No primeiro ano de Bolsonaro,
emissões de gases estufa no Brasil sobem 10%.
Puxado por alta do
desmatamento na Amazônia, país lançou 2,175 bilhões de toneladas de CO2
no ar em 2019 e não deve cumprir meta da lei nacional para 2020, mostra SEEG.
O dado consolida a reversão da tendência de redução das emissões no
Brasil, verificada entre 2004 e 2010, e sugere que o país não deverá cumprir a
meta da PNMC (Política Nacional sobre Mudança do Clima) em 2020. “Estamos numa
contramão perigosa. Desde 2010, ano de regulamentação da lei nacional de clima,
o país elevou em 28% a quantidade de gases de efeito estufa que despeja no ar
todos os anos, em vez de reduzi-la”, disse Tasso Azevedo, coordenador do SEEG.
“No ritmo em que está e com os indicativos de que dispomos, o país não consegue
cumprir a meta de 2020 e se afasta da de 2025”.
O crescimento das emissões no último ano foi puxado pelo desmatamento na
Amazônia, que disparou no ano passado. A quantidade de gases de efeito estufa
do setor de mudança de uso da terra subiu 23% em 2019, atingindo 968 milhões de
tCO2e — contra 788 milhões em 2018. O desmatamento respondeu por 44%
do total das emissões do país no ano passado. Desde a PNMC, as emissões por
mudança de uso da terra cresceram 64% no Brasil, em que pese a meta da lei de
reduzir o desmatamento na Amazônia em 80% em 2020 comparado à média entre 1996
e 2005.
Contribuição crescente da agropecuária
“O aumento significativo nas emissões brasileiras foi capitaneado pelas
elevadas taxas de devastação na Amazônia e pelo descaso com a política
ambiental demonstrada no primeiro ano da administração Bolsonaro”, disse Ane
Alencar, diretora de Ciência do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da
Amazônia). “O aumento das emissões não somente impacta nossos compromissos
internacionais como ameaça a reputação do nosso agronegócio.”
A agropecuária vem em segundo lugar, com 598,7 milhões de toneladas de
CO2e em 2019, um aumento de 1% em relação às 592,3 milhões de
toneladas emitidas em 2018. Somando-se as emissões de uso da terra e
agropecuária, o SEEG conclui que a atividade rural — seja direta ou indiretamente,
por meio do desmatamento, que é quase todo destinado à agropecuária — respondeu
por 72% das emissões do Brasil no ano passado.
Isso significa que, após dez anos de política de clima, o Brasil ainda
tem o mesmo tipo de curva de emissões de antes da adoção da política, e que as
emissões no país seguem descoladas do PIB: elas cresceram quase dez vezes mais
que o “pibinho” de 1,1% no ano passado. Isso se deve ao fato de o desmatamento
ser uma atividade que não gera riqueza.
“Os resultados do SEEG agro mostram a crescente contribuição da agropecuária para as emissões nacionais. Esse cenário precisa ser revertido e, para isso, os sistemas de produção devem adotar as boas práticas de manejo e cuidar do solo, onde está concentrada a maior parte dos estoques de carbono. Um solo conservado produz mais e ainda estoca carbono, sendo, portanto, um dos recursos naturais mais importantes do Brasil”, afirma Renata Potenza, Coordenadora de Clima e Cadeias Agropecuárias do Imaflora.
O setor de energia respondeu por 19% do total de emissões do Brasil.
Elas tiveram um aumento discreto de 1% no ano passado, indo de 409,3 milhões
para 413,6 milhões de tCO2e. Isso se deveu a um aumento no consumo
de energia elétrica, que levou ao acionamento de termelétricas a gás mesmo num
cenário de chuvas dentro da média para as hidrelétricas, e de um aumento no uso
de diesel devido à recuperação do transporte de cargas, principal consumidor de
combustíveis fósseis no país. A recuperação do etanol, cujo consumo retornou a
níveis de antes da crise do setor em 2012, e o aumento paulatino do uso de
biodiesel impediram um maior aumento das emissões de energia no ano passado.
“Na geração de eletricidade também houve aumento da demanda, o que
causou uma elevação da geração por termelétricas fósseis, mas a geração
hidrelétrica, eólica e solar teve um aumento ainda mais expressivo”, disse
Felipe Barcellos, analista de projetos do Instituto de Energia e Meio Ambiente.
“Isso acabou por barrar o aumento das emissões do setor, que poderia ter sido
maior.”
