“Acreditar que o crescimento econômico exponencial pode continuar
infinitamente num mundo finito é coisa de louco ou de economista” - Kenneth
Boulding (1910-1993).
O capitalismo é o sistema
econômico que mais gerou riqueza desde o surgimento do Homo sapiens. O
crescimento econômico e populacional dos últimos 240 anos não tem paralelo na
história da humanidade. Tomemos o ano de 1776 como o marco inicial do
capitalismo industrial- fóssil, pois foi o ano em que James Watt aperfeiçoou a
máquina a vapor e deu o início ao uso generalizado dos combustíveis fósseis.
Pois bem, no período que vai de 1776 a 2016, a população mundial cresceu 9,5
vezes e a economia global se multiplicou por cerca de 125 vezes. A despeito das
desigualdades, a renda per capita cresceu 13 vezes.
Em 240 anos, o crescimento
anual da população ficou em torno de 0,9% ao ano e o da economia ficou em torno
de 2% ao ano. Sendo que o período de maior crescimento demoeconômico ocorreu
depois da Segunda Guerra Mundial, quando a população passou de cerca de 2,5
bilhões de habitantes em 1950 para cerca de 7,5 bilhões de habitantes em 2016.
A média anual de crescimento do PIB ficou acima de 3,5% ao ano. É o período
conhecido como “grande aceleração”. O consumo de matérias primas e de recursos
naturais cresceu de maneira exponencial. Todo este processo trouxe muito lucro
para a humanidade (especialmente para os detentores dos meios de produção), mas
provocou grandes prejuízos para a natureza e a biodiversidade.
O progresso humano se deu às
custas do retrocesso ecológico. O crescimento exponencial das atividades
humanas resultou na ultrapassagem da capacidade de carga do Planeta. Segundo a
Global Footprint Network (2017), a pegada ecológica per capita do mundo, em
1961, era de 2,27 hectares globais (gha) e a biocapacidade per capita do Planeta
era de 3,12 gha. Para uma população de 3,1 bilhões de habitantes, o impacto da
pegada global do ser humano era de 6,98 bilhões de gha, representando apenas
73% dos 9,53 bilhões de hectares globais da biocapacidade disponível naquele
momento. Portanto, havia um superávit ou reserva ecológica na década de 1960. A
economia cabia na sustentabilidade da ecologia. Mas com o crescimento da
população e do consumo, a reserva ecológica foi sendo reduzida e, a partir de
1970, o superávit se transformou em déficit ambiental. Em 2013, a pegada
ecológica per capita do mundo subiu para 2,87 gha e a biocapacidade caiu para
1,71 gha. Para uma população mundial de 7,2 bilhões de habitantes, o déficit
ambiental chegou a 68% em 2013. A humanidade está vivendo no cheque especial.
Outra metodologia que ajuda a
avaliar a capacidade de carga da Terra foi apresentada nos artigos que tratam
das “Fronteiras Planetárias. A metodologia do Stockholm Resilience Centre identificou nove dimensões
centrais para a manutenção de condições de vida decentes para as sociedades
humanas e o meio ambiente, indicando que os limites já foram ultrapassados em 4
dimensões e estavam se agravando nas demais. Duas delas, a Mudança climática e
a Integridade da biosfera, são o que os cientistas chamam de “limites
fundamentais” e tem o potencial para levar a civilização ao colapso.
Desta forma, o
desenvolvimento econômico chegou a uma encruzilhada e a ideia de um
desenvolvimento sustentável virou um oximoro. O capitalismo que conseguiu
produzir uma quantidade tão grande de bens e serviços, não consegue ser ao
mesmo tempo economicamente inclusivo, socialmente justo e ambientalmente
sustentável. Diversos estudos mostram que nenhuma indústria seria lucrativa se
tivesse de pagar pelo capital natural que utilizam. Desde que a humanidade
ultrapassou a capacidade de carga do Planeta, o crescimento da produção tem
caminhado para uma situação, definida por economista ecológica Herman Daly,
como “crescimento deseconômico”.
A economia é um subsistema da
ecologia. Para manter a sustentabilidade e garantir o adequado padrão de vida
da humanidade, sem degradar as condições ambientais, a Pegada Ecológica, no
longo prazo, não pode ser maior do que a biocapacidade. Assim, é insustentável
manter o crescimento da produção e consumo de bens e serviços acima da
capacidade de carga do meio ambiente. Sem ECOlogia não há ECOnomia.
Essas lições foram
antecipadas de maneira clara no livro “Limites do Crescimento, um
relatório para o Projeto do Clube de Roma sobre o Dilema da Humanidade”,
liderado pelo casal Meadows e publicado originalmente em 1972. Os autores
construíram um modelo para investigar cinco grandes tendências de
interesse global: o ritmo acelerado de industrialização, o rápido crescimento
demográfico, a desnutrição generalizada, o esgotamento dos recursos naturais
não renováveis e a deterioração ambiental. Estas tendências se inter-relacionam
de muitos modos e a obra busca compreender suas implicações num horizonte de
cem anos.
