Calor
extremo, incêndios e tempestades indicam que futuro assustador já chegou.
Caos
climático: calor extremo, incêndios e tempestades indicam que futuro assustador
já chegou.
Desde
a histórica onda de calor e de incêndios florestais no Oeste dos Estados
Unidos, passando pela enorme tempestade que atravessou o meio da nação, até o
ritmo recorde da temporada de furacões deste ano, as condições extremas sem
precedentes e simultâneas se assemelham ao clima caótico do futuro sobre o qual
os cientistas vêm nos alertando há décadas – só que ele já está acontecendo
agora.
Embora
as catástrofes climáticas sejam normalmente espaçadas no tempo e na localização
geográfica, neste momento os EUA estão enfrentando vários desastres. O Meio
Oeste está se recuperando de uma tempestade devastadora que causou quase 4
bilhões de dólares em estragos a casas e plantações, já que quase 250 mil
pessoas no Oeste estão sob ordens de evacuação ou avisos de incêndios que
queimaram mais de 400 mil hectares, e, ao mesmo tempo, os residentes ao longo
da Costa do Golfo estão se preparando para desmoronamentos consecutivos
provocados por uma tempestade tropical e por um furacão.
“Este
período atual de eventos naturais catastróficos nos Estados Unidos é
essencialmente uma fotografia daquilo que os cientistas e os gestores de
emergência temiam há muito tempo”, disse o meteorologista Steven Bowen, chefe
do Catastrophe Insight da AON, uma empresa internacional de mitigação de risco.
Michael
Mann, professor de Ciências Atmosféricas na Universidade Estadual da
Pensilvânia, estava por acaso na Austrália em um período sabático no ano
passado quando testemunhou os incêndios florestais devastadores lá – uma cena
semelhante ao que está acontecendo na Califórnia agora. Durante anos, Mann soou
o alarme sobre a aceleração das mudanças climáticas causadas pelo ser humano,
mas até mesmo ele está um tanto surpreso com o ritmo.
“Em
muitos aspectos, os impactos estão acontecendo de modo mais rápido e com uma
maior gravidade do que prevíamos”, disse ele.
Na
verdade, esses eventos não estão todos relacionados entre si, mas a única coisa
que eles têm em comum é que as mudanças climáticas tornam cada um mais
provável. A explicação simples é de que há mais energia no sistema, e essa
energia é gasta na forma de calor, incêndios, ventos e chuvas mais extremos.
Pode
ser tentador olhar para esses extremos como um “novo normal”, mas o Dr. Kevin
Trenberth, cientista sênior do Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica, diz
que, embora possa ser novo, não será normal.
A
água quente do oceano conduz os furacões para a costa leste dos EUA, mas a
Amazónia pode sentir os efeitos do calor.
Incêndios
florestais na Califórnia
Os
incêndios que estão ocorrendo na Califórnia agora não têm nenhum paralelo nos
tempos modernos. Com mais de 400 mil hectares queimados em apenas uma semana, a
temporada já é histórica, com mais hectares queimados na semana passada do que
o normal em um ano inteiro. Dois dos três maiores incêndios registrados no Estado
estão ardendo ao mesmo tempo – os incêndios nos complexos LNU e SCU – com a
probabilidade de que um deles ocupe o primeiro lugar em breve.
Em
31/08/20 o CalFire relatou que mais de 7.000 incêndios queimaram quase 600 mil
hectares nesta temporada, sobrecarregando os recursos a ponto de ser necessário
permitir que muitos dos incêndios menores continuem ardendo. O CalFire afirmou
que, para combater esses incêndios com o máximo da sua capacidade, a agência
precisaria de quase 10 vezes mais recursos de combate a incêndios do que os
disponíveis.
Como
acontece em qualquer desastre natural, a causa pode ser atribuída a vários
eventos coincidentes. Neste caso, a faísca para a maioria desses incêndios foi
uma série de raios, resultado da umidade atraída para a Califórnia a partir de
dois sistemas tropicais em decomposição no Pacífico oriental, que queimaram
arbustos secos.
Daniel
Swain é um conhecido cientista do clima, especializado em estudar a ligação
entre as mudanças climáticas e o clima no Oeste dos EUA, na Universidade da
Califórnia, em Los Angeles. Em uma postagem de blog, ele descreveu que até
mesmo alguém como ele, bem versado em desastres climáticos, está chocado com a
situação atual: “Estou essencialmente sem palavras para descrever o escopo do
surto de incêndios provocados por raios que evoluiu rapidamente no norte da
Califórnia – mesmo no contexto dos extraordinários incêndios dos últimos anos.
É realmente surpreendente”.
