Manutenção das três principais bacias hidrográficas do país depende da preservação do Cerrado.
Vegetação
do Cerrado
Depois
de quatro anos de negociação e da realização de estudos fundiários,
socioeconômicos e ambientais envolvendo o governo estadual de Goiás e o
Ministério do Meio Ambiente – MMA, a comunidade que reside nas proximidades do
Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em Goiás, está na expectativa de que
a área do parque seja ampliada de 65 mil hectares para 222 mil, no próximo mês.
Segundo
o chefe do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, Fernando Tatagiba, “a área
atual do Parque, do ponto de vista da conservação, é considerada pequena,
porque é insuficiente para garantir a sobrevivência de animais grandes”, como
“a onça-pintada, a suçuarana, o lobo-guará, que estão na lista de animais
ameaçados de extinção”. Na avaliação dele, a possibilidade de ampliar a área do
parque para 222 mil hectares não só garantiria a conservação dos animais que
precisam de mais espaço, mas permitiria “conservar também ecossistemas muito
ameaçados e que não estão protegidos pelos limites atuais do parque nacional”.
Na
entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por telefone, Tatagiba explica que
a conservação do parque nacional e do Cerrado como um todo é fundamental
“porque o Cerrado abriga as três principais bacias hidrográficas do país: a do
Rio da Prata, a do Rio São Francisco e boa parte da Bacia Amazônica, dado que
Tapajós e Tocantins nascem no bioma Cerrado. As nascentes mais altas do Rio
Tocantins estão na Chapada dos Veadeiros, e o Cerrado é conhecido como berço
das águas. Então, ao conservar os ecossistemas do Cerrado, estamos conservando
recursos hídricos, que são fundamentais para a manutenção da vida como um
todo”.
O
biólogo frisa ainda que é possível “adequar a produção agropecuária à
conservação da biodiversidade”, estabelecendo “reservas legais de modo a formar
corredores ecológicos para que seja possível ligar a biodiversidade dos imóveis
privados com a biodiversidade do parque nacional”.
Cuidar do bioma é o mesmo que conservar recursos
hídricos, que são fundamentais para a manutenção da vida como um todo.
IHU On-Line – Quais são os impasses envolvidos na
ampliação do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros – PNCV? Quais as
propostas do Ministério do Meio Ambiente – MMA, do Instituto Chico Mendes de
Conservação da Biodiversidade – ICMBio e, de outro lado, as propostas do
governo de Goiás em relação ao Parque?
Fernando
Tatagiba – O processo de ampliação do parque nacional começou há quatro anos.
Nesse período, realizou-se uma série de estudos fundiários, socioeconômicos e
de relevância ambiental da área a ser ampliada. Ao longo do processo, em
setembro de 2015, foram realizadas três reuniões de consultas públicas, nas
quais foi apresentada à comunidade do entorno uma proposta em termos de qual
seria o limite do parque. Depois das consultas públicas, foram feitas diversas
reuniões entre membros do governo federal, proprietários de terras e o governo
de Goiás, para dirimir e tentar superar alguns conflitos de interesses. Nesse
processo, a proposta de ampliação da área foi sendo lapidada e foram retirados
atrativos turísticos privados, foram retiradas fazendas com produção
agropecuária, bem como as Reservas Particulares do Patrimônio Natural – RPPNs e
imóveis que já tinham iniciado o processo de reconhecimento da RPPN.
A
área inicial proposta para a ampliação do parque era próxima de 250 mil
hectares, mas, devido às negociações multilaterais, o MMA e o ICMBio chegaram a
uma proposta de 222 mil hectares. Desse total, o governo do Estado de Goiás
pediu que fossem retirados os imóveis que não têm título da terra, para que
fosse feito o processo de regularização fundiária das terras e, assim, elas
fossem incorporadas ao parque depois. A negociação está nesse ponto, e essa é
uma fase natural de um processo de criação ou ampliação de uma área de unidade
de conservação que tem como base o diálogo e a negociação. Hoje os gabinetes do
MMA e o do governo de Goiás estão negociando o que será uma área ideal para
ampliação do parque nacional.
