Pesquisa desenvolvida na
Unicamp aponta alto risco de desertificação na Bahia.
Identificação de áreas
vulneráveis em polos de produção agrícola serve de alerta para agricultores e
representantes do poder público.
Pesquisa desenvolvida na
Unicamp revela que o Estado da Bahia vem apresentando aumento no índice de
aridez e diminuição de chuvas. Os estudos indicam que a tendência é que a
situação se agrave nos próximos 30 anos, provocando um aumento das áreas com
risco de desertificação na região. As conclusões são da tese de doutorado
“Áreas de risco de desertificação: cenários atuais e futuros, frente às
mudanças climáticas”, defendida por Camila da Silva Dourado na
Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Unicamp.
A desertificação é a
degradação de terras nas zonas áridas, semiáridas e subúmidas a secas, como
resultado das variações climáticas e ações antrópicas, ou seja, as alterações
causadas pelo ser humano no ambiente. Este fenômeno transforma terras férteis e
agricultáveis em terras improdutivas, causa impactos ambientais como a
destruição da biodiversidade, diminuição da disponibilidade de recursos
hídricos e provoca a perda física e química dos solos. Neste caso, a pesquisa
aponta que as mesorregiões que mais expandiram as áreas com risco de aridez são
os maiores polos agrícolas baianos. “Ainda é necessária uma análise mais
aprofundada sobre a desertificação nessas áreas, mas os dados mostram que esses
polos agrícolas observados passaram a ser considerados como áreas de alto
risco”, explica Camila.
O trabalho foi realizado
sob orientação de Stanley Robson de Medeiros Oliveira, pesquisador da Embrapa
Informática Agropecuária e coorientação de Ana Maria Heuminski de Avila,
pesquisadora do Cepagri (Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas
Aplicadas à Agricultura). Os autores alertam para a necessidade de se adotar
medidas preventivas agora para que as previsões não se consolidem.
Camila da Silva Dourado, autora
da pesquisa: “Os cenários de aumento de áreas de risco para agricultura por
causa da desertificação ameaçam diversos setores econômicos e sociais da
região, principalmente o agropecuário”.
No cenário da produção
agrícola nacional, a Bahia ocupa destaque no Nordeste brasileiro como grande
produtora de grãos, além de ser responsável por 12,2% do valor da produção de
frutas, ocupando o segundo lugar no ranking nacional. A cultura do algodão no
estado representa 25,4% da produção nacional, ficando atrás apenas de Mato
Grosso com 64,1% da produção, de acordo com dados da safra de 2016 divulgados
pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Os dois principais
polos agrícolas baianos estão no oeste, em cidades como Luís Eduardo Magalhães
e Barreiras, por exemplo, onde é forte a produção de algodão e grãos,
principalmente a soja. Outro polo está no norte do Estado, maior produtor de
frutas da Bahia, sendo destaques as cidades entre Juazeiro (BA) e Petrolina, em
Pernambuco.
“Os cenários de aumento de áreas de risco para agricultura por causa da desertificação ameaçam diversos setores econômicos e sociais da região, principalmente o agropecuário”, explica Camila. Por isso, uma das alternativas recomendáveis é o desenvolvimento de ferramentas e sistemas inteligentes capazes de capturar, organizar e quantificar dados e informações, que auxiliem o planejamento da produção agrícola e o processo de tomada de decisão, com o objetivo de diminuir os impactos ambientais.
“Os cenários de aumento de áreas de risco para agricultura por causa da desertificação ameaçam diversos setores econômicos e sociais da região, principalmente o agropecuário”, explica Camila. Por isso, uma das alternativas recomendáveis é o desenvolvimento de ferramentas e sistemas inteligentes capazes de capturar, organizar e quantificar dados e informações, que auxiliem o planejamento da produção agrícola e o processo de tomada de decisão, com o objetivo de diminuir os impactos ambientais.
De acordo com os resultados
obtidos por meio da análise de dados climáticos (chuva, temperatura e
evapotranspiração), dados edáficos, declividade do terreno, fragilidade do solo
à erosão e de vegetação (extraídos de imagens de satélite), entre os anos de
2000 e 2014, o território baiano já apresentou uma queda do nível de
precipitações (chuvas), diminuição de áreas de cobertura vegetal nativa, e um aumento
no índice de aridez e das áreas com risco de desertificação.
