quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Devastação da Amazônia já afasta investimentos externos

Engenheiro Ambiental enfatiza destruição da Floresta Amazônica, fragilidade da fiscalização, relaxamento em exigências de proteção, ameaças à população indígena a consequente redução de investimentos externos.

Eugenio Singer, presidente da Ramboll Brasil, subsidiária de uma das maiores consultorias ambientais do mundo, e do Conselho de Administração do Instituto Pharos, organização dedicada à defesa dos recursos naturais, salienta que a agenda ambiental torna-se decisiva para a retomada das atividades econômicas pós-pandemia da Covid-19. “No Brasil, porém, os graves impactos do desmatamento na Amazônia colocam o País na contramão dessa irreversível tendência”.

O especialista pondera que, no momento em que a crise deflagrada pela expansão do novo coronavírus cria gravíssimo impacto planetário de múltiplas consequências, alguns fatos de especial relevância causam inédita preocupação pelo poder que têm em interferir nos já difíceis e imprevisíveis rumos do desenvolvimento humano, social e econômico global no futuro pós-pandemia.

Dentre tais fatores, ele aponta a maneira como distintas dimensões da crise entrelaçam-se no Brasil, fazendo convergir problemas anteriores e aqueles deflagrados pela Covid-19. Isso tem repercussões ambientais e sociais de alto risco para o País, seu povo e instituições, bem como para a humanidade. “Afinal, é inegável que o Brasil, por suas características geopolíticas, diversidade cultural e incomparável patrimônio ambiental, é um dos pilares para o turning-point que aponta cada vez mais, em escala global, para uma renovação estruturante dos conceitos de desenvolvimento prevalentes até o momento. Estes precisam ser reinventados com urgência, visando garantir até mesmo a vida na Terra, como alertam diariamente os efeitos dramáticos das mudanças climáticas, da perda de biodiversidade e da decrescente disponibilidade de água”, ressalta.
Eugênio Singer destaca que autoridades públicas dos distintos níveis de responsabilidade, centros de pesquisa, universidades, comunidade de saúde e sociedade civil empenham-se em atender às urgências da pandemia e, ao mesmo tempo, em preservar a capacidade do Brasil de se recuperar com a minimização possível de danos. “Porém, é preciso alertar sobre alguns pontos que podem ter efeitos desastrosos no futuro próximo do País e na sua inserção nos esforços globais de soerguimento, cada vez mais comprometidos com o desenvolvimento sustentável e a defesa dos direitos humanos”, observa, apontando cinco questões prioritárias:

1) Assim como grupos empresariais de diferentes nações, vinculados a diversos ramos de atividade econômica, manifestaram seu desconforto com os rumos que vem tomando a destruição da Floresta Amazônica, com aumento expressivo do ritmo e do volume do desmatamento, não poderíamos deixar de apresentar nosso ponto de vista. Nossa posição é lastreada pela presença de corporações estrangeiras no Brasil, especificamente da Europa, América do Norte e Ásia, em setores importantes, como os da agricultura, infraestrutura, transporte, mineração, saúde, telecomunicações, energia, petróleo e gás, automotivo, farmacêutico e alimentos. Vemos com crescente mal-estar a fragilização das condições de investimento no País. Este problema decorre das sinalizações efetivas, dadas por instituições e personalidades de governo, por meio de palavras, ações e omissões, de um afastamento dos preceitos ecológicos. Trata-se de postura em sentido contrário dos protocolos de ação consolidados no mundo inteiro, que reconhecem a necessidade – e, mais do que isso, a urgência inarredável – de respeitar e defender o meio ambiente como bem estratégico de uso coletivo, a ser planejado e utilizado como tal, e não mais como objeto de uso predatório e centrado em interesses produtivos mais imediatos. Fazemos parte da parcela crescente da sociedade global que, finalmente, reconhece na conservação rigorosa e de base científica dos recursos naturais e dos bens da natureza um ativo de imenso valor, preponderante para o crescimento econômico sustentável. É este o fator que garantirá às empresas uma inserção mais acolhedora e sensível nas questões sociais e culturais, imprescindíveis para um avanço civilizatório capaz de preservar, inclusive, nossos interesses e capitais. Tais movimentos transformadores são inadiáveis.

