Mudanças
climáticas poderão aumentar o quadro de doenças tropicais nos próximos 40 anos.
O
aumento de temperatura associado a períodos de chuvas e secas extremas,
conforme projetam os estudos sobre as mudanças climáticas, poderão gerar um
impacto na proliferação de doenças causadas por mosquitos transmissores.
Segundo o professor Ulisses Confalonieri, “em 2040 se estima que a temperatura
aumentará 2,5°C em alguns municípios do Paraná” e, por conta disso, o quadro de
algumas doenças poderá aumentar. “As doenças transmitidas por mosquito, por
exemplo, geralmente decorrem de uma temperatura mais alta e de algum grau de
umidade, porque esses fatores sempre aceleram a proliferação de mosquitos”,
diz.
Confalonieri
explica ainda que a “a existência de uma maior ou menor população de mosquito
transmissor” vai depender da “variação climática”. “Por exemplo, no Rio Grande
do Sul, na maior parte do ano, dificilmente haverá transmissão continuada
desses vírus, porque nessa região é bastante frio e o mosquito não consegue
transmitir as doenças. Se a temperatura média nessas regiões mais frias
aumentar, há um risco de expansão da transmissão do vírus de forma mais
continuada”, exemplifica na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU
On-Line.
A
prevenção desse cenário, diz, dependerá de ações localizadas segundo o grau de
vulnerabilidade de cada município. “Se existe uma vulnerabilidade por causa de
deficiência no sistema de saúde local, isso tem que ser corrigido. Existem
várias ações específicas, no setor de saúde, que precisam e devem ser feitas,
independentemente da mudança do clima, como controlar o mosquito, educar a
população para não deixar água acumulada e para evitar que o mosquito se
prolifere dentro de casa. Agora, se o município tem problemas de drenagem
urbana, isso é algo específico que precisa ser melhor visto em virtude do
aumento de chuvas naquela região”. Além disso, adverte, municípios
ambientalmente “devastados” e “desmatados”, “como é o caso do Paraná, que só
tem duas regiões com floresta preservada – Serra do Mar, na região litorânea, e
a região de Foz do Iguaçu -, tendem a enfrentar maiores problemas por conta das
mudanças climáticas”.
Ulisses
Confalonieri é graduado em Medicina Veterinária pela Universidade Federal Rural
do Rio de Janeiro – UFRRJ e em Medicina pela Universidade Federal do Estado do
Rio de Janeiro – Unirio, e é mestre e doutor em Ciências pela UFRRJ. Atualmente
é professor da Fundação Oswaldo Cruz e da Universidade Federal Fluminense.
Confira
a entrevista.
IHU
On-Line – Em que consiste a pesquisa coordenada pelo senhor, a qual mapeia as
mudanças do clima no Paraná e em outros estados?
Ulisses
Confalonieri – Essa pesquisa é resultado de um convênio entre o Ministério do
Meio Ambiente, que tem uma Secretaria de Mudanças Climáticas, e a Fiocruz, para
criar um modelo de análise de vulnerabilidade de municípios por conta das
mudanças climáticas nos próximos anos. Como não é possível fazer isso no país
inteiro, então nessa etapa da pesquisa escolhemos seis estados, um de cada
região, mais o Maranhão, que é uma região de transição entre o Nordeste e a
Amazônia, para fazer uma análise comparativa dos municípios dentro de cada
estado. Já tínhamos uma experiência de quase 15 anos trabalhando nessa linha de
investigação, na Fiocruz do Rio e em Belo Horizonte, e o Ministério nos
solicitou esse projeto. Depois de analisarmos a situação de vulnerabilidade dos
municípios, faremos um treinamento, no primeiro semestre do ano que vem, com
técnicos dos governos estaduais, para que eles possam usar a ferramenta
desenvolvida pelo projeto, que é um software específico para fazer as análises
de dados para o conjunto de municípios.
Então,
a estrutura socioambiental de cada município, somada com as projeções
climáticas acerca de quais regiões de cada estado terão uma situação climática
mais sensível e problemática em termos de prováveis impactos, possibilitará que
os governos encontrem estratégias de lidar com essas questões. A situação de
cada município é particular, porque alguns são mais pobres, desaparelhados e
não têm uma boa estrutura de governança. Outros municípios estão em regiões
para as quais se projeta, por exemplo, aumento de eventos extremos e aumento de
temperatura. Os municípios em que não há perspectiva de mudança do clima e que
são municípios mais desenvolvidos, mais aparelhados, nos quais tem Defesa
Civil, tem infraestrutura de saneamento e não tem tantas doenças, estão em uma
situação melhor. Então, a partir desse software, o gestor estadual de cada
região poderá orientar políticas públicas visando à melhoria de alguns setores
enquanto há tempo, já que esse cenário de mudança climática é previsto para só
daqui a 20 anos.