Embora
não seja raro que a umidade tropical invada a Califórnia, é raro e extremamente
triste que isso tenha ocorrido durante uma das piores ondas de calor do Oeste
dos EUA na história recente, sem falar de uma seca contínua de curto e longo
prazo. Os pesquisadores acreditam que, em 2000, o Oeste dos EUA entrou em uma
megasseca, uma das piores dos últimos 1.200 anos.
É
por isso que os cientistas do clima costumam dizer que as mudanças climáticas
reforçam a possibilidade de condições climáticas extremas. A causa dos
incêndios não são as mudanças climáticas, mas muitos dos fatores que prepararam
o terreno e tornaram as condições propícias para a ignição e a propagação do
fogo são um resultado direto do aquecimento climático.
No
dia 16 de agosto, o Vale da Morte atingiu a marca de 54,4ºC, a temperatura mais
alta já medida com segurança na Terra. Foi apenas uma pequena parte de uma onda
de calor monstruosa que quebrou centenas de recordes de calor em um período de
duas semanas. A ligação entre as ondas de calor e as mudanças climáticas é
direta, e múltiplos estudos têm mostrado que um clima mais quente está tornando
as ondas de calor mais prováveis e mais intensas.
“Basicamente,
há mais calor disponível: o equilíbrio energético da Terra está fora de
controle”, diz Trenberth. Essa energia térmica extra, aprisionada na atmosfera
pelo excesso de gases do efeito estufa provenientes da queima de combustíveis
fósseis, deve ser usada de alguma forma.
Trenberth
explica que, se o solo estivesse molhado, o calor seria usado primeiro para
evaporar a água, mantendo a temperatura do ar moderada. Mas, quando o ar e o
solo estão totalmente secos, como é típico da estação seca na Califórnia –
especialmente em verões como este –, o excesso de energia térmica é gasto
secando os arbustos e aquecendo e secando o ar.
Essa seca de longo prazo criou um “déficit de pressão de vapor” – ou, em termos mais simples, um déficit de umidade. De acordo com um estudo de 2019, essa é uma das principais razões para a intensificação das temporadas de incêndios de verão na Califórnia, atualmente em níveis recordes.
Dezenas de milhares de pessoas fogem de incêndios na Califórnia.
“Derechos”
no Meio Oeste
Um
“derecho” é uma linha de tempestades particularmente violentas e duradouras,
muitas vezes provocando ventos de mais de 120 km/h. Embora esses eventos
climáticos sejam comuns durante o verão, o evento que ocorreu no dia 10 de
agosto em Iowa e Illinois parecia de outro mundo.
A
linha de tempestades abriu um caminho de quase 1.300 quilômetros de comprimento
e mais de 64 quilômetros de largura ao longo de comunidades e campos de milho,
danificando 43% da safra de milho e soja de Iowa e causando quase 4 bilhões de
dólares em prejuízos. Estima-se que os ventos tenham chegado a 225 km/h, com
ventos com força de furacão que duraram de 40 a 50 minutos.
À
primeira vista, pode parecer que se trata apenas de um evento natural anormal,
sem nenhuma conexão real com as mudanças climáticas, mas pode não ser assim.
Embora não haja muitas pesquisas sobre a conexão entre as mudanças climáticas e
os derechos, um recente artigo [disponível aqui, em inglês] encontrou alguns
resultados alarmantes.
A
equipe de pesquisa usou um modelo climático para simular sistemas convectivos
de mesoescala (MCSs), um termo técnico para massas de tempestades, em um mundo
em aquecimento. Esses MCSs são as estruturas que às vezes geram os derechos.
Usando um cenário de altas emissões de gases do efeito estufa, o artigo
concluiu: “No fim do século, o número de MCSs intensos está projetado para mais
do que triplicar na América do Norte durante o verão, devido a condições
ambientais mais favoráveis”.
A
pesquisa também constatou que as taxas máximas de precipitação horária dos MCSs
aumentarão em 15% a 40% no futuro, devido a uma atmosfera mais quente e
carregada com mais umidade. “A fonte de umidade para os MCSs na região central
dos EUA é predominantemente o Golfo do México, e as mudanças climáticas irão
aumentar o transporte de umidade da corrente de jato de baixo nível do Golfo
para o norte”, explica o autor principal, Dr. Andreas Prein, do National Center
for Atmospheric Research.
“Ainda
se sabe pouco como tudo isso se relaciona com as mudanças na frequência e na
intensidade dos derechos”, admite Prein, mas agora que os modelos climáticos
são capazes de modelar isso, ele planeja fazer disso uma prioridade nos estudos
futuros.