A principal conclusão do livro está resumida neste
parágrafo: “Se as atuais tendências de crescimento da população mundial,
industrialização, poluição, produção de alimentos e diminuição de recursos
naturais continuarem imutáveis, os limites de crescimento neste planeta serão
alcançados algum dia dentro dos próximos cem anos. O resultado mais provável
será um declínio súbito e incontrolável, tanto da população quanto da
capacidade industrial” (p. 20).
Infelizmente o alerta do
livro “Limites do Crescimento” não foi ouvido. Evidentemente,
o modelo atual é insustentável e a humanidade marcha para uma situação
catastrófica caso continue avolumando a Pegada Ecológica bem acima da
biocapacidade. Por exemplo, a continuidade do efeito estufa pode ser o fator de
“declínio súbito e incontrolável”, apontado pelo livro “Limites
do Crescimento”. As constantes agressões antrópicas ao meio ambiente podem ter
um efeito de retroalimentação com o derretimento do permafrost e das Tundras do
círculo Ártico que liberam CO2 e o gás metano. Artigo de
Uwe Branda et. al. (2016) traz uma afirmação preocupante: “O aquecimento global
provocado pela liberação maciça de dióxido de carbono pode ser catastrófico.
Mas a liberação do hidrato de metano pode ser apocalíptica”.
Portanto, os dados mostram
que a natureza não aguenta mais a continuidade dos impactos do crescimento da
população humana, do seu consumo e da sua decorrente poluição. A continuidade
da perda da biodiversidade e da degradação dos ecossistemas aponta para um
abismo que pode sugar o progresso e jogar a economia em um caos imprevisível,
mas muito doloroso.
Para impedir o pior, é
preciso evitar o crescimento econômico quantitativo que extrai volumes
crescentes de recursos naturais e gera volumes ainda maiores de resíduos
sólidos e poluição do solo, das águas e do ar. Não basta o desacoplamento
relativo. A solução passa por uma mudança de paradigma e pelo decrescimento
demoeconômico, como forma de reduzir a Pegada Ecológica. E como bem mostra o
livro “Enough is Enough” (2010), não basta reduzir a pegada ecológica, também é
preciso reduzir o número de pés.
Mudar o padrão de produção e
consumo é fundamental. Porém, o decrescimento da população poderia dar uma
grande contribuição para diminuir o impacto negativo sobre o meio ambiente.
Mas, as projeções da ONU indicam que é quase certo que a população mundial vai
passar dos atuais 7,5 bilhões de habitantes, em 2016, para cerca de 10 bilhões
em 2055 e 11,2 bilhões em 2100. Porém, se houver queda mais acelerada das taxas
de fecundidade, o declínio populacional poderá ocorrer ainda na segunda metade
do século XXI. Neste quadro, o que fazer então para evitar uma catástrofe
ambiental?
Além da aceleração da queda
das taxas de fecundidade (que vão possibilitar a futura estabilização
demográfica) é preciso imediatamente modificar o modo de vida e reduzir o nível
de agressão à natureza. Mas há grandes resistências à diminuição do consumo em
qualquer sociedade, embora a redução do alto padrão de vida nos países ricos
poderia ser uma forma de mitigar os problemas ambientais e as desigualdades
sociais. O decrescimento demoeconômico nos países desenvolvidos é uma bandeira
que tem ganhado muitos adeptos, como mostra as publicações do grupo Research
& Degrowth (R&D).
Mas há muita resistência em
se falar em decrescimento demoeconômico nos países pobres e de baixo grau de
desenvolvimento. Argumenta-se que as populações do Terceiro Mundo não atingiram
um grau mínimo de bem-estar e que, portanto, estes países não têm “gordura”
para queimar. Falar em decrescimento populacional também mexe com os interesses
dos setores do fundamentalismo religioso, das forças militares, do
conservadorismo moral, dos políticos populistas e do nacionalismo xenófobo. O
pronatalismo sempre acompanha os sonhos da grandeza nacional, que tende a
deixar o meio ambiente e a biodiversidade em segundo plano, em relação ao
desenvolvimento das forças produtivas e ao egoísmo humano.
Contudo, quando se fala em
decrescimento não se pode pensar simplesmente na lógica quantitativa e
material. O decrescimento pode ser principalmente qualitativo, reduzindo as
atividades mais poluidoras e fazendo crescer as atividades com menor impacto
ambiental.
Por exemplo, o decréscimo da produção e do
consumo de combustíveis fósseis, além de diminuir as emissões de gases de
efeito estufa pode abrir espaço para o crescimento das energias renováveis
(solar, eólica, geotérmica, ondas, etc.), contribuindo para a descarbonização
da economia. As energias alternativas podem gerar emprego e democratizar o
acesso à produção e consumo energético, criando a figura do prossumidor
(produtor + consumidor).
Com base neste exemplo,
podemos listar diversas maneiras de fazer decrescer as atividades mais
poluidoras e degradadoras do meio ambiente, abrindo espaço para crescer as
atividades mais amigáveis à natureza. Vejamos algumas alternativas:
Decrescer os gastos militares
e reduzir a produção e uso de instrumentos de guerra e aumentar os
investimentos em atividades de engrandecimento da solidariedade nacional e
internacional, na promoção da paz e na ampliação do bem-estar social (com
melhoria da saúde, da educação e cultura ecocêntrica).