IHU
On-Line – Quais são as doenças associadas às mudanças climáticas? De que modo
as mudanças climáticas previstas para as próximas duas décadas podem
influenciar a dinâmica de algumas doenças?
São
muitas as doenças associadas às mudanças climáticas
Ulisses
Confalonieri – São muitas as doenças associadas às mudanças climáticas. As
doenças transmitidas por mosquito, por exemplo, geralmente decorrem de uma
temperatura mais alta e de algum grau de umidade, porque esses fatores sempre
aceleram a proliferação de mosquitos. Então há um risco maior de transmissão
dos vírus da zika, dengue e chikungunya. Outras doenças estão relacionadas à
água, então, em regiões onde há perspectiva de aumento de chuvas, com
inundações, há um risco maior de doenças como a leptospirose.
Existem
algumas outras doenças que são transmitidas por animais, como a hantavirose,
sobre a qual ainda não temos uma ideia clara de como poderá ser alterada por
conta das mudanças climáticas, mas em maiores períodos de seca, o risco de
transmissão da hantavirose pode aumentar. Isso é o que posso dizer em linhas
gerais, pois não apontamos, para cada município, um risco específico de
doenças. Consideramos as doenças, nas análises, da seguinte maneira: os
municípios que têm uma carga maior de doenças estão em uma situação de maior
vulnerabilidade, porque já enfrentam problemas com dengue, leishmaniose e
leptospirose, e isso pode piorar, dependendo da infraestrutura do serviço de
saúde e de vários outros fatores. Usamos, portanto, esses dados como
indicadores de vulnerabilidade, não como um risco específico de aumentar uma determinada
doença.
IHU
On-Line – Mas os atuais quadros de epidemia de zika, chikungunya e dengue podem
estar já associados a efeitos das mudanças climáticas que estão em curso, ou
ainda não?
Ulisses
Confalonieri – O início da epidemia não, pois ele tem a ver com a entrada do
vírus no país por algum mecanismo, provavelmente alguma pessoa infectada e sem
sintomas e, obviamente, está relacionado também com a falta da imunidade da
população e com a presença do mosquito no país há muitos anos. Então, isso é o
que desencadeia a epidemia. Agora, a variação climática pode favorecer a
existência de uma maior ou menor população de mosquito transmissor.
Por
exemplo, no Rio Grande do Sul, na maior parte do ano, dificilmente haverá
transmissão continuada desses vírus, porque nessa região é bastante frio e o
mosquito não consegue transmitir as doenças. Se a temperatura média nessas
regiões mais frias aumentar, há um risco de expansão da transmissão do vírus de
forma mais continuada. O mosquito até resiste durante a seca, mas não resiste a
temperaturas baixas: ele fica meio inativo. Portanto, a transmissão de dengue
durante o inverno, no país todo, de modo geral, é bem menor. Por outro lado, a
transmissão é maior quando a população do mosquito aumenta por conta da chuva e
do calor.
Os
modelos climáticos, quase todos, apontam para o aumento da temperatura nas
próximas duas décadas, mas na questão da chuva há uma variação grande: em
algumas regiões há indicação nítida de redução de chuvas e, em outras, há
indicação de aumento de chuvas. No Paraná, por exemplo, e na região Centro-Sul,
em um grupo pequeno de municípios, a previsão é de aumento e de concentração de
chuvas, o que consequentemente causa desastres: inundações, queda de barreiras,
queda de morros, deslocamento de encostas, que são os chamados eventos
meteorológicos extremos. Agora, na maior parte de modelos e das regiões que já
estudamos até o momento, há uma indicação de redução de chuvas, e isso pode
ocasionar um impacto enorme na produção agrícola, por exemplo, e esse é o
impacto econômico dos efeitos climáticos, por assim dizer.
Em
países tropicais, como o Brasil, dificilmente teremos impacto direto de
temperatura alta, porque o país é tropical, as pessoas estão acostumadas com
temperaturas altas, assim, não há aquelas ondas de calor como as que
aconteceram em 2003 na Europa, na França, principalmente, que mataram milhares
de pessoas porque ninguém aguentava 38°C de temperatura durante uma semana. Em
Porto Alegre, no verão faz 38°C, então as pessoas já estão mais ou menos
adaptadas, principalmente os idosos, doentes crônicos, doentes pulmonares e
doentes cardiovasculares.
Em
10 anos – de 2004 a 2013 -, a Amazônia teve as duas piores secas em 100 anos e
as três piores enchentes em 100 anos.
Desastre
climático no Brasil geralmente é de seca ou chuva extrema, ou seja, muita chuva
em pouco tempo, levando a uma concentração de chuvas, o que gera um impacto nas
grandes cidades e na zona rural. Inclusive, na zona rural tem havido muitos
eventos extremos, com impactos terríveis, como na Amazônia. Em 10 anos – de
2004 a 2013 – a Amazônia teve as duas piores secas em 100 anos e as três piores
enchentes em 100 anos. Com isso é possível perceber que o clima está oscilando
muito e causa enormes problemas.
