Eugenio Singer, presidente da
Ramboll Brasil, subsidiária de uma das maiores consultorias ambientais do
mundo, e do Conselho de Administração do Instituto Pharos, organização dedicada
à defesa dos recursos naturais, salienta que a agenda ambiental torna-se
decisiva para a retomada das atividades econômicas pós-pandemia da Covid-19.
“No Brasil, porém, os graves impactos do desmatamento na Amazônia colocam o
País na contramão dessa irreversível tendência”.
O especialista pondera que,
no momento em que a crise deflagrada pela expansão do novo coronavírus cria
gravíssimo impacto planetário de múltiplas consequências, alguns fatos de
especial relevância causam inédita preocupação pelo poder que têm em interferir
nos já difíceis e imprevisíveis rumos do desenvolvimento humano, social e
econômico global no futuro pós-pandemia.
1) Assim como grupos
empresariais de diferentes nações, vinculados a diversos ramos de atividade
econômica, manifestaram seu desconforto com os rumos que vem tomando a
destruição da Floresta Amazônica, com aumento expressivo do ritmo e do volume
do desmatamento, não poderíamos deixar de apresentar nosso ponto de vista.
Nossa posição é lastreada pela presença de corporações estrangeiras no Brasil,
especificamente da Europa, América do Norte e Ásia, em setores importantes,
como os da agricultura, infraestrutura, transporte, mineração, saúde, telecomunicações,
energia, petróleo e gás, automotivo, farmacêutico e alimentos. Vemos com
crescente mal-estar a fragilização das condições de investimento no País. Este
problema decorre das sinalizações efetivas, dadas por instituições e
personalidades de governo, por meio de palavras, ações e omissões, de um
afastamento dos preceitos ecológicos. Trata-se de postura em sentido contrário
dos protocolos de ação consolidados no mundo inteiro, que reconhecem a
necessidade – e, mais do que isso, a urgência inarredável – de respeitar e
defender o meio ambiente como bem estratégico de uso coletivo, a ser planejado
e utilizado como tal, e não mais como objeto de uso predatório e centrado em
interesses produtivos mais imediatos. Fazemos parte da parcela crescente da
sociedade global que, finalmente, reconhece na conservação rigorosa e de base
científica dos recursos naturais e dos bens da natureza um ativo de imenso
valor, preponderante para o crescimento econômico sustentável. É este o fator
que garantirá às empresas uma inserção mais acolhedora e sensível nas questões
sociais e culturais, imprescindíveis para um avanço civilizatório capaz de
preservar, inclusive, nossos interesses e capitais. Tais movimentos
transformadores são inadiáveis.
2) A pandemia atual e seus
efeitos devastadores mostram-nos que a retomada das atividades e das esperanças
individuais não deve pretender apenas recompor o desenho previamente existente
no qual espelhávamos nossas vidas, nossas sociedades, nossa economia e nossas
interações locais, nacionais e globais. A recuperação exige pensamento
estratégico. É decisivo dar um passo à frente, dialogar com as reflexões e
respostas positivas e inovadoras hoje gestadas no mundo todo. Dessa forma, é
incompreensível e causa perplexidade que o Brasil não se dedique a inserir
fortemente a Amazônia preservada como parte fundamental de seu cacife para a
conjuntura necessariamente diferenciada que surgirá da crise da Covid-19. Mas,
não é o que vemos. Ao contrário, observa-se o aumento expressivo e persistente
do desmatamento, a fragilização dos órgãos de fiscalização com expertise na
área ambiental e a redução significativa das punições impostas aos infratores,
a despeito de novos arranjos institucionais formalmente destinados à proteção
da Floresta Amazônica.
3) Ao mesmo tempo, causa-nos
profundo pesar constatar a situação de risco extremo a que estão submetidos os
povos indígenas em todo o País, sobretudo na Amazônia. À escalada da pressão de
atividades ilegais de mineração e desmatamento em suas terras, mesmo as já demarcadas,
soma-se agora a ação devastadora do novo coronavírus. Mesmo diante de tais
ameaças concretas, esses brasileiros não vêm recebendo a atenção diferenciada
que sua situação de maior vulnerabilidade exige. Em contraste com o esforço
voluntário da sociedade civil brasileira e internacional para socorrê-los, é
nítida a participação tímida dos órgãos governamentais destinados à proteção
indígena, mesmo diante dos números que indicam um impacto que pode ser fatal
para várias etnias.
4) Entendemos ser indissociáveis
as duas questões aqui destacadas, ou seja, a proteção ao meio ambiente e os
direitos indígenas. A destruição de uma acarretará graves danos à outra e
vice-versa. E ambas são conquistas que estão na base do pensamento crítico e
analítico que nos leva, desde o século passado, a rever padrões de valores que
fundamentam a vida em sociedade e, principalmente, a arejar o pensamento
empresarial sobre seus compromissos para além da realização econômica. Hoje, de
maneira nítida e abrangente, tais princípios passam a fazer parte intrínseca da
vida das empresas, dos critérios de mercado, de investimentos e de viabilidade
de parcerias. E não há como ser diferente, dadas as duras lições que a
humanidade tem aprendido sobre o uso predatório dos recursos naturais e sobre a
desconsideração de direitos humanos, sociais e culturais básicos. Embora ainda
não possamos afirmar a hegemonia desses novos parâmetros, sabemos que é um
caminho sem volta, no qual países, corporações e indivíduos engajam-se cada vez
mais. Não se trata de ideologia, mas de constatar, o que temos feito com
frequência e bom senso, o efeito virtuoso de tal atitude, inclusive para os
resultados da produção econômica. Trata-se, enfim, de trazer o futuro para os
cálculos do presente e de não destruí-lo.
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