Embora
Mann não tenha comentado especificamente sobre os derechos, ele acha que os
eventos extremos não são capturados adequadamente nos modelos climáticos
atuais. “Eu tenho defendido que os modelos climáticos provavelmente estão
subestimando o impacto na frequência e na severidade de vários tipos de eventos
climáticos extremos de verão, devido às deficiências em sua capacidade de
capturar algumas das dinâmicas relevantes das correntes de jato.”
De acordo com o artigo, “quase todo o aumento na área de incêndios florestais de verão durante 1972 e 2018 foi impulsionado pelo aumento no déficit de pressão de vapor”.
Furacão Laura toca solo e inunda estados do Texas e Lousiana.
Avisados
duma maré de tempestade mortal vinda do Golfo do México, mais de ½ milhão de pessoas foram evacuadas em plena pandemia.
Temporada
de furacões
Ter
dois sistemas tropicais como Marco e Laura no fim de agosto, o início do pico
da temporada de furacões, não é anormal, mesmo que as tempestades estejam muito
próximas uma da outra. Mas o que é anormal é o ritmo recorde da atual temporada
de furacões. Até agora, a temporada do Atlântico registrou 14 tempestades, 10
dias à frente do ritmo recorde. São duas a mais do que a média de uma temporada
inteira, que vai até o fim de novembro. Meteorologistas sazonais estão prevendo
até 25 sistemas neste ano, que ficaria em segundo lugar atrás de 2005.
Embora
existam muitos fatores que contribuem para a força de uma temporada de
furacões, o mais óbvio é a água quente que alimenta o desenvolvimento de
tempestades. Neste ano, quase toda a Bacia do Atlântico tropical está acima do
normal. Isso faz parte de uma tendência de aquecimento de longo prazo, na qual
as temperaturas da superfície do Atlântico aumentaram em cerca de 2º Fahrenheit
desde 1900, e a medida do Conteúdo de Calor do Oceano atinge níveis recordes a
cada ano.
As
temperaturas mais altas do oceano não garantem mais tempestades, mas fazem a
balança desequilibrar, dando às tempestades um impulso extra para se
desenvolverem. Após anos de pesquisa, a ciência do clima ainda não tem certeza
de como o aquecimento do clima afetará o número de sistemas no futuro, mas há
consenso de que, em geral, os furacões ficarão mais fortes e de que os furacões
mais fortes e destrutivos se tornarão mais frequentes. Como os grandes furacões
– categoria 3 e superiores – são responsáveis por 85% dos danos, um clima mais
quente provavelmente terá consequências econômicas e humanas devastadoras.
Eventos
compostos
Nos
círculos de pesquisa e entre os planejadores de emergência, o conceito de
ameaças compostas se tornou um assunto muito popular. Há anos, os cientistas
alertam que o aumento da população, a exposição e a vulnerabilidade, combinados
com eventos extremos impulsionados pelas mudanças climáticas, sobrecarregariam
os recursos e comprometeriam a resposta a emergências. Especialistas argumentam
que agora estamos vendo isso se desdobrar em tempo real.
“Esses
eventos igualmente profundos que estão ocorrendo em diferentes partes do país
ao mesmo tempo – aquilo que chamamos de extremos compostos ou conectados –
correm o risco de colocar uma pressão significativa sobre os recursos, os
orçamentos e a cadeia de abastecimento”, disse Bowen.
Esse
é um tema frequentemente esquecido nas discussões gerais sobre as mudanças
climáticas. Pode parecer fácil descartar um aumento de alguns graus nas
temperaturas globais como algo irrelevante. No entanto, quando uma cascata de
eventos extremos, cada um deles agravado pelas mudanças climáticas provocadas
pelo ser humano, se acumulam, isso expõe a fragilidade dos sistemas humanos
interconectados.
“Acrescente
a isso as complicações contínuas levantadas pela Covid-19, e você enfrentará
desafios ainda maiores ao tentar colocar as comunidades de volta em pé”, disse
Bowen.
Bowen escreveu recentemente um artigo [disponível aqui, em inglês] com outros cientistas proeminentes, tentando lidar com esse problema complicado. Ele diz que, por causa de fatores socioeconômicos, com a população se espalhando para regiões de maior risco e com uma aceleração das mudanças climáticas, eventos mais intensos “só vão exacerbar os impactos desses cenários compostos no futuro”.
Furacão Laura se dirigiu à Costa do Golfo dos EUA com previsão de danos catastróficos.
Especialistas
alertam que aquilo que estamos testemunhando no momento presente é uma janela
para a vida cotidiana em um futuro não muito distante, se os humanos não
reverterem o curso e reduzirem as emissões. É assim que as mudanças climáticas
se tornam uma força verdadeiramente desestabilizadora.
É
por isso que Bowen e seus colegas argumentam que é necessária muito mais
urgência para identificar essas combinações inesperadas e os riscos que elas
representam para a sociedade. (ecodebate)
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