Preservação da Amazônia é
fundamental para a manutenção do seu ciclo hidrológico.
Quando o biólogo
norte-americano Thomas Lovejoy iniciou suas pesquisas
na Amazônia brasileira, em 1965, “havia somente 3% de desmatamento e uma
população de três milhões, incluindo os indígenas”. Hoje, mais de 50 anos
depois, “o desmatamento oficial está em 17%, mas, além disso, a
floresta está degradada (próxima ao ponto de inflexão) em mais de 50% somente
na Amazônia
brasileira”, relata Lovejoy à IHU On-Line, na entrevista a seguir, concedida por e-mail.
Thomas Lovejoy tem
estudado os impactos combinados de três fatores que estão contribuindo para
a degradação da floresta e afetando o seu ciclo hidrológico:
o desmatamento, as mudanças climáticas e o uso
excessivo de fogo. A preservação da floresta é fundamental para manter a
integridade do ciclo hidrológico do qual depende. “O que se precisa é um passo
drástico na direção de uma abordagem integrada à Amazônia, envolvendo todos os
países da região. É fundamental manter a integridade do ciclo hidrológico que também beneficia áreas para além da bacia e
que é importante para o futuro da agricultura brasileira”, afirma.
Na entrevista a seguir, o
biólogo também defende os programas de crédito de carbono e
de Redução de Emissões Decorrentes do Desmatamento e da Degradação de
Florestas – REDD como formas de proteger a Amazônia, que têm sido contestados por alguns movimentos
sociais. “O REDD e
os créditos
de carbono são um modo de
ajudar a proteger as florestas das forças de destruição. Uns acham esta ideia
ofensiva, como se estivéssemos pondo um preço na natureza. Mas não é isso. Pelo
contrário, é reconhecer (apenas) parte do valor. Sem este, a floresta tem valor
zero e coisas ruins acontecem”, explica.
Lovejoy também
comenta a temática de seu novo livro, intitulado “Biodiversity and Climate
Change: Transforming the Biosphere”
[Biodiversidade e mudanças climáticas: como transformar a biosfera], no qual
defende “a limitação das mudanças climáticas para não mais de 1,5°C a
fim de evitar grandes impactos biológicos” e propõe a restauração do
ecossistema mundial. “Essa restauração pode trazer de volta CO2 da atmosfera em dezenas de partes por milhões,
tornando viável o objetivo de 1,5°C e também trazer uma cornucópia de
benefícios auxiliares (por exemplo, o aumento de carbono nos solos de terras anteriormente degradadas
aumenta a fertilidade deles)”, diz.
Thomas Lovejoy
Thomas Lovejoy é doutor
em Biologia pela Universidade de Yale. Entre 1973 e 1987 dirigiu o World
Wildlife Fund. Também foi presidente do Heinz Center for Science, Economics,
and the Environment, foi conselheiro dos presidentes Reagan, Bush e Clinton, do
Instituto Smithsonian, dos jardins botânicos de Nova Iorque e de Londres,
conselheiro-chefe do Banco Mundial para biodiversidade e seu principal
especialista sobre o ambiente latino-americano e presidiu a Society for
Conservation Biology. É conselheiro do Yale Institute for Biospheric Studies e
desde 2010 leciona na Universidade George Mason. No Brasil atua junto ao
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, onde pesquisa o funcionamento de
fragmentos florestais e os efeitos do desmatamento sobre a ecologia regional.
IHU On-Line – Que comparações o senhor faz entre o estado de
conservação da Amazônia nos anos 1960, quando iniciou suas visitas na floresta,
e hoje, mais de 50 anos depois?
Thomas Lovejoy – Em
1965, havia somente 3% de desmatamento e
uma população de três milhões na Amazônia, incluindo os indígenas. Havia
também uma área indígena demarcada (Xingu) e somente
um parque
nacional (Canaima, na Venezuela).
Hoje, é claro,
o desmatamento oficial está em 17%, mas, além disso, a floresta está degradada (próxima ao ponto de inflexão) em mais de 50%
somente na Amazônia brasileira.
IHU On-Line – O senhor estuda o efeito da fragmentação florestal
sobre o ecossistema amazônico há algumas décadas. O que tem evidenciado e
concluído ao longo desses anos de pesquisa? Quais são as causas e os efeitos da
fragmentação florestal?
A maioria das florestas tropicais no mundo estão
desmatadas em uma extensão maior, mas a Amazônia se destaca como a que precisa
ser gerida como um sistema para manter a integridade do ciclo hidrológico do
qual depende.
Thomas Lovejoy – A fragmentação é o subproduto da
destruição (desmatamento) do habitat e, na maior parte, é causada por
atividades não indígenas. Ela possui impactos complexos e grandes, incluindo
uma perda enorme de biodiversidade e uma redução na capacidade de sustentar
o ciclo hidrológico. Anexo um resumo dos resultados de 38 anos.
IHU On-Line – Que
tipo de mudanças a combinação dos impactos combinados de desmatamento, mudança
climática e incêndios florestais tem gerado na Amazônia? Quais as consequências
dessa combinação?
Thomas Lovejoy – Os impactos sinergéticos combinados de desmatamento, mudanças climáticas e
o uso excessivo de fogo estão apagando o ciclo hidrológico por
meio do qual a Amazônia produz a metade de sua própria precipitação.