Uma
forma de garantir a proteção da Chapada dos Veadeiros é através da ampliação do
Parque Nacional
IHU
On-Line – Quais são os argumentos e interesses daqueles que defendem a
ampliação do Parque e dos que são contrários a ela? O que seria uma área ideal
para o Parque neste momento?
Fernando
Tatagiba – É difícil dizer o que seria uma área ideal para uma unidade de
conservação integral, como é o parque nacional. O ideal é sempre frente ao
possível. Entretanto, é importante dizer que estamos falando da conservação da
biodiversidade. Hoje, na Chapada dos Veadeiros e no Cerrado como um todo,
habitam espécies que, para sobreviverem, requerem grandes extensões de terra,
como, por exemplo, a onça-pintada, a suçuarana, o lobo-guará, que estão na
lista de animais ameaçados de extinção. A área atual do parque, 65 mil
hectares, do ponto de vista da conservação é considerada pequena, porque é
insuficiente para garantir a sobrevivência de animais grandes. Passar de 65 mil
para algo em torno de 220 mil hectares seria mais adequado para a conservação
dessas espécies, como também seria possível conservar ecossistemas muito
ameaçados e que não estão protegidos pelos limites atuais do parque nacional.
A
forma como a Reserva Legal de uma determinada área é estabelecida num espaço
possibilita criar corredores de biodiversidade entre o Parque Nacional e o
espaço externo
IHU
On-Line – Então há risco de perda de biodiversidade e de espécies da fauna,
caso a área do parque nacional não seja ampliada?
Fernando
Tatagiba – Há risco, sim, porque as áreas que não estão protegidas na forma de
parque nacional ou de outro tipo de unidade de conservação de proteção integral
estão sujeitas à supressão de vegetação, ou seja, ao desmatamento. É justamente
isso que observamos no Cerrado como um todo e em algumas áreas da Chapada dos
Veadeiros, que cobre uma área muito maior do que a do parque nacional. No
limite sul da Chapada dos Veadeiros, já se percebem os efeitos da expansão da
agropecuária. Então, existem áreas que estão sendo convertidas para a produção
de grão ou gado. Uma forma de garantir a proteção da Chapada dos Veadeiros é
através da ampliação do parque nacional.
IHU
On-Line – Quais são as principais ameaças ao Parque Nacional da Chapada dos
Veadeiros hoje? A produção de soja em larga escala se tornou um problema
ambiental para a região?
Fernando
Tatagiba – De certa forma sim, mas há mecanismos que possibilitam adequar a
produção agropecuária à conservação da biodiversidade. O Código Florestal
estabelece mecanismos de conservação de vegetação de beira de rio, a manutenção
de um percentual da terra de uma fazenda para a conservação, na forma de
Reserva Legal. A forma como a Reserva Legal de uma determinada área é
estabelecida num espaço possibilita criar corredores de biodiversidade entre o
Parque Nacional e o espaço externo. Quando falamos de ameaças estamos falando
das ameaças ao ecossistema e à sua biodiversidade, ou seja, das espécies que
transitam entre o Parque Nacional e o seu entorno. Então, o que acontece fora
do Parque pode ameaçar a integridade das comunidades protegidas pela Unidade de
Conservação. A supressão de ecossistemas naturais fora do Parque também impacta
o próprio Parque Nacional, porque está impactando negativamente os animais e
plantas que vivem ali.
IHU
On-Line – Há quanto tempo têm se intensificado os monocultivos nas proximidades
do Parque Nacional? Já há propostas de fazer um manejo que concilie a
preservação do Parque com a agricultura?
Fernando
Tatagiba – Há. Uma das propostas tem relação com a implantação do Plano de
Manejo da APA de Pouso Alto, porque a Área de Preservação de Pouso Alto é uma
unidade de conservação estadual que circunda o Parque Nacional como um todo.
