Embrapa Solos
O pagamento por serviços
ambientais hídricos é tema de estudo na Embrapa Solos – Alba Martins,
Azeneth Schuler, Elaine Fidalgo e Rachel Prado (pesquisadoras da Embrapa Solos,
Rio de Janeiro-RJ)
O papel da mulher na
conservação e gestão da água aparece formalmente nos princípios apontados
durante a Conferência Internacional de Água e Meio Ambiente, em Dublin,
Irlanda, em 1992, quando representantes de 100 países e 80 organismos
internacionais, intergovernamentais e não governamentais reuniram-se e
diagnosticaram que a situação futura dos recursos hídricos no mundo era
crítica. Naquela ocasião, foram estabelecidos quatro princípios para a gestão
sustentável da água:
i) a água doce é um recurso finito e vulnerável, essencial
para a manutenção da vida, para o desenvolvimento e para o meio ambiente;
ii)
seu gerenciamento deve ser baseado na participação dos usuários, dos
planejadores e dos formuladores de políticas, em todos os níveis;
iii) as
mulheres desempenham papel essencial na provisão, no gerenciamento e na
proteção da água;
e iv) o reconhecimento do valor econômico da água (www3.snirh.gov.br/portal/snirh/centrais-de-conteudos/conjuntura-dos-recursos-hidricos).
A partir da Declaração de
Dublin, o papel das mulheres no gerenciamento da água para a saúde (água
potável e saneamento), alimentação e equilíbrio dos ecossistemas foi
reconhecido em diversos documentos internacionais. Em 2000, oito Metas de
Desenvolvimento do Milênio foram estabelecidas pelas Nações Unidades visando
erradicar a pobreza, sendo uma delas a meta 3 – Promoção da Igualdade de
Gênero. O tema água aparece na descrição das metas 1-Erradicação da Fome e 7-
Sustentabilidade Ambiental, enquanto aspectos relativos às mulheres são
considerados em todas as metas, com a surpreendente exceção da meta de
7-Sustentabilidade Ambiental.
O “Relatório sobre o
Desenvolvimento de Gênero e Água” (2003), da Aliança Gênero e Água, supre
lacunas importantes para a compreensão da interdependência entre gestão hídrica
sustentável e equidade de gênero. A partir de análises de quatro setores da
água: Água para Natureza; Saneamento para os Povos; Água para os Povos e Água
para Alimentação. Estas análises sustentam com argumentos as seguintes
propostas:
i) o envolvimento de mulheres e homens nos papéis de tomada de decisão em todos os níveis pode promover a sustentabilidade da gestão de recursos hídricos escassos;
ii) a gestão integrada e sustentável da água pode contribuir significativamente para a equidade de gênero, a partir da melhoria do acesso de mulheres e homens à água e aos serviços hídricos para suprir suas necessidades essenciais (Disponível em www.gewamed.net/share/img_documents/19_rep_iwrm1.pdf).
i) o envolvimento de mulheres e homens nos papéis de tomada de decisão em todos os níveis pode promover a sustentabilidade da gestão de recursos hídricos escassos;
ii) a gestão integrada e sustentável da água pode contribuir significativamente para a equidade de gênero, a partir da melhoria do acesso de mulheres e homens à água e aos serviços hídricos para suprir suas necessidades essenciais (Disponível em www.gewamed.net/share/img_documents/19_rep_iwrm1.pdf).
Ao fim do período
estabelecido para as Metas de Desenvolvimento do Milênio (2000-2015), com progressos
significativos de combate à pobreza, as Nações Unidas definiram uma nova agenda
com dezessete Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), cujas descrições
contêm metas específicas de alcance até 2030. Entre os ODS, o quinto se
relaciona a “Igualdade de Gênero” e o sexto a “Água potável e
Saneamento”. O papel da mulher na gestão hídrica não aparece claramente
nas metas estabelecidas para estes dois ODS. Apenas uma meta do sexto ODS (6.5)
prevê “implementar a gestão integrada dos recursos hídricos em todos os níveis,
(…)”, contendo implícito o conceito dos Princípios de Dublin (1992) que
traz a centralidade da participação das mulheres na gestão da água. Cabe
destacar ainda metas que implicam no fortalecimento da questão de gênero também
no setor de água e saneamento, como a meta 6.2, de “acesso a saneamento e
higiene adequados e equitativos para todos, (…), com especial atenção para as
necessidades das mulheres e meninas e daqueles em situação de vulnerabilidade”.
