“As florestas são o lar de mais de 80%
de todas as espécies terrestres”. A maior parte dessa biodiversidade concentra-se nas
florestas tropicais. Há estimativas de que as florestas tropicais podem abrigar
mais da metade das espécies terrestres do planeta, grande parte delas vivendo
na canópia das árvores. E. O. Wilson, por exemplo, contou 43 diferentes
espécies de formigas em uma única árvore na Amazônia peruana, algo equivalente
à diversidade de espécies de formigas em todo o Reino Unido. Segundo
estimativas, haveria entre 40 mil e 50 mil diferentes espécies de árvores nas
florestas tropicais da América do Sul, da África e da Ásia. Um único hectare
dessas florestas pode abrigar mais de 480 espécies diferentes de árvores. Mais
de 1.300 espécies de borboletas foram documentadas num parque florestal do
Peru, ao passo que a Europa toda possui menos de 400 espécies de borboletas.
Se definirmos florestas tropicais como
formações florestais entre os trópicos (ou próximas deles), com dossel ou
canópia (a cobertura formada pelas copas das árvores que se tocam) cobrindo 75%
do terreno, então essas florestas estendem-se hoje por bem menos de 10% da
superfície terrestre. Há algumas décadas, E. O. Wilson considerava que as
florestas tropicais recobriam cerca de 7% da superfície terrestre, estimativa
corroborada por Claude Martin, em cuja monografia de 2015 se lê que por volta
de 1800, “a área coberta por florestas tropicais era ainda próxima dos cerca de
16 milhões de km2, considerados sua máxima extensão original. (…) Hoje, [dados
de 2010], menos da metade dessa área permanece como floresta intocada – ninguém
sabe exatamente quanto – e cerca de outro um quarto sobrevive como floresta
fragmentada e degradada”.
Aceleração
do desmatamento no século XXI
Um estudo baseado em 20 anos de dados
satelitares (1990-2010), coletados em 34 países, mostra forte aceleração do
desmatamento líquido (desmatamento bruto menos reflorestamento): “a taxa de
perda de floresta nos trópicos aumentou em 62% na primeira década do milênio em
relação aos anos 1990”. A figura 1 captura bem a curva dessa aceleração nos
anos 2001-2014.
Perda florestal em hecares nos países tropicais, 2001
– 2014.
A tendência trienal sintetizada na linha laranja
mostra que enquanto em 2001, perderam-se pouco mais de 60 mil km2 de florestas
tropicais, em 2014, a perda foi de 99 mil km2. Entre 2001 e 2004, o Brasil
perdeu mais florestas que todos os países tropicais juntos, mas a partir de
2011, embora o desmatamento no Brasil venha recrudescendo desde 2012, outros
países tropicais tomam a dianteira, tornando-se os maiores responsáveis por
essa aceleração, como mostra a figura 2.
A perda anual de florestas nos países
tropicais (menos Brasil e Indonésia) praticamente dobrou nesses 14 anos,
passando de pouco mais de 31 mil km2 em 2001 para pouco mais de 61
mil km2 em 2014. Na Indonésia, o desmatamento, embora evolua em
ziguezague desde 2009, mantém-se entre 11 mil e 21 mil km2 por ano
desde 2004, com remoção nesse período de 10% de sua cobertura florestal. Em
Sumatra, as bacias hidrográficas perderam 22% de sua cobertura florestal (80
mil km2) entre 2000 e 2014. A aceleração mais recente verificou-se particularmente
na África Ocidental, na bacia do Mekong e nas florestas de Pápua Nova Guiné,
onde houve um salto de 70% entre 2014 e 2015, com um desmatamento apenas neste
último ano de 18 mil km2, como mostra a figura 3.
O último
século das florestas tropicais?
