Subestimar os conhecimentos tradicionais que se perpetuam por gerações é um ato de ignorância que tem se repetido por décadas. No contexto das mudanças climáticas, essa constatação se torna mais evidente, pois a vivência dos povos indígenas e suas relações cosmológicas ancestrais são experiências que dialogam de forma concreta com a Ciência e trazem aprendizados a um campo político e econômico controverso, cujos interesses conflitam com o que a sabedoria e a razão científica expõem. Por meio das analogias e inferências, da relação entre o comportamento das estrelas e constelações ou das aves com o uso da terra e o ecossistema, os efeitos das ações antrópicas emergem nesta transcendência cadenciada.
Em tempos de Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças
Climáticas (COP-23), que acontece em Bonn, na Alemanha, entre 6 e 17 de
novembro, abrir a escuta, sem ranços, para esses olhares transversais pode
dar mais respostas para a inovação de paradigmas de desenvolvimento em um palco
político antagônico, que tem impedido reais avanços localmente e de forma
global e podem emperrar acordos já firmados, desde a COP-21, em Paris. Um
desenvolvimento ainda calcado em um mundo tratado como mercadoria.
O vídeo-documentário “Vozes Indígenas Num Clima em
Mudança”, produzido pelo Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN),
traz uma escuta interessante de diferentes representantes de etnias sobre o
tema. O sensível documentário “Para onde foram as Andorinhas?”, do Instituto
Socioambiental e Instituto Catitu, é outro canal de comunicação audiovisual que
possibilita reflexões, como também a publicação “Mudanças Climáticas e a
Percepção Indígena”, da Operação Amazônia Nativa (OPAN). As falas de todos os
indígenas, da Amazônia ao Xingu, entoam um grito de alerta sobre a relação
conflitante do homem branco com a terra, as águas, ou seja, com todo o planeta
Terra (Pachamama).
Esses povos têm diferenças culturais, que traduzem suas histórias
e identidades, entretanto, não impõem fronteiras em seus discursos ao tratar do
“bem-viver”, do respeito entre os mundos material e imaterial, e reverberam o
propósito de bem coletivo aos parentes, aos povos tradicionais e à toda
sociedade. São Baniwa, Guajajara, Idioriê, Kayabi, Krenak, Manoki,
Mehinako, Munduruku, Wará, Xavante, entre outros.
Com a lente de aumento sobre todo o país, trata-se de um universo
de 305 etnias e de pelo menos, 896,9 mil indígenas, de acordo com o Censo
Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de
2010. Hoje também existe o Comitê Indígena de Mudanças Climáticas, com
representantes das cinco regiões do país. Um espaço de incidência política que
merece mais reverberação.
Em outubro, ao ouvir a narrativa da liderança indígena André
Baniwa, da Amazônia, em evento do Observatório do Clima (OC), realizado em São
Paulo, sobre os dados mais recentes do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito
Estufa (SEEG), essa gama de significativas leituras foi reforçada.
Por meio da construção de uma cartografia que tem a contribuição
estratégica dos mais idosos nas aldeias, com o subsídio de calendários do uso
da terra indígenas, que usam elementos de sinalização como os animais, os
processos de mudanças em duas décadas reportam a um estado de apreensão. Esses
dados resultam, segundo ele, na reação atual do seu povo para buscar caminhos
para a sustentabilidade e bem-viver em seus territórios. Para isso, há reuniões
coletivas para discutir o assunto.
“…O
calendário indígena de cada povo Baniwa (de acordo com o
território que vivem) é diferente. Acompanha estrelas e constelações, cada
período da fase importante para a agricultura, para a pesca. Algum sinal de
passarinho, andorinha antes da pesca, por exemplo, significa fartura de peixe.
Hoje não existe mais este movimento, são sinais práticos…O tucunaré diminuiu de
tamanho nos últimos 20 anos”.
Segundo ele, as piracemas não existem mais de forma organizada…
“Agora tem muita chuva no Rio Negro e não tem peixe. Observamos, desde 2002,
esse processo de cheias frequentes. Cobriram pedras antigas (lugares sagrados),
que temos sobre o entendimento do mundo…”.
Nesse diálogo entre a Terra e o mundo espiritual, André sinaliza
que a natureza está dando alertas. “…Atualmente há trovejadas constantes na
região das aldeias, o que não ocorria. Estamos procurando entender o que isso
significa. Isso nos preocupa, porque (no campo das relações sociais e
políticas) nossos direitos estão sendo ameaçados e é consequência de decisões
políticas, nos grandes centros do mundo…Se não houver mudança de atitude…”,
deixa este alerta.
O indígena já havia levado a sua mensagem ao Espaço do Clima da
Sociedade Civil, na COP-21, ao lado de outros parentes, sobre a questão
climática, em evento realizado pelo Instituto Socioambiental (ISA), quando
destacou: “Os xamãs do povo Baniwa dizem que esse mundo vai parar daqui a algum
tempo e não haverá sinal de vida. Será um período silencioso, na nossa
previsão…”.
André
ainda destaca o importante trabalho de pesquisa que está sendo realizado por
outros parentes, como os Tukano e de outras etnias. Uma amostra dessa interação
dos povos indígenas com o processo das mudanças climáticas é o
levantamento Ciclos Anuais dos Povos Indígenas do Rio Tiquié.
com apoio do ISA. (ecodebate)
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