Relacionadas ao objetivo “Igualdade de Gênero”, destacam-se as metas: 5.5.
“garantir a participação plena e efetiva das mulheres e a igualdade de
oportunidades para a liderança em todos os níveis de tomada de decisão na vida
política, econômica e pública”; 5.c “adotar e fortalecer políticas sólidas e
legislação aplicável para a promoção da igualdade de gênero e o empoderamento
de todas as mulheres e meninas em todos os níveis”.
No Brasil
A incorporação da perspectiva
de gênero na gestão hídrica, de acordo com a agenda internacional, propõe o
maior envolvimento de mulheres na tomada de decisões sobre o tema. No Brasil,
tem-se observado a crescente presença das mulheres em posicionamentos
relacionados à água, embora a participação nos processos decisórios seja ainda
reduzida. Historicamente, a gestão da água esteve mais voltada às soluções de
engenharia, com uma expressiva maioria de profissionais homens. Nas últimas
décadas ocorreram mudanças de paradigmas na gestão da água, que passou a
compreender questões de conservação ambiental e de impactos sociais, como
também cresceu o número de mulheres profissionais de engenharia e de outras
profissões que atuam no tema de água. Embora estes fatos tenham contribuído
para o aumento de mulheres na gestão hídrica, certamente um fator decisivo foi
a mobilização das mulheres junto à sociedade civil, cuja participação nas
instâncias de gestão da água é garantida pela Política Nacional de Recursos
Hídricos. No entanto, a participação da mulher em comitês de bacias
hidrográficas, bem como nos conselhos de recursos hídricos estaduais e
nacional, ainda não ocorre de forma igualitária.
Em setembro de 2017, Agência
Nacional de Águas (ANA), organizou um curso sobre o tema “Água e Gênero” para
abordar as assimetrias de gênero relacionadas à água, entre profissionais da
Agência e dos setores de recursos hídricos e meio ambiente. No mês seguinte, a
Agência promoveu a Oficina “Construindo uma Agenda de Água e Gênero para o
Brasil e para a América Latina”, juntamente com a Parceria Global pela Água
(GWP) e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO), buscando delinear ações estratégicas de gênero para a ANA e para o
Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH). O curso e a
oficina foram organizados pelo Comitê Pró-Equidade de Gênero, instalado pela
Portaria ANA nº 326, de 22 de dezembro de 2016, a fim de acompanhar as ações
para cumprimento do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (PNPM) e
fortalecer a equidade de gênero nas políticas e instrumentos de gestão da água.
Além disso, no âmbito das discussões do Projeto
Legado, esforço institucional de consolidação de propostas para o
aperfeiçoamento da Política Nacional de Recursos Hídricos, foi proposto incluir
a adoção de cotas para a participação de mulheres no Conselho Nacional de
Recursos Hídricos. A criação de cota foi retirada do texto, ainda na fase de
discussões preliminares. Em contrapartida, no texto final do Projeto, de
dezembro de 2017, foi proposta como alteração da Lei 9.433/1997, que instituiu
a Política Nacional de Recursos Hídricos, a inclusão no Art. 1º de um novo
inciso (VII) contendo o terceiro princípio de Dublin, qual seja, “as mulheres
desempenham papel central no fornecimento, gestão e proteção da água”. Este
fato mostra a necessidade de avanços na formulação de políticas públicas que
reconheçam e promovam a participação das mulheres nas decisões relativas à
água.