Como visto acima, Claude Martin avalia
que em 2010 já havíamos destruído mais da metade da extensão original (~16
milhões de km2) das florestas tropicais e degradado um quarto dela. Em 2001, o
Earth Observatory da NASA lançou a seguinte advertência: “Se a taxa atual de
desmatamento continuar, as florestas tropicais desaparecerão dentro de 100
anos, provocando efeitos desconhecidos sobre o clima global e eliminando a
maioria das espécies vegetais e animais no planeta”. Em 2003, Peter J. Bryant
confirmava esse prognóstico. A prosseguir essa taxa, escrevia então, “a
Tailândia não terá mais florestas em 25 anos”. Infelizmente, como se vê, essa
taxa de desmatamento não apenas continuou, mas se acelerou nos últimos 16 anos
e, de fato, as florestas primárias da Tailândia – que ainda em 1950 recobriam
70% de seu território – já desapareceram praticamente por completo, o que levou
as grandes madeireiras a se voltarem para as florestas de Mianmar.
A causa primeira do declínio atual das
florestas tropicais é obviamente o avanço da fronteira agropecuária,
impulsionado pela globalização do capitalismo e por uma rede muito
interconectada de megacorporações que controlam toda a cadeia alimentar, dos
insumos ao consumo final. Mas outra causa desse declínio começa a surgir no
horizonte. Ela é sistêmica, isto é, decorre do sistema climático e da maior
vulnerabilidade das florestas degradadas: aquecimento, secas, aumento das
bordas, ressecamento por exposição aos ventos, maior insolação e maior
combustibilidade das florestas fragmentadas, perda de espécies funcionais à sua
conservação etc. Não por acaso, um inventário em 21 países publicado em 2015
mostra que “a maior parte das 40 mil espécies de árvores tropicais podem ser
agora consideradas como globalmente ameaçadas de extinção”.
Amazônia,
perto do “ponto crítico”
No que se refere especificamente à
Amazônia, esse inventário, coordenado por Hans ter Steege, afirma: “Ao menos
36% e até 57% de todas as espécies de árvores da Amazônia devem provavelmente
ser consideradas como globalmente ameaçadas segundo os critérios da IUCN [União
Internacional para a Conservação da Natureza]. Se confirmados, esses resultados
aumentarão em 22% o número de espécies vegetais ameaçadas no planeta”. Esse é
mais um indicador, entre tantos, a aumentar a probabilidade de estarmos muito
perto de um ponto crítico (tipping point), um ponto de não retorno, vale dizer, de
declínio irreversível de ao menos toda a parte leste e sul da floresta
amazônica. Num estudo de 2012, muito citado, Anthony D. Barnosky e 21 colegas
partiam do fato bem conhecido de que “sistemas ecológicos transitam
abruptamente e irreversivelmente de um estado para outro, quando levados a
cruzar limiares críticos”, para avançar a ideia de que “o ecossistema global
como um todo pode reagir da mesma maneira e está se aproximando de uma
transição crítica em escala planetária como resultado da influência humana”.
Indagado por Maria Guimarães e Carlos Fioravanti, da revista da FAPESP, se,
mantida a atual trajetória, a Amazônia poderia atingir esse ponto crítico,
Thomas Lovejoy respondeu: “Sim. Não sabemos precisamente onde se situa esse
ponto, mas creio que ele está em algum lugar próximo do atual nível de
desmatamento”. E acrescentou: “A ciência a esse respeito é imprecisa; entretanto,
a situação está provavelmente próxima de um ponto crítico, além do qual a
floresta se transformará numa forma diferente de vegetação, do tipo savana, na
parte sul e leste da Amazônia”.