Para o futuro, ou seja,
entre os anos de 2021 a 2050, a previsão é que o Estado enfrente um aumento de
temperatura de aproximadamente 1 °C e diminuição das precipitações, em relação
ao clima atual. As previsões também apontam um aumento nas áreas consideradas
áridas e uma expansão de terras com risco “alto” e “muito alto” de
desertificação. “Essa pesquisa exibe o cenário futuro; então, se quisermos
minimizar esses riscos, temos que tomar decisões e atitudes agora ou será muito
tarde para fazer as correções. Não podemos esperar até 2050”, alerta Stanley
Oliveira.
Segundo o orientador da
pesquisa, as técnicas de mineração de dados associadas às técnicas de
sensoriamento remoto em imagens orbitais, tratam do desafio de captar padrões e
processos, e proporcionam um diagnóstico espaço temporal da mudança na
paisagem, permitindo também monitorar e diagnosticar o grau de degradação de
terras. Essas técnicas facilitam a análise e a manipulação de dados em grandes
áreas, com menos custo que os métodos convencionais, permitindo uma avaliação
das alterações ocorridas no meio ambiente, no passado, presente e com
simulações do futuro.
“A depender da prática agrícola que é adotada hoje, terras produtivas serão transformadas em improdutivas. Não adianta utilizar práticas inadequadas que não visem à sustentabilidade daquele solo e dos recursos naturais. É preciso alertar o grande e pequeno produtor sobre formas de produção que amenizem essa situação; é uma questão de sensibilização. São necessárias políticas públicas também para que haja incentivo às novas formas de produção e de utilização da terra e dos recursos naturais”, ressalta Camila.
“A depender da prática agrícola que é adotada hoje, terras produtivas serão transformadas em improdutivas. Não adianta utilizar práticas inadequadas que não visem à sustentabilidade daquele solo e dos recursos naturais. É preciso alertar o grande e pequeno produtor sobre formas de produção que amenizem essa situação; é uma questão de sensibilização. São necessárias políticas públicas também para que haja incentivo às novas formas de produção e de utilização da terra e dos recursos naturais”, ressalta Camila.
O desafio de
alimentar uma população em crescimento
Os resultados que a
pesquisa aponta são importantes para a busca de soluções ao principal desafio
da agricultura mundial: cumprir a meta de alimentar nove bilhões de pessoas até
2050, de acordo com previsão da FAO, a Organização das Nações Unidas (ONU) para
a Alimentação e a Agricultura. Estudos da agência indicam que, para
alimentar uma população extra projetada em mais 2,3 bilhões de
pessoas, o mundo precisará produzir 70% a mais de alimentos.
Entretanto, a expansão das terras agricultáveis terá de se dar em cerca de
120 milhões de hectares nos próximos 40 anos em países em desenvolvimento,
principalmente na América Latina e na África Subsaariana.
Regiões áridas e terras desertificadas
dificultam e impedem a produtividade de alimentos. Terras antes agricultáveis
se tornam improdutivas em razão dos processos de semiaridez, aridez e
desertificação. Estima-se que boa parte das terras inseridas em áreas de clima
propícios à desertificação tenha seu processo de improdutibilidade acelerado.
Por isso, os resultados são importantes para orientar o trabalho de gestores e
apoiar a formulação de políticas públicas focadas na região.O pesquisador Stanley Robson de Medeiros Oliveira, orientador da tese: “Se quisermos minimizar esses riscos, temos que tomar decisões e atitudes agora ou será muito tarde para fazer as correções”
Historicamente a região norte
do território baiano integra o polígono da seca, uma área de mais de 1 milhão
de km² entre os Estados de Alagoas, Bahia, Ceará, Minas Gerais, Paraíba,
Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe, que enfrenta crises repetidas
de estiagem. Dessa forma, a manutenção da fruticultura no norte é feita através
de sistemas de irrigação. Porém, outro problema apontado pela pesquisa é que
regiões antes consideradas com risco baixo de desertificação passam ao moderado
e alto, como é o caso da região oeste. Essa situação mudaria todo o cenário de
produção agrícola do estado.