Decrescer a produção e o
consumo de fertilizantes químicos e agrotóxicos e aumentar os investimentos na
agricultura orgânica, na permacultura e na agricultura urbana, produzindo
alimentos saudáveis perto dos grandes centros urbanos (para decrescer os custos
de transporte e o desperdício dos alimentos).
Decrescer as áreas de
pastagem e a produção e o consumo de proteína animal, promovendo a transição
para uma dieta vegetariana e vegana, além de aumentar as áreas de florestas e
vegetação nativa.
Decrescer a produção e o uso
de carros particulares (principalmente aqueles grandes, pesados e que demandam
muita energia por quilômetro rodado) e aumentar os investimentos em transporte
coletivo e no compartilhamento de automóveis elétricos.
Decrescer as desigualdades, o
consumo conspícuo, os bens de luxo e investir em bens e serviços que permitam a
universalização do bem-estar, aumentando as atividades da economia solidária,
da economia colaborativa, de forma a diminuir os impactos das atividades
antrópicas.
Decrescer a demanda dos
serviços ecossistêmicos, reduzir a poluição e diminuir as áreas ecúmenas,
aumentando as áreas verdes (florestas e matas), limpando os rios, lagos e
oceanos para viabilizar a recuperação da biodiversidade, o aumento das áreas
anecúmenas e o incremento do bem-estar ecológico.
Decrescer a economia material
e aumentar a economia imaterial, a produção de bens intangíveis e a sociedade
do conhecimento, da solidariedade e do compartilhamento.
O fato é que a humanidade
precisa mudar o estilo de vida e o padrão de produção e consumo para diminuir a
degradação ambiental. O alerta feito, em 1972, no livro “Limites do
Crescimento” continua válido. Mas não basta mais limitar o crescimento. O
desafio atual é promover o decrescimento demoeconômico, reduzindo a Pegada
Ecológica e aumentando a Biocapacidade.
Também Celso Furtado, no
livro, “O mito do desenvolvimento econômico”, de 1974, pergunta o que
aconteceria se o desenvolvimento econômico se universalizasse. Ele responde de
forma clara: “se tal acontecesse,
a pressão sobre os recursos não renováveis e a poluição do meio ambiente seriam
de tal ordem (ou alternativamente, o custo do controle da poluição seria tão
elevado) que o sistema econômico mundial entraria necessariamente em colapso”
(Furtado,1974, p. 19).
Os dinossauros viveram na
Terra durante 135 milhões de anos. O Homo sapiens tem apenas 200 mil anos. Numa
perspectiva de longo prazo, pouco importa saber se o “declínio súbito e incontrolável”,
apontado pelo relatório, de 1972, do Clube de Roma, acontecerá em 50, 100 ou
200 anos. O certo é que o caminho atual é insustentável e, se nada for feito
para um redirecionamento, a humanidade não terá futuro num Planeta de terra
arrasada.
Indubitavelmente, não dá para
tergiversar, pois é impossível garantir o enriquecimento da sociedade humana às
custas do empobrecimento da comunidade biótica global. A insistência na
manutenção do rumo historicamente insustentável da economia e do crescimento
das atividades antrópicas pode levar a civilização ao precipício, ao ecocídio e
ao suicídio.
O sistema hegemônico de
produção e consumo, baseado na perpétua acumulação (capitalista ou socialista),
não consegue mais lidar com a crise ecológica. Por isto é impossível que a
continuidade do crescimento das atividades antrópicas mantenha de pé as três
bases do tripé da sustentabilidade, que na verdade se transformou em um
trilema. Assim, só o decrescimento demoeconômico poderá garantir o equilíbrio
homeostático da economia e do ambiente. Essas ideias fizeram parte da minha
apresentação no 22º Congresso Brasileiro de Economia (BH, 08/09/2017) e estão
baseadas no texto publicado na Revista Brasileira de Estudos de População.
Ambos os arquivos podem ser acessados nos links abaixo:
ALVES, JED. O trilema da
sustentabilidade e o decrescimento demoeconômico, 22º Congresso Brasileiro de
Economia, BH, 08/09/2017.
https://pt.scribd.com/document/358390999/O-trilema-da-sustentabilidade-e-decrescimento-demoeconomico
MARTINE, G. ALVES, JED.
Economia, sociedade e meio ambiente no século 21: tripé ou trilema da
sustentabilidade? R. bras. Est. Pop. Rebep, n. 32, v. 3, Rio de Janeiro, 2015
(em português e em inglês) http://www.scielo.br/pdf/rbepop/2015nahead/0102-3098-rbepop-S0102-3098201500000027P.pdf
Artigo originalmente
publicado na revista Economistas do Conselho Federal de Economia – COFECON, Ano
VIII, No 26, outubro-dezembro 2017.
http://www.cofecon.gov.br/revista-digital/ - (ecodebate)
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