Dados
de satélite coletados ao longo de 23 anos foram analisados. Cientistas alertam
para aumento de emissões, perda de biodiversidade e
risco de doenças infecciosas.
A degradação
florestal é o resultado do conjunto de perturbações que
ocorrem por influência humana e a despeito de a floresta continuar de pé. No
desmatamento, a floresta é removida e substituída por pasto, monocultura ou
pelo simples abandono. A degradação é um fenômeno mais difícil de ser percebido.
A degradação
florestal está ligada a surtos de doenças infecciosas como
resultado do maior contato entre humanos e a vida selvagem desabrigada.
Especialistas alertam que a Amazônia pode
ser a fonte da próxima pandemia.
Extração seletiva de madeira, queima do sub-bosque,
efeito de borda e fragmentação florestal: os fatores de pressão que compõem a
degradação custaram caro à Floresta Amazônica no Brasil,
de acordo com um estudo publicado na revista Science.
Eraldo Matricardi, da Universidade de Brasília,
e David Skole, da Michigan State
University, lideraram uma equipe internacional de pesquisadores
que analisou 23 anos de dados de satélite em toda a Amazônia brasileira
para mapear áreas de desmatamento e degradação. Eles analisaram o espectro
de luz presente em cada pixel de 1.200 imagens do satélite Landsat,
cada uma representando 30 metros quadrados de floresta, para determinar a
proporção de vegetação verde e, como efeito, a extensão da degradação.
“A
luz refletida em cada pixel é a combinação da luz do solo nu, da vegetação
fotossintética e da não fotossintética, [tal como] os caules e galhos das
árvores”, explica Skole. Estimar a
fração de vegetação verde em cada pixel permitiu à equipe visualizar a
degradação florestal em larga escala. A equipe mapeou a
degradação causada como consequência do desmatamento (extração
seletiva de madeira e incêndios no sub-bosque) e a completa conversão da terra
em madeira, pastos, plantações ou outras atividades humanas.
A
análise confirmou que as taxas de desmatamento caíram a partir de um
pico de 29 mil km2/ano em 2003 para 6 mil km2/ ano em
2014. Contudo, este declínio no desmatamento foi compensado por uma
tendência de aumento da degradação florestal e, em 2014, a taxa de degradação superou
o índice registrado para o desmatamento. Está aumento da extração
de madeira e as queimadas no
sub-bosque. Para se ter uma ideia, durante os 23 anos do período do estudo, a
taxa anual de corte seletivo de madeira aumentou 270%.
A degradação
florestal pelos incêndios e corte seletivo de madeira ocorreram de maneira
quase que contínua na paisagem por longos períodos de tempo e não foi
substituída por outras formas de degradação ou pelo desmatamento.
“A área afetada pela degradação equivale a 10% do total da Amazônia e,
ao contrário do que se pode imaginar, uma parte considerável dessa degradação não
levou ao desmatamento”, diz Marcos Pedlowski,
da Universidade Estadual do Norte Fluminense, Darcy
Ribeiro, coautor do estudo.
Acordos
e iniciativas internacionais dependem não só do monitoramento do desmatamento,
mas também da degradação florestal. Por conta disso, os resultados do novo
estudo podem influenciar diretamente no resultado de iniciativas globais que
visam deter a perda de biodiversidade e as emissões de carbono, como, por
exemplo, o programa de Redução de Emissões do
Desmatamento e Degradação Florestal (REDD+)
da Convenção do Clima da ONU. “É preciso começar a levar em
conta a degradação”, diz Skole.
As
descobertas também podem ter implicações importante para a contagem das
emissões globais de gases de efeito estufa e para os compromissos brasileiros
com o Acordo de Paris. “As florestas da Amazônia brasileira
armazenam 25% do carbono contido acima do solo em todas as florestas
tropicais do mundo, tornando seu papel extremamente importante e inquestionável
para o ciclo global e a regulação climática”, diz Wayne Walker,
diretor do Programa de Carbono no Centro
de Estudos Climáticos Woodwell, localizado no estado americano
do Maine.
“Esses
resultados, que são coerentes com nossas descobertas, confirmam que a atenção
do Brasil para com o monitoramento do desmatamento resultou
em significativa subestimação das emissões de carbono
da floresta”,
acrescenta Walker, que não participou diretamente do estudo
publicado na Science. “Proteger as florestas intactas, enquanto se
incentiva a recuperação de áreas degradadas, deve ser um componente fundamental
de qualquer estratégia ampla de mitigação do clima.”
Pedlowski alerta que “a
situação atual é provavelmente pior do que a mostrada no artigo científico [que
observou apenas a degradação florestal até 2014], especialmente por causa do
maior número de incêndios florestais que
aconteceram em 2019 e 2020”.
Amazônia mais perto do ponto irreversível
A degradação
florestal, além de ser um fator-chave das emissões de carbono, também está
ligada a mudanças nos ciclos da água e de nutrientes, que, segundo
especialistas, podem levar ao ponto de virada ecológica que transformaria
a Amazônia de floresta tropical biodiversa em savana degradada.
Ao
acrescentar a degradação florestal mapeada no estudo à equação, “o
limiar para o chamado ponto de inflexão está muito mais próximo do que a
comunidade científica estimou até agora”, diz Pedlowski.
“Se quisermos evitar [o ponto de virada], controlar a degradação florestal será
tão importante quanto controlar o desmatamento”.
A degradação
florestal também está conectada a surtos de doenças
infecciosas, resultantes do contato mais frequente entre humanos e a vida
selvagem desabrigada. Um estudo divulgado no ano passado aponta que um aumento
de 10% no desmatamento na Amazônia Brasileira estava ligado a
um aumento de 3,3% nos casos de malária.
Destruição negligenciada
A degradação
das florestas da Amazônia tem sido historicamente negligenciada por
políticos, ativistas e até mesmo cientistas, em parte porque é bem mais difícil
detectá-la em comparação desmatamento.
“Não se pode administrar aquilo que não se pode medir”, lamenta Walker.
Para
piorar, Pedlowski alerta que a abordagem atual de “pouco
caso” do governo de Jair Bolsonaro transformou a Amazônia em
um “velho oeste”, o que pode resultar em desmatamento e
degradação ainda mais severos. Para evitar esse potencial desastre ecológico,
“o primeiro passo é restabelecer as ferramentas de comando e controle que foram
desmanteladas pelo governo Bolsonaro e impedir o enfraquecimento de
órgãos fundamentais como o IBAMA, o ICMBio e
o INPE”.
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