Ninguém melhor que Antônio Donato
Nobre, do INPE, descreveu a aceleração em direção a esse ponto crítico na
região brasileira da Amazônia. É preciso citar extensamente esse texto de 2014:
“Nos últimos 40 anos, 763.000 km² da floresta foram destruídos. Isso significa
duas vezes a área da Alemanha. É preciso imaginar um trator com uma lâmina de 3
metros de comprimento, evoluindo a 756 km/h durante quarenta anos sem
interrupção: uma espécie de máquina de fim do mundo. Segundo o conjunto das
estimativas, isso representa 42 bilhões de árvores destruídas, isto é, duas mil
árvores derrubadas por minuto ou 3 milhões por dia. É uma cifra difícil de
imaginar por sua monstruosidade. E aqui falamos apenas de corte raso. Raramente
se evocam as florestas degradadas pelo homem, essas zonas que as fotos dos
satélites não distinguem e onde não restam senão algumas árvores que mascaram
um desmatamento mais gradual. Trata-se neste caso de regiões inteiras nas quais
a floresta não é mais funcional e não age mais como um ecossistema. Segundo os
índices de degradação colhidos entre 2007 e 2010, essa zona cobre 1,3 milhão de
km2, de modo que a área de corte raso e a de degradação representam juntas
cerca de dois milhões de km2, ou seja 40% da floresta amazônica brasileira”.
O
assassinato das florestas tropicais e de seus povos
Desde a implantação do Código Florestal em 2012,
houve um aumento de 75% do desmatamento na Amazônia e tão somente de
agosto de 2014 a julho de 2016, removeram-se mais 14.196 km2 da floresta
amazônica, vale dizer, metade do que perdemos em 2004, o ano em que mais se
desmatou a Amazônia, ou uma área equivalente a dois terços da superfície de
Sergipe. De 2012 a 2016, a aliança de Dilma Rousseff com os desmatadores
representou uma verdadeira traição aos interesses populares, traição cujas
consequências não se fizeram esperar. Como mostrou o último relatório da ONG
inglesa, Global Witness, entre 2010 e 2016 houve no Brasil 200 assassinatos
documentados e tipificados de camponeses, índios e ativistas, perpetrados a
mando do agronegócio, de madeireiras e de outros interesses corporativos, sendo
49 apenas em 2016. Sob a presidência da chapa Dilma Rousseff – Michel Temer, o
Brasil conquistou e manteve uma inconteste liderança em assassinatos de índios,
camponeses e ativistas em defesa de suas terras e da floresta,
como mostra a figura 4.
Carnivorismo,
a causa final
Historicamente, na Amazônia, mais de
80% do desmatamento é causado pela pecuária e a figura 6 mostra a íntima
correlação entre pecuária e desmatamento nessa região entre 1988 e 2004.
Um estudo recente do Imazon mostra a
extrema concentração econômica da indústria da carne na Amazônia: apenas 128
frigoríficos, pertencentes a 99 empresas são responsáveis por 93% do abate
anual do gado amazônico. E o conjunto das regiões de influência desses 128
frigoríficos (isto é, as fazendas fornecedoras de animais para esses
frigoríficos) “abrange a quase totalidade das áreas embargadas pelo IBAMA e 88%
do desmatamento ocorrido na Amazônia entre 2010 e 2015”. O estudo afirma ainda
que “se entre 2016 e 2018 a taxa de desmatamento recente se repetir, 90% das
novas perdas de floresta estarão dentro da área de influência de compra de 128
frigoríficos”.
João Meirelles, diretor do Instituto
Peabirú, vem de há muito demostrando que nosso carnivorismo é a principal causa
do desmatamento amazônico. De fato, dado que consumimos no país cerca de 80% da
carne bovina amazônica e dado que, para satisfazer a uma demanda interna
anual de 30 kg per
capita (2015), o rebanho bovino da Amazônia saltou de 1,5 para
64 milhões de cabeças, de 1964 a 2004, atingindo 85 milhões em 2016, segue-se
que somos nós, consumidores brasileiros, a principal “causa final” do
desmatamento da Amazônia. O carnivorismo atual causa malefícios demonstráveis à
saúde humana, sofrimentos indizíveis a esses animais musicais, delicados e
muito inteligentes, e, enfim, é a principal razão de ser da destruição da
floresta amazônica e do Cerrado. (ecodebate)
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