IHU On-Line – Algum
tipo de ação ou medida poderia reverter o prognóstico de que a Amazônia poderá
se transformar numa savana em 2050?
Thomas Lovejoy – Pode-se evitar isto com um controle rígido
do desmatamento junto com a reflorestação (que
deverá incluir a conexão de fragmentos isolados) para construir uma margem de
segurança à integridade do ciclo hidrológico.
IHU On-Line – Qual o
senhor diria que é a situação geral da Amazônia do ponto de vista ambiental em
comparação com outras florestas tropicais no mundo?
Thomas Lovejoy – A maioria das florestas tropicais no
mundo estão desmatadas em uma extensão maior (especialmente a Mata Atlântica), mas
a Amazônia se destaca como a que precisa ser gerida como um
sistema para manter a integridade do ciclo hidrológico do qual depende.
IHU On-Line – Quais são suas preocupações acerca do futuro da
Amazônia?
Thomas Lovejoy – O
que se precisa é um passo drástico na direção de uma abordagem integrada
à Amazônia, envolvendo todos os países da região. É fundamental
manter a integridade do ciclo hidrológico que também beneficia áreas para além da bacia e que é importante
para o futuro da agricultura brasileira.
Há a necessidade urgente de
se repensar os planos de infraestrutura para a Amazônia, substituindo-os por uma infraestrutura sustentável,
modernizando os planejamentos energéticos para respeitar o fluxo de sedimentos
e a migração de peixes. Um acordo de pesca amazônico faria muito sentido. E
cidades sustentáveis que não ponham pressão à floresta seriam um
elemento-chave.
IHU On-Line – Muitas ONGs e movimentos sociais têm se manifestado
contra mecanismos como o REDD ou créditos de carbono como alternativa para
proteger as florestas, alegando que esses mecanismos vinculam as comunidades
locais a um contrato financeiro em que elas ficam impedidas de manejar a área
por muitos anos, enquanto a outra parte do contrato continua produzindo e
emitindo poluição do outro lado do mundo. Apesar dessa crítica, por que, na sua
avaliação, o REDD e os créditos de carbono são boas alternativas para preservar
as florestas? De que modo esses mecanismos podem proteger as florestas, a
exemplo da Amazônia?
Valorizar uma floresta por carbono é, de certo modo,
o seu valor mais baixo. Poderíamos também imaginar um sistema de pagamento
construído em torno do ciclo hidrológico para o qual cada m2 de
floresta contribui.
Thomas Lovejoy – O REDD e os créditos de carbono são um modo
de ajudar a proteger as florestas das forças de destruição. Uns acham esta
ideia ofensiva, como se estivéssemos pondo um preço na natureza. Mas não é
isso. Pelo contrário, é reconhecer (apenas) parte do valor. Sem este, a
floresta tem valor zero e coisas ruins acontecem.
Dito isso, valorizar uma
floresta por carbono é, de certo modo, o seu valor mais baixo. Poderíamos
também imaginar um sistema de pagamento construído em torno do ciclo
hidrológico para o qual cada metro quadrado de floresta contribui.
IHU On-Line – Uma das suas áreas de atuação é a biologia da
mudança climática. A partir das suas pesquisas, como diria que as mudanças
climáticas vêm afetando a natureza? De outro lado, como a natureza pode
contribuir para resolver o problema das mudanças climáticas?
Thomas Lovejoy – Lee Hannah e eu temos um livro novo sobre “Biodiversity and Climate
Change: Transforming the Biosphere”
[Biodiversidade e mudanças climáticas: como transformar a biosfera], que será
publicado pela Universidade de Yale.
Nele, defendemos a limitação das mudanças climáticas para não mais de
1,5 grau a fim de evitar grandes impactos biológicos. Também incluímos uma
solução importante, a saber: a restauração do ecossistema (no mundo todo, não só na Amazônia).
Essa restauração pode trazer
de volta CO2 da
atmosfera em dezenas de partes por milhões, tornando viável o objetivo de 1,5
grau e também trazer uma cornucópia de benefícios auxiliares (por exemplo, o
aumento de carbono nos solos de terras anteriormente degradadas aumenta a
fertilidade deles).
IHU On-Line – Muitos ambientalistas dizem que as Conferências do
Clima têm sido frustrantes em encontrar alternativas para solucionar o problema
das mudanças climáticas. Que avaliação geral o senhor faz dessas conferências?
Thomas Lovejoy – A Conferência
das Partes da Convenção Climática teve
um progresso lento, mas alcançou, em 2015, um primeiro acordo global.
Espero que estejamos no começo de uma curva de mudança exponencial que, em seus
primeiros estágios, não distinguimos desta mudança.
IHU On-Line – Como avalia o processo de saída dos EUA do Acordo de
Paris? Essa saída deve ter implicações nas futuras negociações das Conferências
do Clima?
Thomas Lovejoy – Contrariamente
à compreensão da maioria, os EUA não deixaram
o Acordo de Paris; eles começaram o processo para assim fazer – e isto leva
quatro anos. Portanto, é possível que o governo do meu país perceba o que está
fazendo e pare com este processo. Mesmo se isso não acontecer, as iniciativas
em curso nas cidades e nos estados americanos são suficientemente
significativas a ponto de, coletivamente, significarem que o país irá, na
verdade, alcançar o objetivo. (ecodebate)
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