Gestão hídrica:
acesso à água e saneamento
Segundo o Instituto Trata
Brasil, 35 milhões de habitantes não possuem acesso à água tratada, metade da
população – 100 milhões – não têm coleta de esgotos e apenas 40% dos esgotos
coletados são tratados, os outros 60% são lançados sem tratamentos nos rios,
riachos e córregos. O problema é grave e embora a questão do saneamento básico
afete a todos, os mais prejudicados e que sofrem o maior impacto são as
famílias de baixa renda, muitas residentes em áreas impróprias para habitação,
frequentemente em condição de irregularidade. Como agravante, o Brasil possui
índices elevados de perdas de água nas redes de abastecimento. Os dados do
Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) 2013 mostram que as
perdas na distribuição de água estão estimadas em 37% do volume e as perdas
financeiras totais em 39% dos ganhos (Disponível em: www.tratabrasil.org.br/ranking-do-saneamento-das-100-maiores-cidades-2017).
Ao se analisar as condições
de suprimento de água e saneamento, verifica-se a marginalização do meio rural
cuja população ainda enfrenta grandes dificuldades de acesso à água de
qualidade. Situação mais grave ocorre nas regiões afetadas pela desertificação
e/ou por secas, onde a água para atender às necessidades domésticas ainda é, em
algumas localidades, buscada em latas na cabeça pelas mulheres e crianças a
longas distâncias. Este cenário é agravado com a insuficiência de políticas
públicas estruturadoras que tratem a questão hídrica de forma justa e
equitativa, havendo ainda o risco do aumento de eventos extremos associados às
mudanças climáticas.
Os avanços necessários para uma boa gestão da
água no meio rural compreendem desde o saneamento universalizado, o
estabelecimento de sistemas de irrigação mais eficientes e o reuso da água, até
o envolvimento das comunidades rurais pela informação e educação sobre os
cuidados com a água no ambiente doméstico e na produção agropecuária.
Destaca-se que as principais causas da escassez hídrica no Brasil são de
natureza humana, como a falta de priorização de recursos humanos e financeiros
destinados ao cuidado com as águas, desperdícios, má gestão e falta de
governança. Embora prevaleçam cenários de precariedade na gestão da água quanto
a seu abastecimento e ao saneamento, várias organizações sociais têm buscado
alternativas de melhorias. É neste espaço que as mulheres estão geralmente mais
presentes.
Mulher e menina transportando
mercadorias e água. Ilha de Ataúro, Timor-Leste.
A contribuição da
pesquisa agropecuária na gestão da água
Ao lado da equidade na
participação dos atores sociais na gestão da água, o desenvolvimento científico
no manejo e conservação do solo e da água também é fundamental para a produção
de alimentos que garanta a provisão dos serviços ecossistêmicos, incluindo os
hídricos. Diversas pesquisas da Embrapa têm sido voltadas à conservação e ao
uso adequado da água no meio rural, principalmente na agricultura, mas também
para uso doméstico e saneamento. O portal Água na Agricultura apresenta conteúdos sobre
ciência e tecnologia para o manejo da água, desenvolvidos pela Embrapa.
Um fato que chama a atenção é
o elevado número de pesquisadoras da empresa que atuam no tema “água”,
integrado a diferentes linhas de pesquisa da agricultura.
Na Embrapa Solos, o Núcleo
Temático “Uso da Terra e Serviços Ambientais” (NT-UTSA) tem atuado no
desenvolvimento de ferramentas e diretrizes para apoiar as iniciativas de
Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA) hídricos em curso no país. Essas
iniciativas remuneram os produtores rurais que atuam em prol da conservação
ambiental, viando melhorar a produção da água em bacias hidrográficas (http://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/160960/1/Manual-PSA-hidricos-2017.pdf).
O desenvolvimento de tecnologias para a agricultura familiar no semiárido é
outra linha de pesquisa considerada vital para a sobrevivência de comunidades
em condições vulneráveis às variações climáticas, destacando-se as barragens subterrâneas para
armazenamento de água em áreas agrícolas.
Para incorporar o recorte de gênero no
desenvolvimento de projetos de pesquisa do centro de pequisa, em outubro de
2017, a equipe da Embrapa Solos enviou uma representante para participar de
treinamento oferecido pela Agência Nacional de Águas sobre água e gênero. O
Núcleo UTSA pretende se aprofundar nessa temática a fim de contribuir com o
desenvolvimento de soluções na agricultura para a redução da pobreza em
conformidade com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) “Igualdade
de Gênero” e “Água e Saneamento”. (ecodebate)
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