Esse Plano de Manejo estabelece condições mais restritivas para a implementação
da agricultura. Então, os proprietários não devem desmatar as áreas que
estiverem mais perto do Parque Nacional ou de determinadas áreas mais sensíveis
do ponto de vista ecológico. Outra medida é um projeto que está sendo
financiado pelo MMA em parceria com o Fundo Brasileiro de Conservação da
Biodiversidade, para auxiliar os proprietários rurais do entorno do Parque a
fazerem o Cadastro Ambiental Rural – CAR. O que se propõe então é que se
estabeleçam as Reservas Legais de modo a formar corredores ecológicos para que
seja possível ligar a biodiversidade dos imóveis privados com a biodiversidade
do Parque Nacional.
Cerrado
a caixa d’água do Brasil
IHU
On-Line – Como a discussão sobre a ampliação do Parque está repercutindo entre
a comunidade local?
Fernando
Tatagiba – De maneira geral, a percepção da comunidade com relação à ampliação
do parque é bastante positiva. Claro que há setores, empresas e pessoas que
veem isso de forma negativa, especialmente aqueles que terão seus imóveis
afetados por conta da ampliação. Com relação a esses, é fundamental esclarecer
que nenhuma área produtiva será afetada. Então, aqueles que têm imóveis podem
ficar tranquilos, porque as áreas produtivas das fazendas estão sendo excluídas
da ampliação do parque.
A
maior parte da comunidade do entorno vê a ampliação de forma produtiva, porque
o parque é bastante importante para a economia da região. Existe uma pesquisa
de mestrado, que será defendida no início deste ano, que estima em R$ 70
milhões as receitas advindas da visita ao parque nacional, considerando os
dados de 2015. Hoje, o município de Alto Paraíso de Goiás é o principal
beneficiário econômico da visitação do parque, mas atualmente já trabalhamos
para a abertura de um portão do parque no município de Cavalcante, porque 65%
da área do parque está nesse município, que ainda não é beneficiado com a
visitação. Com a ampliação da área, o parque passará a abranger mais dois
municípios, Nova Roma e Teresina de Goiás. Com isso esperamos que, a partir da
ampliação do turismo nesses municípios, o parque passe a ganhar mais
visibilidade e impulso em termos de economia. Estamos trabalhando para que o
parque nacional seja um indutor econômico em toda a região.
É
fundamental esclarecer que nenhuma área produtiva será afetada pela ampliação
do Parque
IHU
On-Line – Há uma estimativa de quando será concluído o processo de negociação
da ampliação do Parque Nacional?
Fernando
Tatagiba – Hoje a negociação está na esfera do gabinete do ministro do MMA e do
governador de Goiás. Em setembro de 2016, teria sido decretada a ampliação do
parque, mas o governador, atendendo a um pedido do setor agrícola e agropecuário
do estado, solicitou ao ministro do MMA um prazo de seis meses para aprofundar
algumas análises fundiárias para ter mais segurança em relação à ampliação.
Esse prazo termina em fevereiro, e a nossa expectativa, que trabalhamos na
gestão do parque nacional, e da comunidade, que vê na ampliação uma
oportunidade de desenvolvimento da região, é que a qualquer momento, a partir
de fevereiro, seja decretada a ampliação do parque.
Conservar
o Cerrado e o Parque Nacional e trabalhar para a ampliação do Parque significa
garantir as condições de vida e bem-estar para o próprio ser humano
IHU
On-Line – Qual a importância do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros em
termos de ecossistema e da preservação do Cerrado, especialmente para evitar a
crise hídrica?
Fernando
Tatagiba – Vemos como fundamental a conservação do Cerrado e do Parque
Nacional, especialmente porque o Cerrado abriga as três principais bacias
hidrográficas do país: a do Rio da Prata, a do Rio São Francisco e boa parte da
Bacia Amazônica, dado que Tapajós e Tocantins nascem no bioma Cerrado. As
nascentes mais altas do Rio Tocantins estão na Chapada dos Veadeiros, e o
Cerrado é conhecido como berço das águas. Então, ao conservar os ecossistemas
do Cerrado, estamos conservando recursos hídricos, que são fundamentais para a
manutenção da vida como um todo. Conservar o Cerrado e o parque nacional e
trabalhar para a ampliação do parque significa garantir as condições de vida e
bem-estar para o próprio ser humano. (ecodebate)
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