As emissões da indústria, que acompanham mais de perto o PIB e as
dificuldades do setor, caíram 2% — de 101 milhões de tCO2e em 2018
para 99 milhões em 2019, e representaram no ano passado 5% das emissões do
Brasil.
Por fim, o setor de resíduos teme um crescimento também discreto, de
1,3%, indo de 94,8 milhões de toneladas de CO2 equivalente em 2018
para 96,1 milhões em 2019. Apesar de responder por apenas 4% das emissões
nacionais, o setor tem recebido enorme atenção do Ministério do Meio Ambiente,
cujo ministro o considera “o principal problema ambiental brasileiro”. Foi o
único setor beneficiado em 2020 com a retomada do Fundo Nacional de Mudança do
Clima, sendo carimbado como destino dos R$ 580 milhões depositados no fundo em
2020, após sua paralisia completa por um ano e meio. “Historicamente o setor
apresenta um crescimento significativo. No entanto, nos últimos anos é possível
uma certa estabilidade das emissões. Isso indica um cenário de manutenção da
situação atual, sem grandes avanços na gestão de resíduos e no cumprimento das
metas climáticas setoriais”, disse Iris Coluna, assessora de Projetos do ICLEI
— Governos Locais pela Sustentabilidade.
As emissões em 2019 colocam o Brasil na sexta posição entre os maiores
poluidores climáticos do mundo – subindo para quinto lugar quando se exclui a
União Europeia. As emissões per capita do Brasil também são maiores que a média
mundial. Em 2019 cada cidadão brasileiro emitiu 10,4 toneladas brutas de CO2e,
contra 7,1 da média mundial.
Além do corte no desmatamento, em 2020, a lei nacional de clima
comprometia o Brasil a reduzir suas emissões em 36,8% a 38,9% ao final deste
ano em relação à trajetória que se imaginava que elas fossem seguir quando a
política foi aprovada. O cálculo da meta tem uma série de particularidades, mas
já em 2019 o país perdeu seu limite mais ambicioso e tinha emissões exatamente
coincidentes com o limite menos ambicioso. Estimativas do SEEG indicam que,
mantida em 2020 a variação média das emissões dos últimos dez anos, o país
ultrapassará em cerca de 9% o limite menos ambicioso da meta.
“O país já chega devendo em 2021, ano em que deveria ter início o
cumprimento da NDC, nossa meta nacional no Acordo de Paris”, diz Marcio
Astrini, secretário-executivo do OC. “Com um governo negacionista da mudança
climática e que nem sequer entregou um plano de implementação da NDC até agora,
nossa participação no Acordo de Paris se resume a uma assinatura num pedaço de
papel. Isso terá consequências sérias para a inserção internacional do Brasil e
para nosso comércio exterior nos próximos anos”.
Sobre o Observatório do Clima: rede formada em 2002, composta por 56 organizações não governamentais e movimentos sociais. Atua para o progresso do diálogo, das políticas públicas e processos de tomada de decisão sobre mudanças climáticas no país e globalmente. Site: www.observatoriodoclima.eco.br.
Sobre o SEEG: O Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa foi criado em 2012 para atender a uma determinação da PNMC (Política Nacional de Mudanças Climáticas). O decreto que regulamenta a PNMC estabeleceu que o país deveria produzir estimativas anuais de emissão, de forma a acompanhar a execução da política. O governo, porém, não as produziu. Os inventários nacionais, instrumentos fundamentais para conhecer em detalhe o perfil de emissões do país, são publicados apenas de cinco em cinco anos.
O SEEG (www.seeg.eco.br) foi a primeira iniciativa
nacional de produção de estimativas anuais para toda a economia. Ele foi
lançado em 2012 e incorporado ao Observatório do Clima em 2013. Hoje, em sua
oitava edição, é uma das maiores bases de dados nacionais sobre emissões de
gases estufa do mundo, compreendendo as emissões brasileiras de cinco setores
(Agropecuária, Energia, Mudança de Uso da Terra, Processos Industriais e
Resíduos).
As estimativas são
geradas segundo as diretrizes do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças
Climáticas), com base nos Inventários Brasileiros de Emissões e Remoções
Antrópicas de Gases do Efeito Estufa, do MCTIC (Ministério da Ciência,
Tecnologia, Inovações e Comunicações).
Atuaram no SEEG 8
pesquisadores das ONGs: Ipam (Mudança de Uso da Terra), Imaflora
(Agropecuária), Iema (Energia e Processos Industriais) e ICLEI – Governos
Locais pela Sustentabilidade (Resíduos). (ecodebate)
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