Há tempos
o hidronegócio busca mecanismos de
privatização das águas brasileiras. Constitucionalmente tidas como um bem da
União, nossas águas não podem ser privatizadas.
A
Constituição Federal no artigo 20, inciso III, estabelece que são bens da União
os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que
banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a
território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as
praias fluviais.
Reza a Lei
Brasileira de Recursos Hídricos 9.433/97:
Art. 1º A
Política Nacional de Recursos Hídricos baseia-se nos seguintes fundamentos:
I – a água
é um bem de domínio público;
II – a água
é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico;
III – em
situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo
humano e a dessedentação de animais;
IV – a
gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas;
V – a bacia
hidrográfica é a unidade territorial para implementação da Política Nacional de
Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos
Hídricos;
VI – a
gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a
participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades.
O mecanismo
estabelecido em lei para uso privado é o da “concessão de outorga”, pelo qual o
Estado Brasileiro entrega a um ente privado a exploração de determinado volume
de água por um determinado tempo, sujeito à renovação.
Uma vez na
posse da outorga, o uso passa a ser privado. Portanto, se não privatiza a
propriedade, privatiza o uso.
Embora seja
um mecanismo de aparente controle do Estado, podendo retomar a outorga caso
ache necessário, o fato é que, uma vez outorgada certa quantidade de água, ela
será utilizada até o fim.
Mas, agora
levanta-se um mecanismo muito mais monstruoso e perigoso que uma simples
outorga. A privatização da Eletrobras transfere ao poder privado o direito de
“vida e morte” sobre os rios brasileiros. O fato é que – ainda hoje – a energia
de origem hídrica representa o filé mignon da energia elétrica, mesmo sob
avanço das eólicas, da tímida energia solar e até mesmo das térmicas, acionadas
constantemente quando falta água nos rios e reservatórios.
Portanto,
quem controlar a geração da energia elétrica, controlará as águas brasileiras.
Embora tenhamos hoje um Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos,
cujo topo é atribuído ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH), Agência
Nacional de Águas (ANA) e Secretaria de Recursos Hídricos da União (SRHU),
vinculada ao MMA, quem está na ponta sabe que o controle efetivo é do setor
elétrico. Ele se coloca acima de todos os demais usos e determina como as águas
serão utilizadas.
O caso mais
exemplar nessa privatização será o das Centrais Elétricas do São Francisco
(CHESF). Até hoje ela reina no vale do São Francisco, embora tenha perdido
poder quando o controle geral da energia passou para o Operador Nacional do
Sistema (ONS). O uso das águas no São Francisco, tanto o consuntivo (quando a
água é retirada do corpo d´água, caso da irrigação), como do não-consuntivo
(como é o caso da geração de energia elétrica), acaba sendo determinado pelo
ONS.
E os usos
prioritários estabelecidos em lei, que são o uso humano e a dessedentação dos
animais? A lei 9.433/97, em suas filigranas, estabeleceu que “são prioridades
em caso de escassez”. Oras, no Nordeste a escassez só é decretada quando os
reservatórios atingem menos de 10%, enfim, quando a maioria dos reservatórios
vira uma sopa de sal, imprestável para qualquer uso. Essa é a obediência às
prioridades.
Enfim, a
privatização da Eletrobrás será a maior privatização de rios que já tivemos em
nossa história. Os trabalhadores dessas empresas não terão mais garantia de
seus empregos, o preço da energia vai subir e os cidadãos dependerão de
licenças das empresas privadas até para beber água. (ecodebate)
Nenhum comentário:
Postar um comentário