2) A pandemia atual e seus efeitos devastadores mostram-nos que a retomada das atividades e das esperanças individuais não deve pretender apenas recompor o desenho previamente existente no qual espelhávamos nossas vidas, nossas sociedades, nossa economia e nossas interações locais, nacionais e globais. A recuperação exige pensamento estratégico. É decisivo dar um passo à frente, dialogar com as reflexões e respostas positivas e inovadoras hoje gestadas no mundo todo. Dessa forma, é incompreensível e causa perplexidade que o Brasil não se dedique a inserir fortemente a Amazônia preservada como parte fundamental de seu cacife para a conjuntura necessariamente diferenciada que surgirá da crise da Covid-19. Mas, não é o que vemos. Ao contrário, observa-se o aumento expressivo e persistente do desmatamento, a fragilização dos órgãos de fiscalização com expertise na área ambiental e a redução significativa das punições impostas aos infratores, a despeito de novos arranjos institucionais formalmente destinados à proteção da Floresta Amazônica.

3) Ao mesmo tempo, causa-nos profundo pesar constatar a situação de risco extremo a que estão submetidos os povos indígenas em todo o País, sobretudo na Amazônia. À escalada da pressão de atividades ilegais de mineração e desmatamento em suas terras, mesmo as já demarcadas, soma-se agora a ação devastadora do novo coronavírus. Mesmo diante de tais ameaças concretas, esses brasileiros não vêm recebendo a atenção diferenciada que sua situação de maior vulnerabilidade exige. Em contraste com o esforço voluntário da sociedade civil brasileira e internacional para socorrê-los, é nítida a participação tímida dos órgãos governamentais destinados à proteção indígena, mesmo diante dos números que indicam um impacto que pode ser fatal para várias etnias.

4) Entendemos ser indissociáveis as duas questões aqui destacadas, ou seja, a proteção ao meio ambiente e os direitos indígenas. A destruição de uma acarretará graves danos à outra e vice-versa. E ambas são conquistas que estão na base do pensamento crítico e analítico que nos leva, desde o século passado, a rever padrões de valores que fundamentam a vida em sociedade e, principalmente, a arejar o pensamento empresarial sobre seus compromissos para além da realização econômica. Hoje, de maneira nítida e abrangente, tais princípios passam a fazer parte intrínseca da vida das empresas, dos critérios de mercado, de investimentos e de viabilidade de parcerias. E não há como ser diferente, dadas as duras lições que a humanidade tem aprendido sobre o uso predatório dos recursos naturais e sobre a desconsideração de direitos humanos, sociais e culturais básicos. Embora ainda não possamos afirmar a hegemonia desses novos parâmetros, sabemos que é um caminho sem volta, no qual países, corporações e indivíduos engajam-se cada vez mais. Não se trata de ideologia, mas de constatar, o que temos feito com frequência e bom senso, o efeito virtuoso de tal atitude, inclusive para os resultados da produção econômica. Trata-se, enfim, de trazer o futuro para os cálculos do presente e de não destruí-lo.

5) Assim, ao mesmo tempo em que reconhecemos no Brasil um tradicional ambiente propício a investimentos, não podemos ignorar e deixar de nos manifestar a respeito da insegurança atual quanto aos fatores aqui expostos. Ao mesmo tempo em que vemos o País como potência ambiental capaz de participar de maneira decisiva da recomposição planetária pós-pandemia, reconhecemos num possível estigma antiambiental e contrário aos direitos indígenas o poder de afastá-lo da interlocução global e do fluxo de capitais, para os quais este é um ponto de difícil superação. E, certamente, a política ambiental atual, com um nível ponderável de relaxamento dos protocolos básicos de licenciamento, controle e garantia de transparência dos dados sobre desmatamento, aliada ao insuficiente apoio às comunidades indígenas, não é um caminho que possa dar suporte a parcerias duradouras com corporações, instituições e fundos globais.
(ecodebate)

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