domingo, 11 de outubro de 2020

Nascimento tardio e morte precoce do bônus demográfico no Brasil

Há três aspectos do crescimento da população que podem ser examinados separadamente, na análise dos efeitos do crescimento da população sobre o crescimento da renda per capita: a) o volume da população; b) sua taxa de crescimento; e c) sua distribuição por idade” Ansley Coale e Edgar Hoover (1958).

Taxas de mortalidade e de natalidade sempre foram altas, desde o surgimento do Homo sapiens, há cerca de 200 mil anos. Para se contrapor às mortes precoces, as sociedades humanas se organizaram para manter altas taxas de fecundidade. Na luta pela sobrevivência e pela continuidade das gerações as mulheres precisavam ter muitos filhos para se contrapor à baixa esperança de vida ao nascer.

Porém, esta história imemorial começou a mudar depois da Revolução Industrial e Energética, com o avanço dos meios de transporte que deram agilidade nas trocas do comércio, possibilitando incorporação de novas terras agricultáveis e dos melhoramentos da medicina e do saneamento básico. As taxas brutas de mortalidade começaram a cair nos países europeus e de colonização inglesa no século XIX e a queda se generalizou para todos os países ao longo do século XX. O aumento da sobrevivência possibilitou a redução da fecundidade, pois já não era necessário tantos nascimentos para repor os falecimentos. Embora a França tenha sido precocemente pioneira ainda na primeira metade do século XIX, a redução da fecundidade é um fenômeno que se espalhou pelo mundo essencialmente do século XX.

O fenômeno da passagem de altas taxas para baixas taxas de mortalidade e natalidade é conhecido como transição demográfica e acontece de maneira sincrônica com o desenvolvimento econômico. O avanço da modernização econômica acelera a transição demográfica, mas o desenrolar da transição demográfica também atua no sentido de acelerar o aumento da renda per capita. Um fenômeno reforça o outro

A transição demográfica gera, deterministicamente, uma transição na estrutura etária, reduzindo, temporariamente, a Razão de dependência, isto é, diminuindo a proporção da população dependente e aumentando a proporção da população em idade de trabalhar, conforme mostra o gráfico abaixo.
Isto significa que se a proporção de pessoas em idade ativa faz aumentar o PIB, assim como a renda per capita, criando as condições para aumentar o bem-estar geral da população. O crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) é calculado multiplicando-se o número de pessoas empregadas pela produtividade do trabalho. Todos os países, com alto indicador do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), passaram pela transição demográfica e aproveitaram as vantagens da estrutura etária, o que viabiliza a ocorrência de um bônus demográfico.

O gráfico abaixo mostra que a População Economicamente Ativa (PEA) era de 31,3% da população total em 1970 e passou para 49% em 2010. Isto quer dizer que cada pessoa na PEA dividia, aproximadamente, sua renda com outros dois dependentes, enquanto, em 2010, divide aproximadamente com apenas um dependente. Exemplificando: considerando a produtividade constante, se cada pessoa da PEA ganhava 100 unidades monetárias em 1970 a renda per capita era de aproximadamente 33 unidades monetárias e, em 2010, passou, aproximadamente para 50 unidades monetárias. Ou seja, apenas pelo efeito do bônus demográfico houve um aumento da renda per capita de 50%.

Portanto, o bônus demográfico no Brasil começou no início da década de 1970. Mas a literatura demográfica e econômica brasileira demorou a perceber as vantagens da mudança da estrutura etária provocada pela transição demográfica. Mesmo no mundo houve um reconhecimento tardio deste fenômeno. Embora o famoso livro População e Desenvolvimento Econômico, de Coale e Hoover, publicado em 1958, já tenha chamado a atenção para os efeitos benéficos da transição da estrutura etária, este tema não entrou nos planos de ação das Conferências Internacionais de População organizadas pela ONU: Bucareste, 1974; México, 1984 e Cairo, 1994.

Quem melhor compreendeu as vantagens do bônus demográfico foi o Japão, os Tigres Asiáticos (Coreia do Sul, Taiwan, Singapura e Hong Kong) e depois a China. O bônus demográfico foi fundamental para possibilitar o aumento das taxas de poupança e investimento e para viabilizar o alto crescimento da renda per capita destes países do leste asiático.

No Brasil a discussão do bônus demográfico só chegou nos anos 2000 e mesmo assim houve resistência por parte dos demógrafos antineomalthusianos que, explicita ou implicitamente, reforçaram a perspectiva do pronatalismo antropocêntrico e ecocida e engrossaram as fileiras do conservadorismo moral e do fundamentalismo religioso.

De qualquer forma, a década 2011-20 era fundamental para o aproveito do bônus demográfico, pois a Razão de Dependência (RD) estava em seu nível histórico mais baixo. Seria o período ideal para o Brasil dar um salto na renda per capita e garantir melhor desenvolvimento humano. Entretanto, o país está vivendo a sua pior década em termos econômicos de todos os tempos, com grande volume de pessoas fora do mercado de trabalho.

A crise que começou em 2014 foi devastadora. Mas o que estava ruim piorou ainda mais como a propagação do novo coronavírus no território nacional que paralisou a economia e agravou a situação fiscal do país. A covid-19 pode significar a pá de cal no bônus demográfico e na possibilidade de o Brasil dar um salto na qualidade de vida de sua população.
Bônus demográfico brasileiro: 1970-2037.

Para entender as origens do conceito de bônus demográfico e tentar reconstruir a conjuntura que permitiu a aceitação do conceito no Brasil, os mecanismos que viabilizaram a sua difusão na sociedade brasileira e o debate sobre o seu término, ver o texto “Bônus demográfico no Brasil: do nascimento tardio à morte precoce pela Covid-19” (Alves, ago/2020). (ecodebate)

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