Nos últimos anos os pesquisadores também vêm se preocupando com a influência das mudanças climáticas no avanço do processo de desertificação. “Com o aumento de temperatura estimado em 1ºC e a diminuição na precipitação, há a ocorrência de um outro indicador que utilizamos, a evapotranspiração, que é subsídio para um outro indicador, o índice de aridez. Juntando essas variáveis, e com as novas projeções do modelo de mudanças climáticas, confirma-se que há uma expansão muito grande das áreas de desertificação”, esclarece Camila.
Nos últimos anos os pesquisadores também vêm se preocupando com a influência das mudanças climáticas no avanço do processo de desertificação. “Com o aumento de temperatura estimado em 1ºC e a diminuição na precipitação, há a ocorrência de um outro indicador que utilizamos, a evapotranspiração, que é subsídio para um outro indicador, o índice de aridez. Juntando essas variáveis, e com as novas projeções do modelo de mudanças climáticas, confirma-se que há uma expansão muito grande das áreas de desertificação”, esclarece Camila.
“Se considerarmos os
resultados, esse é um cenário muito drástico e assustador, mas o objetivo dessa
pesquisa não é assustar e sim informar. É hora de criar políticas públicas para
que as pessoas que vivem da terra consigam ter melhor qualidade de vida, possam
permanecer e alimentar suas famílias, porque o grande risco é que elas migrem
para outras regiões e se tornem marginalizadas. As pessoas precisam continuar
produzindo alimento para subsistência e comércio”, afirma a coorientadora da
pesquisa, Ana Avila.
Metodologia
Para avaliar as áreas com potencial de risco de
desertificação no estado da Bahia, foram utilizados sete indicadores biofísicos
de desertificação: índice de vegetação de diferença normalizada e índice de
vegetação realçado (NDVI e EVI, respectivamente, na sigla em inglês) ambos
gerados pelo sensor Modis; índice de aridez; dados de solo; precipitação;
temperatura e evapotranspiração. No caso dos mapas climáticos foi aplicado o
método geoestatístico Krigagem Bayesiana Empírica. Também foram elaborados
mapas de modelo de elevação digitação, declividade e classificação do solo, com
o intuito de gerar um mapa de fragilidade do solo, usado como indicador, com as
características edáficas da região.
A pesquisadora Ana Maria
Heuminski de Avila: “É hora de criar políticas públicas para que as pessoas que
vivem da terra consigam ter melhor qualidade de vida, possam permanecer e
alimentar suas famílias”.
A partir do empilhamento das
imagens dos sete indicadores de desertificação foi aplicada a tarefa
classificação, por meio do algoritmo Máquinas de Vetores Suporte (SVM, sigla em
inglês) na imagem produto, definindo quatro níveis de risco de desertificação:
muito alto, alto, moderado e baixo. A pesquisa usou imagens de alta resolução
espacial do satélite RapidEye para validação da classificação fornecidas pelo
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). As simulações dos impactos
das mudanças climáticas para o cenário futuro, 2021 até 2050, utilizaram
modelos climáticos Eta-MIROC5, que preveem diminuição da precipitação, aumento
de temperatura e deslocamento das áreas com maiores taxas de evapotranspiração
potencial.
Foram estudados dois cenários
de períodos temporais distintos: o de clima presente, abrangendo os anos de
2000 a 2014, e o cenário de clima futuro, para o período de 2021 a 2050. Os
resultados mostraram que em 2014 houve uma diminuição na precipitação e nas
áreas de cobertura vegetal em relação ao ano 2000, além de um aumento no índice
de aridez e nas áreas de risco de desertificação. No cenário futuro, houve um
aumento de temperatura de aproximadamente 1°C e diminuição da precipitação em
relação ao clima presente. O índice de aridez aponta um aumento nas áreas
áridas para o clima futuro, e uma expansão nas áreas de risco de
desertificação, principalmente nas áreas de risco muito alto e alto.
Na imagem acima, área do
reservatório de Sobradinho, em Remanso, na região de Juazeiro (BA).
“Essa metodologia é inédita e
rica por usar técnicas de sensoriamento remoto e de mineração de dados,
incluindo um algoritmo inteligente (SVM – Support Vector Machine), que aprende
interativamente com uma massa de dados, descobre e apresenta os padrões
encontrados. Isso pode ser aplicado em outras regiões do Brasil, principalmente
aquelas mais carentes; a contribuição não se restringe só ao estado da Bahia”,
enfatiza Oliveira. (ecodebate)
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