Moura - É possível verificar quais são essas áreas através da análise
das imagens de satélite do Google, mas
eu não fiz diretamente esse estudo. Mas em geral os municípios de Novo Hamburgo, São Leopoldo, Esteio
e Sapucaia do Sul são os que
mais cresceram nas regiões de várzea. Além desses, os municípios de Parobé e Igrejinha
também carecem de áreas de banhados, porque cresceram muito.
IHU On-Line – De que modo a redução dos banhados tem
impactado a reprodução dos peixes na Bacia do Rio dos Sinos?
Rafael
Gomes de Moura - O impacto se dá principalmente na reprodução dos peixes. Essas áreas de banhado, além de servirem como área
de reprodução, produzem macroinvertebrados — insetos aquáticos muito grandes —,
os quais se reproduzem por conta da quantidade de plantas que servem de
alimentos para eles. Então, à medida que se reduzem essas áreas de alimentação,
se reduz também o habitat de alimentação e reprodução dos peixes. Não vemos o
impacto disso de modo mais visível porque na Bacia do Rio dos Sinos não existem tantos pescadores, mas quem pesquisa a
área de peixes percebe que houve uma redução de peixes na Bacia.
IHU On-Line – Diante desse diagnóstico, o que é
possível fazer?
Rafael
Gomes de Moura - Os banhados que foram
suprimidos não serão recuperados porque, nas áreas onde havia esses banhados,
hoje existem cidades. Houve um processo de aterro nessas áreas, o fluxo do rio
já foi alterado e a dinâmica topográfica também. Portanto, o processo é
irreversível. O que se pode fazer hoje — e é isso que o Comitê de Gerenciamento da Bacia
Hidrográfica do Rio dos Sinos – Comitesinos está fazendo — é conservar os aproximadamente 30% de
áreas úmidas que ainda temos dentro da Bacia do Rio dos Sinos.
IHU On-Line – É possível conciliar a preservação
dessas áreas com a contínua expansão das cidades?
Rafael
Gomes de Moura - Acredito que há uma
forma de conservar essas áreas úmidas através dos Planos Diretores dos Municípios, os quais podem ser mais focados para
garantir essa conservação. Se nos anos 80 tivéssemos Planos Diretores que
informassem e delimitassem as regiões de banhado, teríamos tido condições de
preservar essas áreas e certamente hoje teríamos uma gestão ambiental da Bacia
completamente diferente.
Precisamos
pensar daqui para frente, porque os banhados são
fundamentais para preservar a água da Bacia. A Bacia do Rio dos Sinos é
uma área completamente atípica em relação a outras bacias hidrográficas, pois
ela ainda produz água nas suas nascentes, que estão na região da serra.
(ecodebate)