IHU
On-Line – Seca, chuvas e aumento da temperatura ligados a eventos extremos
serão os principais impactos ocasionados pelas mudanças climáticas nas próximas
duas décadas?
Ulisses
Confalonieri – Isso é o que nos indicam os modelos feitos na região do Paraná.
Mas em outras regiões, como Santa Catarina e Rio Grande do Sul, ainda não temos
os modelos municipalizados. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE
produz cenários regionalizados, ou seja, eles partem de um modelo global de
clima, o regionalizam para a América do Sul, mas a informação que eles nos
passam é um quadrado da superfície terrestre medindo 20 x 20 quilômetros. O que
nós fazemos é a interpolação com geoprocessamento e com isso conseguimos obter
um parâmetro numérico para cada município. As informações que temos a partir
desse estudo é de que em 2040 se estima que a temperatura aumentará 2,5°C em
alguns municípios do Paraná.
IHU
On-Line – Então as ações para prevenir a proliferação de doenças por conta das
mudanças climáticas devem ser localizadas nos municípios de acordo com a
particularidade de cada município? Que políticas públicas deveriam ser
implantadas tendo em vista esse cenário e considerando a vulnerabilidade dos
municípios?
Ulisses
Confalonieri – Se existe uma vulnerabilidade por causa de deficiência no sistema
de saúde local, isso tem que ser corrigido. Existem várias ações específicas,
no setor de saúde, que precisam e devem ser feitas, independentemente da
mudança do clima, como controlar o mosquito, educar a população para não deixar
água acumulada e para evitar que o mosquito se prolifere dentro de casa. Agora,
se o município tem problemas de drenagem urbana, isso é algo específico que
precisa ser melhor visto em virtude do aumento de chuvas naquela região. A
vulnerabilidade dos municípios, portanto, é determinada por várias
características. O que fazemos é apontar, nos municípios especificamente, o que
é mais frágil: o serviço de saúde ou saneamento etc.
Em
boa parte do estado do Paraná existem plantações do agronegócio e, por conta
disso, o estado fica completamente vulnerável à seca.
Por
exemplo, nos municípios em que a vegetação nativa e os ecossistemas naturais
estão preservados, há menos impacto de chuva forte. Então, municípios muito
devastados, desmatados, como é o caso do Paraná, que só tem duas regiões com
floresta preservada – Serra do Mar, na região litorânea, e a região de Foz do
Iguaçu -, tendem a enfrentar maiores problemas por conta das mudanças
climáticas. Em boa parte do estado do Paraná existem plantações do agronegócio
e, por conta disso, o estado fica completamente vulnerável à seca, e a terra da
agroindústria fica fisicamente vulnerável ao excesso de chuvas, porque está
desprotegida.
IHU
On-Line – Quais os desafios postos para o Brasil nos próximos 25 anos no
enfrentamento de doenças que podem ser agravadas por conta das mudanças
climáticas, dado que hoje já existe uma dificuldade no combate e no tratamento
à dengue e ao zika, por exemplo?
Ulisses
Confalonieri – Prevenção significa controlar as doenças endêmicas, como
malária, dengue, leptospirose, as quais são muito afetadas pelo clima.
Portanto, essas doenças precisam ser combatidas como já vinham sendo, talvez de
forma mais intensificada.
Outro
problema ligado à questão climática são os desastres naturais. O trabalho
acerca dos desastres no país é algo ainda mal organizado. A Defesa Civil de
muitos estados é boa, mas ela não é especialista em oferecer respostas depois
que o evento ocorreu. Acredito que o setor de saúde também é um pouco
negligente nessa área de desastres e, portanto, pesquisas na área de saúde e
impactos de desastres climáticos precisam melhorar no país. Por exemplo, se
perguntarem quantas pessoas morreram por conta das chuvas e inundações no Rio
de Janeiro nos últimos 10 anos, o Sistema Único de Saúde – SUS não sabe responder
a essa questão, porque não consegue captar a informação de qual é o número de
mortos em desastres climáticos; isso é uma deficiência tremenda.
IHU
On-Line – Por que esses dados não existem?
Ulisses
Confalonieri – Porque o sistema já está concebido para fazer dessa forma.
Existe um catálogo enorme de codificação internacional de causas de morte, mas
o sistema de saúde brasileiro não o aplica porque o médico não é treinado para
isso, porque não existe integração entre a Defesa Civil e o setor de saúde.
Além disso, razões de ordens gerencial, administrativa e até educacional, como
a má-formação do profissional de saúde, principalmente médicos, nessa parte de
saúde pública, dificultam a coleta desses dados. (ecodebate)
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